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Heloisa batia com a ponta dos saltos altos no piso de vinílico enquanto encarava sua terapeuta.

-Acho que falta falarmos apenas sobre o elefante branco na sala – disse a psicóloga de um jeito firme ao mesmo tempo risonho, sem intimidar.

-Qual? – Helô sorriu de volta, mas não o fez de um jeito simpático.

-Stenio – pontuada ela sem rodeios.

Helô franziu o cenho e soltou um longo suspiro. Se ajeitou mais confortavelmente na poltrona de couro marrom muito aconchegante do paciente. Aquelas paredes em tons creme e quadros de plantas que as encaravam tornaram-se suas companheiras semanais há mais de um ano agora novamente.

Ela havia feito terapia por quase 8 anos, depois que recasou com Stenio, isso a ajudou muito a equilibrar o casamento, trabalho, administrar a casa, ser mãe, avó. Depois, não sentiu mais necessidade, foi então nesse meio tempo que perdeu um pouco o controle, se envolveu em um caso extremamente difícil na delegacia, trabalhou incansavelmente por muitas horas, isso durou quase um ano, ela deixou a delegada se sobressair sobre todos os outros papéis da sua vida, quase se esqueceu de ser esposa, mãe e avó. Foi quando o seu casamento com Stenio colapsou e ela pediu o divórcio novamente.

Quando Stenio havia ido embora, quando o caso mais difícil da sua vida na delegacia se solucionou, quando falava apenas uma vez por mês com sua filha e neto, se deu conta que estava sem rumo e precisava de um lugar para ajudá-la a se reencontrar. Então, voltou para a terapia.

Ela e sua psicóloga trabalharam em sua vinculação saudável com o trabalho novamente, sua reconexão com seus papeis de avó e mãe, e estavam trabalhando sobre Stenio, que era o simples mais complicado de sua vida.

-Stenio – ela repetiu pensativa.

-A última vez em que você mencionou – ela limpou a garganta discretamente – ele foi até a sua casa, vocês tomaram uma cerveja, conversaram sobre o trabalho. Passaram a noite e a manhã juntos.... – seu tom era sugestivo.

Foi a vez de Helô limpar a garganta – Certo... 

-O que eu quero entender é se isso está confortável pra você?

-O que? Dormir com Stenio? – Helô riu anasalada.

-Sim, esse dormir hoje, não dormir amanhã, cada um na sua casa, esse contrato silencioso de namoro de vocês.

-Namoro? – Helô falou, considerando. Não havia pensado sobre isso Não sabia o que ela e Stenio eram, não sabia se havia alguma definição.

-Algo te incomoda sobre isso Helô?

Ela fechou os olhos – Não sei dizer, não sei qual é o meu sentimento exato. Só sei que quando ele chega, ele me desmonta.... Há 30 anos, ele me desmonta, me desarma.

Helô estava tentando ao longo do processo terapêutico buscar compreender a página em que ela e Stenio se encontravam e qual era o caminho que as escolhas deles estavam traçando. A psicóloga havia pontuado de maneira bem perspicaz como Helô havia feito seu caminho de volta para Stenio, mesmo que de forma inconsciente. Chamou Creusa para voltar a trabalhar com ela, a maior incentivadora e torcedora dos dois. Ela deu corda para as provocações de trabalho dele, foi no escritório, soltou até uma nota de desaparecimento – riu com essa lembrança, estava desesperada mesmo – foi abrindo a porta toda vez que ele batia, buscou conviver de novo com suas primas porque agora ele também estava convivendo... e assim, estavam aos poucos um na vida do outro novamente. Entendeu também que por ele tinha um sentimento de posse, ela não sabia se o queria de volta ou não, mas não suportava pensar nele com outra. Levando flores, comprando joias, cestas de café da manhã, e o pior beijando, amando, compartilhando uma vida que não fosse com ela.

Nem perto do fimOnde histórias criam vida. Descubra agora