Os tremores nunca param, eles sempre fizeram parte de mim, desde que eu era criança. Acredito que são por conta da ansiedade, afinal, ela sempre esteve aqui, mas hoje está um pouco pior. Isso se deve ao fato de que as férias de verão acabaram, e hoje é o primeiro dia de aula do último ano.
Mesmo que em South Park nunca faça calor, temos férias de verão. Não faz sentido, mas tudo bem. Já me acostumei a fingir que as coisas fazem sentido nessa cidade.
Enfim. Último ano. Uau.
Nunca pensei que chegaria até aqui, e nem sei como cheguei até aqui.
Mas... É. Último ano. E então formatura, faculdade, vida adulta. Me parece terrível e nem um pouco empolgante. Sinto falta de ser apenas uma criança.
Me levanto, saindo da Toca. Minha mãe chama minha cama de Toca porque.... Bom, tem um monte de travesseiros e umas três cobertas juntas, como um ninho, além de ursinhos de pelúcia. Sempre que as coisas estão ruins, eu me enfio na Toca. É meu refúgio.
Não tomo banho porque está frio pra cacete, então só troco o pijama pela camisa verde de sempre, uma calça jeans e meus sapatos. Sinto muito frio na cabeça, mas todas as minhas toucas são ridículas e infantis, então prefiro passar frio do que fazer papel de idiota na frente do Craig...
E então, eu olho o relógio e percebo que estou atrasado. Merda???
Os tremores ficam mais fortes enquanto eu desço a escada correndo com a mochila pendurada em um dos braços. Corro para a cozinha e encho minha caneca favorita até o topo com café, pego o sanduíche que minha mãe prepara pra mim todos os dias e saio de casa.
Só que o café está tão quente que queima minhas mãos, e eu resmungo feito uma criança enquanto guardo o sanduíche na bolsa, revirando os olhos e tentando não surtar por estar atrasado.
— Tweek!
A voz de Craig me faz levar um susto, e derrubo a xícara de café. É então que percebo que nem deveria ter trazido ela pra fora, mas enfim. Ela afunda na neve na porta de casa, e eu solto um suspiro enquanto o maior se aproxima.
Encaixo a alça da mochila nos meus braços enquanto assisto Craig pegar minha caneca e sorrir pra mim.
— Vamos entrar e limpar isso, está bem?
— Mas isso vai nos fazer perder a hora e chegarmos atrasados e eu já atrasei você o suficiente e...
— Tweek. Tweek.
Craig toca o meu ombro, e eu estremeço. O toque dele faz meu coração acelerar e me deixa extremamente nervoso, toda maldita vez. Eu encaro seus olhos, ansioso.
— Podemos entrar na segunda aula. Está tudo bem.
Craig abre a porta da minha casa e me puxa pra dentro. Eu assisto ele lavar minha xícara e repor o café em silêncio, balançando meus próprios pés. Todo dia, desde o quarto ano, eu e ele vamos juntos para a escola. É uma tradição, desde que eu tive uma crise de ansiedade e comecei a gritar sentado na calçada. Craig me viu e me levou para a escola, e tem sido assim desde aquele dia.
— Pronto, está vendo? Agora vamos. Cuidado para não queimar suas mãos, está quente.
Craig me entrega a caneca com desenho de estrelinhas e então saímos de casa. Passamos todo o caminho em silêncio, a rua completamente muda de manhã exceto pelo som que faço quando levo a xícara aos lábios. O moreno se mantém próximo de mim, mas não me toca. Queria que ele tocasse.
Ao chegarmos, perdemos o período de tolerância para entrar na primeira aula, e isso me estressa um pouco porque não perderiamos a primeira aula se eu não fosse um idiota. É o primeiro dia, e eu já estraguei tudo.
Nos mandam esperar no pátio, junto com alguns alunos que também se atrasaram, e enquanto Craig socializa com alguns deles (aparentemente são colegas dele), eu fico sentado em um dos bancos, terminando de beber meu café e tremendo.
Meu último primeiro dia de aula. Pra sempre.
