O céu enfim fechou

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O arrependimento bate em minha porta, a solidão joga pedras na janela, a carência tenta abrir minhas janelas, a saudade passa por frestas. Tantas coisas se esgueiram, fazem seu caminho até mim, tantas coisas, exceto por ele. Deixei em mim entrar um carinho que julguei saber cultivar, manter, e agora diante de meus olhos vejo tal carinho morrer em meu jardim. Não há o que plantar em seu lugar, o que fazer para isso consertar, tudo o que sei é que não vai parar de apodrecer e sou incapaz de fazer algo além de ver.

Dentre as noites em que estive só, pensei que enfim alcançaria uma paz que a tempos não visitava minhas madrugadas, porém a única visita que me aguarda toda noite é a de uma dor que se deita em cima de meu peito e aos poucos me aperta, me sufoca. Não há tranquilidade na ausência de Boun, não existe normalidade em uma rotina em que ele não está mais incluído, tudo o que tem é uma saudade sem cura, uma questão cuja as alternativas não concluem o resultado correto. A ausência de Noppanut é o meu poema sem rimas, que apesar de certo, não parece completo. Mas em frente a meus amigos numa sala de professores vazia exceto por nossa presença, não é isso que eu os digo.

— Eu fiz a coisa certa, então por que parece que está tudo errado? — Kao não me encara, como se aquilo que está na ponta de sua língua fosse um veneno do qual ele sabe que não possuo o antídoto para me curar.

— Não é porque não parece certo que seja errado. — Fluke diz, com uma feição serena que vai contra tudo o que a situação representa. — Uma hora ou outra isso aconteceria Prem, só ocorreu mais rápido do que o previsto.

— Por que isso aconteceria uma hora para a outra? — Kao enfim se faz presente com um tom de voz inesperadamente irritado, agressivo.

— Bom, porque Prem é seu professor? Porque era algo casual sem intenções de evoluir? Não sei Kao, porque ele é praticamente um moleque e Prem um adulto?

— Claro, porque o nosso amigo aqui fugir dos próprios sentimentos e dizer para um cara que o amor dele é um incômodo é com certeza uma atitude adulta e não irracional e insensível como a de um moleque.

— Kao…

— Não Prem, com todo respeito a nossa amizade, você e por alguma merda de motivo, o Fluke também, precisam ouvir isso! Primeiro que o Fluke desde o começo fez tudo para colocar na sua cabeça que tudo era errado por pura birra com um código moral que ele sequer segue! Mas você? Caralho, você vivenciou tudo, você escolheu estar nessa situação, você levou para frente, deixou passar dos limites do casual, você se permitiu gostar dele, e nem tente negar! Você alimentou algo e depois reclamou quando esse algo voltou por mais, e não é por que você não quer, porque não sente nada, mas sim porque você tem medo. Mas não se vive a vida com medo de viver, não é assim que a banda toca!

— A gente não controla o medo. — Digo óbvio.

— Mas controlamos se ele vai nos impedir de viver ou não.

— Você tá me dizendo que eu escolhi tudo isso?

— Sim, é exatamente isso que eu estou dizendo! — Agora ele já não é mais o único com raiva, e a fúria que por mim se alastra se assemelha mais a dor.

— Que tipo de amigo você é para ao invés de fazer eu me sentir bem nesse momento, você apenas me julga e me condena?

— Eu sou o tipo de amigo que abre o teu olho e diz para você consertar a tua merda antes que seja tarde demais, porque um cara daquele não fica longe do amor por muito tempo, não fica solteiro.

— Você não pode estar falando sério agora. — Digo com um misto de rancor e mágoa em minha voz, em meu sorriso cínico.

— Bom, eu estou. E se eu fosse você seguiria o meu conselho. — Ele pega suas coisas no sofá e se levanta para deixar o cômodo, mas antes de sair pela porta ele para e se vira na direção de Fluke. — E eu ligaria para o seu aluno, ou melhor, namorado, para avisar que vai se atrasar para o jantar.

