1 - Visões amarelas - Julgando um livro pela capa

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Livro: O Rei de Amarelo | Robert W. Chambers

Certa tarde caminhando no shopping e ao passar em frente a uma livraria fui tomada pela vontade de comprar um livro, mas não sabia qual. Tudo que vinha à minha mente era que gostaria de algo diferente, de preferência do qual nunca tivesse ouvido falar. Após percorrer alguns corredores, vi "O Rei de Amarelo" do autor Robert W. Chambers.

Dizem para não julgar um livro pela capa, mas dizer isso para uma designer é inútil, pois foi justamente ela que me fascinou. Devo ter ficado mais de três minutos olhando sem coragem para tocá-lo. Tinha um tom envelhecido, com o desenho do rei em seu manto amarelo, a máscara pálida saltando para fora do capuz, de alguma forma a ilustração parecia me convidar a segui-la e isso me encantava. A impressão fora feita em papel fosco e levemente áspero, dando o toque final a parte externa.

Procurei na parte de trás uma resenha, mas ao invés disso encontrei uma parte da história, que parecia alertar um possível comprador sobre os males que contidos naquelas páginas. Senti um arrepio, não pude mais resistir e comprei o tal livro.
Eis o trecho:

"Meu olho bateu em um livro encadernado em pele de cobra, encostado em um canto da primeira prateleira da última estante. Eu não me lembrava dele e, do chão, não decifrei as letras pálidas, na lombada.

― Que livro é esse? ― perguntei

― O Rei de Amarelo. ― respondeu minha noiva

Fiquei pasmo. Quem o teria colocado ali? Como ele chegara aos meus aposentos? Havia muito tempo eu decidira que nunca deveria abrir aquele livro, e nada no mundo me persuadiria a comprá-lo. Temeroso de que a curiosidade pudesse me tentar a abri-lo, eu nunca sequer olhara para ele em livrarias. Se eu alguma vez tivera alguma curiosidade em tê-lo, a terrível tragédia do jovem Castaigne, que eu conhecia, fez com que eu não explorasse suas páginas perversas. Sempre me recusei a ouvir qualquer descrição sobre o livro, e, na verdade, ninguém jamais se aventurou a discutir a segunda parte em voz alta, então eu não tinha absolutamente nenhum conhecimento do que aquelas páginas poderiam revelar. Olhei para a encadernação malhada e peçonhenta como olharia
para uma cobra."

(Trecho de "O Emblema Amarelo")

A agradável surpresa que tive ao lê-lo foi ver que o conteúdo era tão interessante quanto seu invólucro. Recomendo para todos que apreciam uma boa leitura. "O Rei de Amarelo" é uma coleção de dez contos com variados temas, mas que partilham a característica comum de terem uma realidade fantástica, onde seus personagens parecem sempre estar sofrendo com alucinações.

Para mim, os melhores contos são os quatro que falam a respeito de um livro também intitulado "O Rei de Amarelo", mas cujo conteúdo é uma peça teatral tão tenebrosa que jamais se ouviu alguém comentar seu segundo ato em voz alta. E por que esses são os melhores? Porque nos tentam a curiosidade de saber o que pode haver em tais páginas, nos prometem os maiores horrores imagináveis, mas não nos contam nada sobre os mesmos. Por omitir o conteúdo ele acaba por cumprir essa promessa a qualquer um, afinal cada qual irá projetar seus maiores medos como sendo a coisa que estaria escrita ali. Acho isso simplesmente genial.

A ilustração da capa, os contos e a minha curiosidade de como seria o livro abordado na história fizeram minha mente fervilhar e, inspiraram a ilustração que decora esse post. Minha pretensão era representar o que imaginava conter na peça, mas me surpreendi ao ver que também não consigo expor tais pensamentos. A conclusão foi a imagem dessa garota, sentada na grama amarelada nos domínios do rei de máscara pálida, sem face, por perder sua humanidade, com pensamentos distantes, vislumbrando alucinações intermináveis de seus maiores temores.

Conteúdo extra: Há algum tempo falei sobre o Rei de Amarelo no meu canal no YouTube também, porém neste vídeo eu apresento um ponto específico do livro que julgo ser um dos mais interessantes, a omissão.

É uma reflexão muito interessante principalmente para quem também escreve. 😉


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