Abraço

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Senti meu rosto queimar. A respiração dele movia lentamente os cabelos próximos ao meu ouvido, provocando arrepios visíveis. Ele parecia estar se divertindo enquanto eu começava a transpirar. Sem saber o que responder, falei a primeira coisa que me veio à mente.

- E-em como sair daqui? – As palavras saíram atropeladas da minha boca.

Ele soltou uma risada e colocou uma das mãos sobre o meu ombro. Inspirou fundo como se sentisse meu cheiro e demorou alguns segundos para dizer alguma coisa.

- Cereja? – Falou, se afastando lentamente.

- Sim, eu gosto. – Eu sentia como se já não tivesse controle das minhas palavras.

- Eu também. – Respondeu, sentando-se na mesa, próximo a mim.

Abri meu caderno, tentando disfarçar aquele clima tenso. Haviam algumas anotações do encontro anterior, dentre elas as palavras "desafiador e "rebelde" se destacavam. Keisuke olhou o caderno, abrindo um sorriso discreto.

- Você poderia anotar coisas melhores de mim. Talvez me ajudasse a não ir em cana no final do mês. – Ele ainda sorria, parecia não levar aquilo a sério.

- Estou tentando. – E fechei a cara.

- Vamos começar de novo, doutora. Vou me apresentar direito. – E deu um pulo da mesa.

- Não sou doutora. Me chamo Miyuki, Miyuki Kitamura. – Disse, ainda bem séria.

- Okay. Eu sou Keisuke Baji. Estudante do terceiro ano na Seisen e capitão da Primeira Divisão da Tokyo Manji. – Disse essa última parte com orgulho.

- Tokyo Manji? – Perguntei curiosa.

- Minha gangue.

- É por isso que você está aqui? – Perguntei, me virando na cadeira em sua direção.

- Eles não têm nada a ver com isso. A culpa é de uma só pessoa. Foi uma armação. – Respondeu trincando os dentes.

- Entendi. – Falei, embora não tivesse entendido nada.

- E você, não-doutora? Me conte algo, me tire do tédio. – Ele jogou a cabeça para trás, balançando os cabelos.

- Eu acho que não tenho nada para contar. Ah! Bem... isso não é interessante... – Desviei o olhar, me sentindo idiota, novamente.

- Me conta. – Ele me fitou com aqueles olhos profundos e selvagens, que convenciam qualquer pessoa.

- Ontem um gato me seguiu até dentro de casa, e agora eu estou escondendo ele no meu quarto. Viu, eu falei que não era...

- Sério? Eu adoro gatos! Você já deu um nome? – Ele pareceu bizarramente interessado. Eu jamais imaginaria que um delinquente como ele poderia se interessar por gatos.

- Hayai, porque ele foi rápido em entrar em casa sem eu ver. Minha mãe ainda não pode saber dele... – Olhei para o teto imaginando a bronca caso ela descobrisse.

- Hayai... gostei. Quero conhece-lo. – Falou.

- Ahn? – Levantei uma sobrancelha.

- Eu não vou ficar aqui pra sempre, né? – Ele riu, mostrando seu sorriso lindo.

- É... eu acho que não. O que pretende fazer quando sair?

- Eu vou atrás do cara que me colocou aqui. – Respondeu sem pensar duas vezes.

- Isso não pode te meter em problemas de novo? – Ergui uma sobrancelha.

- Bem... acho que... Por que está tão preocupada? – Ele me olhou curioso.

- É que eu... bom eu...bem, você...- As palavras simplesmente não vinham, elas não existiam.

Ele soltou uma risada. Sua voz grave invadiu a biblioteca, preenchendo todos os espaços, fazendo meu corpo vibrar. Eu estava paralisada.

- Escreva coisas boas de mim, Miyuki. – Ele falou, se encaminhando para a porta.

- Espera! – Eu empurrei a cadeira, ficando em pé.

Ele parou sem se virar, ficando de costas para mim, imóvel.

