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Quando criança, certa vez, prendi um passarinho numa gaiola. A ave era pequena, um filhote, a penugem recém transformando-se em penas. Encontrei-o no jardim, em meio aos arbustos, nunca soube se havia caído do ninho ou se em um ímpeto de coragem tentava alçar seu primeiro vôo. Tive pena do animalzinho... Ele era tão frágil, sozinho e tremia... Segurei-o com as mãos em concha para não apertar demais e ao mesmo tempo aquece-lo. O passarinho virou seus olhos espantados para mim. Percebi que ele sentia-se ao mesmo tempo seguro e temeroso pois minha postura era de quem não ia lhe fazer mal, mas seus instintos alertavam que sendo eu um menino e ele uma pequena ave, bastaria um movimento meu para lhe causar grande dor.
Hoje, ao olhar para minha esposa, lembro daquele passarinho...
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Entro no quarto que se tornou meu lugar preferido na casa. Dilan adormece encolhida no sofá. Ela deve estar com frio, então me aproximo com um cobertor e cubro seu corpo lentamente, encantado por sua beleza e desejando sentir mais do seu perfume doce, inclino o rosto perto dos seus cabelos mas assusto-me e recuo quando vejo-a saltando e ficando em pé. A lâmina de um punhal reluz em sua mão. Fico alerta e estupefato com esse gesto. De onde veio isso? Porque ela o está apontando para mim?
- Não me toque!
Deveria soar como uma ameaça, mas noto o medo em sua voz. Mesmo assim, há perigo, pois uma pessoa com medo é capaz de tudo, até mesmo ferir a si própria.
- Ok. Fiquei calma. Solte isso.
- Eu não vou soltar!
Gritando sua resposta Dilan abaixa o braço e me acerta. Dor. Sinto que a faca atravessou minha carne, mas o que realmente atormenta meu ser é ver com meus próprios olhos ela me apunhalando. O corte em minha pele não é profundo como o que está se abrindo em minha alma... Procuro seu olhar... Ela desvia, não me encara, nem solta o punhal...
Por um tempo ficamos assim. Eu imploro em silêncio que ela me olhe, que levante seu rosto para que eu possa ver que não é ela, que tudo isso é um engano, um pesadelo, que não é a minha Dilan que está aqui... Mas quando finalmente ela encara-me só faz a dor crepitar e disparar como brasa ardente por meu peito. Procuro uma explicação, desejo que ela fale o que está acontecendo ou que termine de enterrar a lâmina até o fundo e abandone meu corpo nesse quarto frio.
Mas minha esposa não se move. Ela parece atordoada e seus olhos se fecham com força para não me encarar. A raiva cresce dentro de mim, fazendo-me esquecer a dor ou qualquer outro sentimento. Então é isso, ela quer me matar, é uma traidora, uma cobra, no fim das contas tudo que fiz para protege-la dos outros, acabou me deixando vulnerável a sua vingança.
Agarro a faca e puxo lentamente do peito rasgando minha pele e fazendo sangue gotejar rápido manchando nossas roupas e o tapete. Dilan me encara assustada, parece retornar aos seus sentidos e fala sozinha. Eu viro as costas e vou ao banheiro. No espelho, vejo o reflexo de um homem estúpido, um bobo que se deixou seduzir por uma voz doce e um rostinho bonito. Sinto tanta raiva de mim mesmo... Esse casamento era para ser somente um negócio, um fim da antiga rixa, a vingança dos Karabay contra aqueles que destruíram nossa família. Uma vida por outra vida. Sem mais sangue derramado, sem filhos chorando, um fim onde todos continuam vivos.