A Dor que Sufoca

436 23 75
                                    

Sebastian,

Muita coisa aconteceu e eu preciso de sair daqui por algum tempo.

Sinto falta do tio Solomon.

Preciso de tempo.

Eu sempre vou amar-te, mas não sei se algum dia poderei perdoar-te.

Anne

A carta foi a única coisa que restara na casa, repousada sobre a mesa e sem data. Posso imaginar que estivera solitária desde a... Bom, desde aquele dia em que encontrara Sebastian na catacumba nos arredores de Feldcroft. Cada vez que essas memórias ocupavam a minha mente, o medo que sentira voltava com a mesma força. Se não tivesse recebido a coruja do Ominis a tempo, não quero imaginar o que poderia ter acontecido. Recordar o semblante perturbado de Sebastian quando, finalmente, o tirara daquele lugar era uma tortura da qual sabia que nunca iria me livrar.

Desde que o desejo de Sebastian de salvar a Anne beirara a obsessão, que um mau pressentimento deixara-me inquieta. No entanto, nada me preparara para o desfecho desta história: uma família destruída.

Antes que me afundasse naquele mar negro, respirei fundo em busca de coragem. Levantei o olhar do papel na mão trémula de Sebastian e estudei o seu semblante carregado.

Passou-se quase um ano desde que nos conhecemos na aula de Defesa Contra as Artes Negras. Trilhamos juntos este caminho para salvar a Anne. Por isso, sabia o quanto estava angustiado mesmo sem expressá-lo em palavras. Sabia também da revolta que sentia: por si próprio e pelo mundo. A vida não é justa, mas talvez tenha sido demasiado cruel com os irmãos Sallow.

Quis abraçá-lo mas, como sempre, abstive-me de qualquer intenção de aproximação. O certo é que tivesse o efeito contrário.

A carta foi devolvida à mesa com pouco cuidado e, sem nada dizer, Sebastian saiu porta fora a passos pesados. O mundo parecia estar a desmoronar-se.

Com um suspiro, contemplei a pequena casa uma vez mais: a mesa redonda; as camas à esquerda, com cortinas como divisórias; a cozinha simples à direita, de caldeirão vazio e nenhum rasto de cinzas. Quando Sebastian me convidara para conhecer Anne, mesmo sabendo como o seu tio Solomon desaprovava as suas tentativas de curá-la, não esperara um ambiente familiar tão tempestuoso. Admito que Sebastian possa ser imprudente e obstinado, no entanto, as suas intenções eram boas. Não só isso: também eu acredito que haja uma chance de salvar Anne da maldição que Victor Rookwood colocou sobre ela. Que ninguém leia os meus pensamentos nem os espalhe, pois acredito que a magia que possuo seja capaz disso. No entanto, receio que trilhe o mesmo caminho que Isidora trilhara e, com isso, acabe por destruir vidas como ela destruira. Mesmo depois de anos da sua morte, o seu legado ainda era motivo de preocupação.

O rosto do professor Fig veio-me à memória. Também ele fora uma das vítimas. Sou-lhe eternamente grata por este fugaz ano que estive sob os seus cuidados. O meu peito apertou-se de dor e tristeza, mas não podia ceder. Por isso, recolhi a carta de Anne e guardei-a. Se fosse o caso de voltar, assim saberia que Sebastian estivera aqui.

Fui de encontro a Sebastian no campo à esquerda da casa, onde ele andava em círculos como uma barata tonta. Ouvi-o bufar para o que quer que pensasse e, se a situação fosse outra, talvez fizesse graça da sua tentativa inútil de se acalmar.

– Vai anoitecer. O melhor é voltarmos para o castelo.

Ao som da minha voz, vi-o parar e dirigir-me o olhar. Vi a sua luta interna entre ficar e partir de volta para Hogwarts. Queria dizer-lhe que de nada adiantava esperar em Feldcroft pelo retorno incerto de Anne, mas Sebastian antecipou-se.

Entre Luz e Sombras (Sebastian Sallow x FemOC)Onde histórias criam vida. Descubra agora