Vou ter um primeiro dia na faculdade, mas eu nunca mais vou ter que participar daquelas interações estúpidas para quebrar o gelo.. Me deixa nervoso pensar que haverá um dia em que eu nunca mais andarei por esses corredores, escutarei o sinal indicando o fim das aulas ou me sentarei no refeitório com meus amigos.
A ideia de ter que mudar toda a minha rotina, que tem sido minha rotina desde sempre, me estressa.
Tudo bem que essa rotina também me estressa, mas é a minha rotina.
O problema é que... A escola eu já conheço. Os corredores, os professores, e mesmo que eu não tenha muitos amigos, eu sei o nome da maioria das pessoas que estuda aqui.
Na faculdade, tudo isso será novo. Eu terei que me acostumar com outras coisas, outras pessoas, outras salas de aula... Parece tão difícil. E incômodo.
O sinal toca, indicando o fim da primeira aula. Craig volta pra perto de mim e toca meu ombro outra vez.
— Está tudo bem? Desculpa te deixar sozinho, eu me distraí..
— Uhum.
— Vamos pra sala?
— Uhum.
Eu não sou muito comunicativo a não ser que esteja em crise ou falando sobre meus interesses, mas ele já se acostumou. Vamos pra sala juntos, e eu sento entre ele e Kenny. Butters senta na minha frente, Kyle e Stan sentam na frente e atrás de Craig e essa é a formação de sempre desde que... Cartman se mudou, há uns três anos trás. Faz tempo.
A turma toda costumava ser bem próxima no ensino fundamental I, mas nos afastamos no oitavo ano, mais ou menos. Bem quando minha fobia social piorou e as piadas do Eric já não tinham mais tanta graça assim (não eram piadas, no final das contas). Quando se é um moleque, é engraçado fazer piadas sobre assuntos sérios, mas depois de um tempo, ou você muda, ou as piadas deixam de ser piadas porque você já tem maturidade pra entender certos assuntos. E ou você discorda, ou concorda com eles.
Digamos que o Cartman era meio... Problemático. Fico feliz que ele foi embora, porque mesmo eu e Craig tendo namorado só de mentirinha na quarta série, quando eu me assumi no sétimo ano, ele foi bem homofóbico.
Quanto ao resto da turma?
Kenny, Stan e Kyle continuam sendo amigos. O que costumava ser a gangue do Craig virou uma coisa só com os meninos. Jimmy, Clyde e Token se juntaram ao grupo além do Butters.
Eu sou amigo dele e do Kenny, porque de alguma forma o Butters virou meu melhor amigo, e o Kenny é caladão, então a gente se entende. Ainda sou amigo do Craig.
Stan e Kyle vivem me chamando pra sair com toda a galera, relembrar os velhos tempos, e eu ainda os adoro, mas... É complicado. Sair de casa me incomoda muito, e minha ansiedade está sempre atacada.
Digamos que nossa amizade não tem sido constante por causa disso. As vezes, eu me odeio por ser assim. Me odeio muito.
Mas acontece.
Eu e Craig somos amigos há.... Nove anos.
E eu sou apaixonado por ele há... Nove anos.
Me lembro de quando acharam engraçada a ideia de que eu e Craig parecíamos namorados no quarto ano e ficamos uns dois meses fingindo porque parecia engraçado.
Mas aí o Craig disse que não podia mais fazer aquilo, e eu concordei.
Só que... Era de mentira pra ele, e pra mim era... Droga.
Foram os melhores dois meses da minha vida. Eu me pergunto como seria se namorássemos agora, de verdade.
Me lembro de andar por aí segurando os dedos dele, de receber tapinhas nas costas e de escutar ele me chamando de querido. Sinto falta disso.
Nunca chegamos a nos beijar porque isso parecia demais na época, mas agora.... Como seria? As vezes, eu sonho com isso. Eu ficaria feliz em beijar o Craig.
Eu gosto dele. De verdade. Sempre gostei. Mas sei que nunca vai rolar.
Ele não me vê assim. Isso é apenas uma amizade, certo?
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kindergarten love | creek.
Фанфикonde após uma brincadeirinha de namoro falso na infância, tweek ainda é apaixonado por craig.