Capítulo 6

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Nuvens baixas penduravam-se nas dobras do vale e a névoa do solo flutuava em torno dos pinheiros e arbustos, criando um mundo úmido e cinza que combinava com o humor de Low Down quando ela saiu de sua tenda.
As coisas estavam progredindo como esperado, o que queria dizer que ela tinha perdido o controle de sua vida. Aproximadamente em uma hora, ela iria para o oeste por nenhuma outra razão além de que era para lá que seu novo marido indesejado queria ir. Tinha ele se preocupado em perguntar se ela teria algum lugar em que preferiria ir, como o sul?
Não, ele não tinha. Havia explicado porque eles tinham que viajar para o oeste em vez de dirigirem-seà um lugar quente para o inverno? Bem, ela poderia imaginar que Philadelphia vivia na cidade de seu avô e Max queria vê-la, mas ele não tinha explicado. Nenhuma palavra. Foi apenas "arrume suas coisas e esteja pronta para sair ao nascer do sol".
Já havia percebido que teria de obedecer em certos assuntos, gostasse ou não. Se ela quisesse um bebê, teria de seguir onde quer que as partes íntimas de seu marido fossem, independente de para onde ela gostaria de ir.
Balançando a perna para trás, ela começou a chutar algo no chão, mas parou a tempo, quando a névoa se dispersou em torno de sua bota revelando que o objeto que estava prestes a chutar não era uma pedra. Agachando-se em seus calcanhares, ela descobriu uma xícara esmaltada azul, quase-nova. Um pouco além da xícara estava um bule que não tinha sido usado o suficiente para enegrecer o fundo. Ao lado do bule havia dois lençoslimpos, poucodesbotados. E então um prêmio de verdade, uma bolsa pequena abrigando seis pepitas de bom tamanho. As pepitas tinham que ser de Frank, ela supôs, piscando forte.
Entre sua tenda e a fogueira, encontrou um conjunto de estribos, um cobertor de sela, um chapéu novo com apenas um buraco, um pente com a maioria dos dentes intactos, uma escova de dentes seminova e uma lata cheia de pó dental, uma colher de prata, um relógio de bolso em um estojo de couro, um par de meias de lã cuidadosamente remendadas, um livro de partituras bem manuseado para adicionar à sua coleção e luvas de couro em melhores condições que as suas.
E isso não era tudo. Alguém tinha começado seu fogo, preparado seu café e deixando-lhe uma frigideira chiando com carne de veado frita e batatas.
Segurando seus tesouros nos braços, Low Down sentou-se em um tronco perto do calor do fogo e sussurrou uma palavra de gratidão para a névoa. Teria morrido de vergonha se alguém visse lágrimas em seus olhos, e eles teriam visto porque ela sentiu os homens próximos na neblina fria.
— Obrigada! — Ela gritou quando conseguiu confiar em sua voz. — Vocês não precisavam fazer isso. A contribuição que deram no casamento foi mais que suficiente. — Até onde ela sabia, Max não estava ciente da bolsa que Billy Brown tinha lhe dado depois que ele foi embora e ela não planejava contar a ele sobre isso. — Vou pensar em vocês toda vez que eu usar essas coisas maravilhosas.
Ninguém respondeu, mas a névoa parecia menos cinzenta e o céu mais brilhante do que um minuto atrás. Quando sentiu os homens afastando-se, ela serviu café em sua nova xícara esmaltada e inspecionou seus presentes um por um, levando tempo para admirar cada item completamente. Ela não era uma mulher chorona, por isso a irritava que seus olhos continuassem embaçados, mas inferno, ela não conseguia recordar a última vez que alguém tinha lhe dado um presente e aqui ela tinha mais de uma dúzia.
O chapéu novo foi para sua cabeça e seu velho chapéu pousou no fogo. Novas meias substituíram as antigas. Ela guardou cuidadosamente o relógio no seu bolso e escolheu o lenço menos gasto para amarrar no pescoço. Então, sentindo-se muito importante, ela mexeu um cubo de açúcar em seu café com a colher de prata e depois poliu meticulosamente a colher em sua camisa antes de colocá-la em segurança na bolsa com as pepitas de Frank. Ela acrescentou a bolsa ao cordão de couro amarrado em volta do pescoço que já sustentava o dinheiro e o ouro em pó que ela havia conseguido ali em Piney Creek.