- Eu ainda não terminei, e-eu... – Comecei, vacilante.

Ele se virou e andou até mim em passos rápidos, parando a centímetros de mim, nossos corpos quase encostando. Ele era mais alto do que eu, mas nós nos encarávamos, nossos rostos tão próximos que nossas respirações estavam quase sincronizadas. Ele permaneceu assim por alguns segundos, eu sentindo meu rosto rubro e quente. Seus olhos penetravam os meus como uma flecha, eu estava perdida naquela escuridão.

- O que mais quer que eu faça? Diga. – Falou baixo, rouco, malicioso.

Eu congelei com aquela pergunta. Estando tão perto dele a resposta me parecia óbvia. Eu queria ele. Queria beijá-lo ali naquele momento com toda a minha vontade. Como eu podia estar tão enfeitiçada por um garoto que eu acabei de conhecer? Eu precisava ter coragem de dizer o que queria, ou fazer o que eu queria, ou fazer qualquer coisa menos ficar parada sem uma resposta.

Em um movimento único joguei meus braços ao redor da cintura de Keisuke e o abracei, colando meu rosto em seu peito. Ele se assustou com o gesto, abrindo os braços no primeiro momento. Em seguida retribuiu o abraço, alcançando os meus cabelos com uma das mãos, fazendo carinho. Senti seu coração bater rápido contra o meu rosto.

Desfizemos o abraço e ele me olhou por alguns instantes, completamente sério. O jeito brincalhão e debochado tinha desaparecido completamente, dando lugar a uma expressão talvez um pouco preocupada. Ele não disse mais nada, se virou e deixou a biblioteca.

Sentei na cadeira mais próxima, soltando um longo suspiro. O que eu estava fazendo? Me envolvendo com um delinquente? Alguém que eu supostamente deveria estar estudando? Olhei para o meu caderno em branco e me senti ainda mais idiota. Ainda assim um sorriso besta insistia em estampar o meu rosto.

Guardei meu material e desci para encontrar meus colegas, que compartilhavam suas experiências empolgados no corredor. Andamos de volta à sala e a minha cabeça não parava de pensar no que tinha acontecido há alguns instantes.

A professora falou por alguns minutos, palavras que eu não conseguia compreender porque a minha cabeça não estava ali. No final da aula, eu já estava próxima da porta quando a ouvi chamar meu nome.

- Sim, professora. – Senti meu coração acelerar. Teria alguma coisa a ver com o que houve na biblioteca?

- Como estão seus avanços com o interno? – Seu perfume de lavanda invadia minhas narinas.

- Ótimos, conversamos bastante hoje. Ele está bem mais aberto. – Essa parte não era mentira.

- Que bom. É uma pena que tenha que te informar que ele vai ser liberado em dois dias. Até lá, pode continuar seus trabalhos com ele, depois te encaixarei em algum grupo.

- O-okay, obrigada. – Tentei não transparecer nenhuma reação estranha.

Saí da sala ainda segurando as minhas reações. Passei pela segurança, peguei meu celular e saí do reformatório, chegando à rua. Encostei no muro do reformatório, respirando fundo e passado as mãos pelos cabelos, buscando pensar com clareza. Não adiantou.

Caminhei pelas ruas, passando por vários pontos de ônibus sem coragem de parar e voltar para casa. A todo momento me questionava se era possível alguém se envolver tão rápido ou se eu estava ficando louca de vez. Por fim, conclui que eu teria que dar meu jeito de esquecer tudo aquilo, já que eu não o veria mais em dois dias. Era isso.

Sentei no ônibus decidida a esquecer aquilo. Eu tinha outras coisas para me preocupar, passar nas matérias, minha família, o Hayai...

De repente o cheiro dele me invade avassaladoramente. Percebi seu cheiro na minha blusa. O abraço...

Prenda-me. - Keisuke BajiOnde histórias criam vida. Descubra agora