dois

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POV Stenio

Quando a porta se fechou atrás de Helô, eu não tive forças para ficar em pé, deixei meu corpo escorregar pelo balcão até estar sentado no chão da cozinha. Fiz o que disse que faria, a única coisa que estava ao meu alcance e começei a rezar. Rezar e pedir perdão, porque o motivo disso tudo estar acontecendo era eu e minhas atitudes que nos levaram até ali, colocando nossas vidas em perigo.

Me concentrei por um tempo na minha respiração tentando estabiliza-la, então os tiros começaram e minha ansiedade foi ao topo. Coloquei a mão nos ouvidos e balancei meu troco buscando algum conforto.

Ao fundo ouvia que Creusa falava alguma coisa, mas eu não conseguia entender o que ela dizia, não conseguia prestar atenção e pensar em algo para lhe responder, ou talvez ela estivesse só fazendo suas preces, não estivesse nem se dirigindo a mim.

Tentei desviar meu pensamento, busquei me concentrar em outras coisas, então fui levado para momentos que eu havia vivido perto de Helô, nada grandioso, lembrei do simples, do bom, do amor do dia a dia. Dos cafés da manhã que tomávamos juntos, do beijo que fazíamos questão de dar ao nos despedirmos pela manhã, de quando nosso neto vinha nos visitar e colocávamos para dormir em nossa cama, no nosso meio, sentindo seu cheirinho. Dos dias do meu aniversário onde Helô sempre tentou fazer uma surpresa e eu sempre fingia surpresa mas descobria tudo antes. Das viagens, de como Helô tinha medo de quando o avião ia decolar e sempre apertava forte a minha mão nessa hora. De como eu a acho simplesmente perfeita de biquíni, sandálias havainas e sem maquiagem. De como ela se aninhava em mim para dormir e cheirava meu pescoço para se acalmar quando estava muito ansiosa. Das mensagens que ela me mandava sempre depois de uma operação para tranquilizar meu coração. Lembrei de tudo ao mesmo tempo fazendo uma confusão de sentimentos no meu coração.

Abaixei a cabeça entre os meus joelhos, implorando por ar, para que minha pressão se estabilizasse. As lágrimas escorriam do meu rosto, mas só me dei conta quando as vi pingando no chão da cozinha. Não sei quanto tempo se passou, em algum momento acho que não ouvi mais tiros, mas ainda não tive coragem de me levantar.

Senti quando seu perfume encheu o ar, mas não escutei a porta bater, então achei que estivesse delirando. Foi quando seus dedos finos percorreram meu rosto, dedilhando devagar, que soltei todo o ar que estava preso em meus pulmões e tomei coragem para abrir meus olhos e encarrar seu olhar doce e profundo. Eu amo esse olhar, esse olhar que se entrega e me diz sim, mesmo que sua mente quer me dizer não. 

Agarrei ela pelos ombros e a coloquei  sentada em meu colo com suas pernas envolvendo minha cintura, ali mesmo no chão da nossa cozinha. Puxei a para bem perto de mim, a puxei com tanta força que rasguei sua blusa da operação. Enterrei meu rosto em seu pescoço, sentindo meu corpo se acalmar. 

-Obrigada, obrigada, obrigada – eu sussurrava.

Senti seus dedos percorrerem e apertarem as minhas costas.

Trancei beijos delicados em sua clavícula, passei pelo seu pescoço, até enfim devorar seus lábios com devoção. Sua língua me correspondeu de imediato e um gemido baixo de satisfação escapou dos seus lábios.

Segurei seu rosto em minhas mãos e dei selinhos delicados em todo seu rosto.

Ela passou a mão pelo meu rosto devolvendo o carinho.

-Estou exausta, me leva pro banho e dorme comigo – ela pediu num sussurro contra minha boca e eu só poderia obedecer.

A amei aquela noite e esperava ama-la por toda minha vida.

Segurava sua mão enquanto ela respirava baixinho ao meu lado na cama, me virei para encare-la e devagar e peguei no sono me aconchegando no mesmo travesseiro que ela.

As quatro da manhã acordei assustado, com um sobre salto. Olhei no relógio e acendi o abajur. Percorri todo quarto com o olhar, mas não a encontrei. Me sentei na cama quando ouvi os barulhos vindos da cozinha.

-Que susto, criatura! - Helô disse ao me ver sentado ali. Se aproximou e sentou na minha frente. Acariciou meu peitoral.

-Ta tudo bem?

-Sim - assenti com a cabeça - Me sinto bem aqui.

-Stenio, Stenio - ela disse sorrindo.

Abri meu sorriso largo também.

Fiquei em silêncio por alguns segundos então resolvi falar.

-Não estou bem Helô.

-Eu sei que você está se sentindo culpado com essa história, mas vamos resolver tudo, você vai ver. Claro que espero que isso te sirva de uma grande lição - ela disse já aumentando o tom da sua voz.

-Sim, essa história está acabando comigo - eu declarei - Mas não é só isso...

-O que é então?

POV NARRADOR

Stenio suspirou fundo e pegou nas mãos de Helô gentilmente.

-As vezes não sei bem qual o meu papel aqui.

-Como assim aqui?

-Aqui Helô, nessa casa, nessa cama, com você – disse a fitando no fundo dos olhos.

Helô suspirou fundo, sabendo que não havia mais para onde fugir.

Nem perto do fimOnde histórias criam vida. Descubra agora