Depois que lavou a frigideira e o prato no riacho, ela testou a escova de dentes e apreciou o luxo do pó dental, algo que não tinha há algumas semanas. O pó tinha um sabor levemente mentolado que ela gostou muito.
No momento em que Max apareceu, assim que o sol matutino dispersava a névoa do solo, ela tinha terminado de afixar os estribos ganhos de presentes e colocado o novo cobertor de sela sobre as costas de Rebecca.
— Eu pensei que você já estaria pronta — ele comentou impacientemente.
— Bem, me perdoe. — Elaolhou-o tentando determinar se ele estava examinando seus pertences imaginando que agora eram dele. Por outro lado, ocorreu-lhe que Max McCord não pensaria que suas posses insignificantes valeriam a pena reivindicar.
Seu chapéu estava bem gasto, mas não havia furos e a borda era lisa. Seu jeans não estava remendado ou muito desgastado, nem seu casaco ou colete. Suas botas pareciam praticamente novas. E seu cavalo. Low Down nunca tinha possuído uma montaria tão fina como o mustangue no qual Max estava sentado.
— Qual é o nome dela? — Ela perguntou, admirando o brilho da luz solar no pelo da égua.
— Marva Lee. Você está pronta para ir?
—Você pode ver que eu ainda tenho que amarrar meus alforjes. — E amarrar em seu saco de dormir.Ela deixaria a tenda para trás; talvez alguém pudesse usá-la. Se os acontecimentos progredissem como deveriam, ela estaria compartilhando a tenda de Max.
Quando ela terminou de carregar, verificou o local para ver se não tinha esquecido nada, então empurrou seu chapéu para trás e olhou para suas escavações encosta abaixo. Muita esperança correu por aquela eclusa.
Inclinando a cabeça, estudou a neve precoce e açucarada que cobria os picos altos, ouvindo a queda e o respingar do riacho. Finalmente baixou o olhar para os homens que fingiam trabalhar ao longo das margens, aparentando não ver ela e Max prepararem-se para sair. Alguns gostavam dela, outros não. Mas eles sempre a trataram direito.
Ela colocou as mãos em volta da boca e gritou.
— Adeus atodos vocês, garimpeiros de ouro! Lembrem-se, eu os vi pelados e nenhum de vocês tem do que se gabar! — A risada correu pelas margens e ela sorriu. — Fiquem ricos, rapazes!
Um coro de desejos de boa sorte rolou pelas margens do córrego e mais uma vez Low Down sentiu a garganta ficar apertada e os olhos brilhantes. Dane-se! Não tinha importância. Uma época de sua vida estava terminando e uma fase nova e incerta estava começando. Ela não sabia como se sentia quanto a isso.
— Tem certeza de que a mula consegue acompanhar? — Max perguntou atrás dela.
— Rebecca é velha, mas ela é como eu, forte, capaz e cruel quando irritada. — Low Down sentou na sela. — Você vai dizer adeus aos rapazes?
— Eu disse adeus ontem à noite.
Era mais provável ter apenas bebido com eles, pensou Low Down, examinando seus olhos turvos e a palidez sob seu rosto escurecido pelo sol. Os homens podiam fazer isso. Sentare beber juntos sem falar uma frase e em seguida, levantar e sair na crença de que disseram tudo o que precisava ser dito. Para as mulheres eram necessárias palavras. Mas Max sabia disso, suspeitou, pressionando a mão contra o bolso onde guardava a cópia de sua carta.
De repente e sem nenhuma razão ela sentiu uma onda de raiva.
— Bem, qual é o problema? Você sabe para onde estamos indo então você vai ter que liderar.Eu não sei para onde estamos indo. Ninguém me perguntou sobre isso. Tudo o que eu sei é que estamos indo para o oeste e não para o sul. Eu nunca ouvi falar de nenhum lugar chamado Fort Houser e eu não quero ir para lá, mas eu tenho que ir porque eu sou casada agora, goste ou não. — Ela apoiou um antebraço no chifre da sela e devolveu o olhar ardente que ele tinha sobre ela. — E então?