E então ele se vai, me deixando perplexo, enquanto Fluke me encara em busca de uma explicação que não quero ouvir, pois sei que não vai afastar de mim o sentimento de traição que me assola.

— Prem, eu posso explicar…

— Explicar o que? Que todo esse tempo em que você me julgou por transar com um aluno você não só estava fazendo o mesmo como também namorando um?

— É diferente, eu amo o Ohm, a gente leva tudo muito a sério diferente de vocês dois!

— Honestamente Fluke, vai se fuder!

E dessa vez quem deixa o cômodo sou eu, mas diferente de Kao, não saio vitorioso, e sim quebrado, com o sentimento de que não me restou mais nada.

••••

Me arrastando de bar em bar, não encontro ninguém semelhante o suficiente a ele, ninguém que me lembre seus traços, ninguém para preencher o meu buraco, meu vazio. Com um teor alcoólico alto demais para tomar decisões sensatas e baixo o suficiente para dirigir, eu pego meu carro e faço meu caminho de volta para casa, não tão fracassado quanto saí, mas tão miserável quanto.

Adentro meu apartamento cansado do som da minha respiração e da forma como arrasto meu corpo para conseguir andar, mas o que resta de consciência em mim me leva até meu pequeno escritório, de frente para papéis de redações que eu preciso ler e avaliar, e para minha sorte ou azar, o nome de Boun me chama atenção no primeiro papel que coloco em mãos. Parte de mim me diz para deixar isso para amanhã de manhã, mas tudo o que faço é começar a ler, sentindo um nó na garganta surgir.

Aquilo que faz o mundo girar

O mundo gira ao redor do sol, o usa como sua fonte de energia, seu recurso natural, sua razão de viver. Tudo vive em função de algo, tudo necessita de algo, seja uma simples brisa que permite o pulmão inspirar e expirar ar, seja o sol em um dia frio, chuva quando o ar está seco.

O mundo gira ao redor do sol, e o sol não gira ao redor de ninguém. Eu giro ao redor de um sol que se faz presente, mas nunca realmente ali, sempre distante, enviando um pouco de luz esperando ser o suficiente para me manter ao seu redor. Giro ao redor de um sol que deseja que eu vire de costas quando ele brilha, que me mantém longe, mas me quer por perto, que não precisa de mim, mas gosta de me ter. Giro ao redor de uma bola de calor que quando se trata de mim esfria, se esconde atrás de nuvens, reza por chuvas, busca por tempestades, que mesmo que eu não peça, continua me oferecendo um guarda chuva, para que seu calor jamais me atinja.

O mundo gira ao redor de algo egoísta, que não se move, não se mostra interessado em girar de volta, que escuta a música mas não dança junto. O meu mundo gira ao redor do amor, e o amor gira ao redor da minha dor, aquela que se faz mais presente que o sol, que se mantém mais perto, mais latente. Uma dor que veio junto ao raio de sol que diz que não te ama, que se sente o teu amor abre chuvas, envia raios, te castiga por amar algo como ele.

O mundo gira ao redor do sol, a lua gira ao redor do sol, e o sol nunca gira de volta, não porque não pode, mas porque não quer, ele só se move quando não quer me ver, e eu só me movo esperando o rever. Mas hoje é diferente, o dia se inicia e o céu está fechado, e diferente de todos os outros dias, eu carrego um guarda chuva comigo, não porque pode chover, mas porque pode fazer sol.

Boun Noppanut

Não há álcool que pare minhas lágrimas, não há felicidade que me alcance. Me sinto tão maldito quanto qualquer maldição, regado em desgraça, banhado em dor. Quebrei um coração para manter o meu intacto, e como um karma instantâneo, não muito depois tenho o meu próprio destroçado. Fiz dele o meu sol, e ele me fez o dele. Pedi para que chovesse, ele pediu para o céu abrir. Agora eu imploro para que faça sol, ele reza para que sempre chova aqui. E no meu apartamento, só há chuva, uma chuva salgada que cai através de olhos e não nuvens.

One more night Onde histórias criam vida. Descubra agora