Você amava flores.
Todas.
Nossa casa era toda decorada por elas.
Me lembro que toda semana você passava na floricultura que fica rua abaixo da nossa casa e comprava algum tipo de flor. E quando chegava em casa enfiava o buque no meu rosto ‘pra me fazer sentir o cheiro delas.
E eu passava a noite toda espirrando porque tinha alergia ao pólen. E você jurava que nunca mais compraria flores. Então na próxima semana era eu a chegar em casa com elas, porque sua felicidade era muito mais importante que minha alergia.
E isso se repetia de novo e de novo e eu nunca me cansava.
Sua música preferida era lonely heart, do 5 seconds of summer, pois era a música que estava escutando quando me conheceu.
Me lembro que você travou na hora que me viu e eu fiquei sorrindo que nem bobo ‘pra ti. Então você corou quando percebeu o tempo ridiculamente longo que ficou me encarando e pediu um ice americano entre gaguejos.
Isso começou a virar rotina e eu me vi antencipando suas visitas ao meu café com mais frequência do que deveria.
Um dia você não ficou apenas me encarando, em vez disso puxou conversa comigo.
Ou tentou.
— Está quente não é?
Estávamos no inverno e quando eu lhe apontei esse fato suas grandes bochechas ficaram rubras e você decidiu ficar calada.
Você saiu cabisbaixa aquele dia e eu quis acreditar no fato de que foi por não ter conseguido dialogar comigo.
Você nem percebeu que meu número estava escrito no copo de latte quente que pediu.
Duas semanas se passaram e suas bochechas coradas viraram apenas lembranças ‘pra mim, você não mandou mensagem e não apareceu no café. Fiquei com receio que tivesse confundindo tudo e que na verdade você estivesse interessada no meu colega de trabalho e não em mim.
Então no sábado de noite meu celular notificou a mensagem de um número desconhecido.
“oi”
No fim da noite eu achei adorável o fato de que você mandava um sorriso em quase todas as mensagens.
Na segunda feira você apareceu no café e dessa vez trocamos frases completas e coerentes e você não saiu mais de lá cabisbaixa.
Nosso primeiro encontrou foi em um boliche, eu estava tão nervoso que em meu coração batia uma fanfarra inteira.
Nosso primeiro beijo foi na biblioteca.
Estávamos sentados lá no fundo, lendo algum livro sobre alienígenas, juntos. Você se virou ‘pra perguntar alguma coisa pra mim e antes que eu pudesse me impedir mergulhei meus lábios nos seus para sentir seu sabor.
Você tinha gosto de tardes aquecidas e café gelado, de sorrisos largos e piadas sem graças, de um abraço confortável e um aconchego desejável, de amor.
Eu te pedi em namoro no dia do seu aniversário.
Cheguei na sua porta as exatas 15:12 da tarde, meu braço cheio dos mais diversos tipo de flores.
Você abriu a porta e mesmo com meu nariz vermelho e entre espirros te perguntei se você aceitava ser minha namorada.
Depois de um silêncio ensurdecedor você falou uma palavra de três letras que começava com s.
O aniversário era seu mas quem ganhou o presente fui eu.
No nosso casamento milhares de flores decoraram o local, e até havia uma no bolso do meu terno, me arrependi de ter posto ela lá quando na hora de dar minha resposta eu soltei um espirro ao invés de dizer “sim”. Você caiu na gargalhada e tudo virou um caos, mas no final da cerimônia eu usava um anel com seu nome em minha mão esquerda.
Quando começamos a morar juntos eu percebi o quão tarde você chegava em casa, sempre reclamando das suas enxaquecas, eu ficava preocupado com isso e te mandava ir ver um médico. Mas você sempre dizia que não era nada de mais e que eu não deveria me preocupar.
Mas eu deveria.
Nosso aniversário de casamento era dia 05/07, mas não pudemos comemorar a oitava data pois você estava no hospital depois de um desmaio pós enxaqueca.
O resultado saiu pouco tempo depois.
Meu amor, por que você não me disse que sua família tinha histórico de câncer e que uma tia sua havia morrido disso? Eu teria feito o possível e o impossível ‘pra evitar que você também tivesse adquirido um.
Eu teria feito tudo ‘pra que você nunca soubesse o que era dor eu daria minha vida pra te ver feliz.
E você ainda era, mesmo quando seus cabelos começaram a cair por conta da quimioterapia.
Você agora passava mais tempo dormindo e eu quase não falava contigo, mas eu sempre estava lá com flores e o nariz (as vezes os olhos também) vermelhos, te observando e desejando que tudo melhorasse.
Mas desejos nem sempre se tornam realidades.
Eu estava na floricultura quando meu celular tocou, era o hospital me falando que eu precisava ir lá.
Eu saí como louco pela rua, as flores (margaridas, suas prediletas) perdidas no meio do caminho.
Quando cheguei você estava acordada, mesmo que sonolenta. Peguei sua mão e senti o aperto fraco e o calor exalando de sua pele.
Nós conversamos por horas, ainda que você estivesse com sono. Você disse que me amava e eu não lhe respondi, decidi te dizer depois.
Já era tarde e você dormiu depois de prometer falar comigo no dia seguinte.
Você não falou, e quando eu disse que te amava você não ouviu e muito menos respondeu.
Você não tinha mais como apertar minha mão. Ela não se mexia, estava fria e morta. Assim como você.
Por que você me deixou? Eu sinto tanta saudade de você. Do seu sorriso que poderia competir com o sol, da sua gargalhada, do seu calor, dos seus braços, da sua voz que sempre me acalmava nos meus piores momentos.
Por que você me abandonou? Eu não era o bastante pra ti? Eu errava muito e não te beijava o suficiente para que você ficasse?
Eu poderia ter mudado, não precisava morrer ‘pra me mostrar isso. Não precisava morrer ‘pra me mostrar que 10 anos era pouco ao tanto que eu queria passar ao seu lado, eu te queria por mais 100.
Mas você não ficou nem mais um dia.
Eu não soube lidar com sua perda, eu chorava e bebia tanto. Mas não precisa se preocupar comigo, não durou muito e tempos depois eu voltei a uma rotina normal.
Só que dessa vez sem você, sem flores, sem alergias, sem alegria.
Todo dia eu espero que você chegue em casa com um buquê de rosas ou lírios e enfie no meu rosto.
Mas você nunca faz isso.
As flores agora decoram seu túmulo, não nossa casa.