— Umacoisa,— ele disse depois de um minuto. — Você trouxe a aliança?
— Sim, eu a trouxe. Ela não iria revelar onde guardava seus objetos de valor. Sua roupa de baixo, camisa, colete e jaqueta eram volumosos o suficiente para que ele não pudesse ver as bolsas amarradas sob sua roupa. Ele nem sequer suspeitava.
— Eu apreciaria se você usasse o anel de agora em diante.
Ele formulou o pedido suficientemente educado, mas Low Down conhecia uma ordem quando ouvia uma e pensou nisso durante o resto do dia enquanto ela e Rebecca o seguiam por um terreno áspero e acidentado.
Desde que ela o informara que não obedeceria, e ela quis dizer isso mesmo, seu instinto fora jogar a aliança de casamento ravina abaixo para que pudesse anunciar honestamente que não tinha mais o anel e,portanto, não poderia usá-lo. Mas impulsividade não era seu guia principal. Provérbios eram. E o provérbio que se aplicava aqui provavelmente era: "Aqueles que estão presos, devem obedecer". E o matrimônio seria regido por: "Quem promete com pressa, arrepende-se com vagar".
Deus sabia que ela estava amarrada e arrependendo-se.
Quando eles pararam à noite, cedo o suficiente para ainda ter luz para montar acampamento, ela empinou seu queixo e perguntou por que ele queria que ela usasse o anel, já que nenhum dos dois considerava o casamento o mais próximo de ser verdadeiro.
— O casamento é certamente real — disse ele em uma voz resignada depois de ter amarrado Rebecca e Marva Lee numa estaca e então retornando para o fogo que Low Down tinha começado.
— Talvez eu não veja dessa maneira. — Fazer café era a primeira coisa que ela fazia mesmo antes de estender seu saco de dormir ou pensar em comida. Desta vez o café não seria muito bom já que o bule presenteado era praticamente novo e precisava-se de um bule mais usado para um café verdadeiramente decente. Ela serviu o dela na xícara esmaltada azul e deixou Max pegar a sua. Não fazia sentido começar um mau hábito, em que ele esperava sentado ser servido, como se ela fosse uma verdadeira esposa.
Ele rolou um tronco e sentou-se em frente ao fogo.
— Minha família esperará que você use uma aliança de casamento.
A mão de Low Down estremeceu e o café quente fervente deslizou despercebido em seus jeans.
— Você tem uma família? — Ela ficou boquiaberta. — E vamos vê-los?
— Minha família é proprietária de uma fazenda fora de Forte Houser. — Por um longo momento ele olhou para sua xícara de café, depois engoliu metade do líquido. — Minha mãe dividiu o rancho em quatro partes no ano passado depois que meu pai morreu. Meu irmão, Wally, mora na casa principal com minha mãe. Minha irmã e sua família têm um lugar a cerca de um quilômetro e meio ao sul. Minha parte é ao norte.
Não tinha passado pela cabeça dela que ele teria família ou que ela iria encontrá-los. Ou ter de conhecê-los, como parecia ser o caso. Isso era um fato sobre os maridos que ela havia esquecido pois não tinha pensado nisso de forma alguma. Você também casa com suas famílias.
Mas... bom Deus. De repente ela meio que tinha uma família. A revelação a surpreendeu.
— Estive pensando nisso — disse Max franzindo o cenho para ela através das chamas que enegreciam o fundo da nova cafeteira. — Você e eu sabemos o que concordamos, mas duvido que os outros compreendam.
— Você não quer que sua família saiba que vamos nos divorciar depois que eu engravidar — disse Low Down sem rodeios.
Um rubor de desconforto subiu pelo pescoço de Max ou talvez fossem apenas as chamas refletindo em sua pele.
— Eu expliquei as circunstâncias em uma carta para minha mãe, mas não mencionei um divórcio, afinal nós não tínhamos concordado com isso ainda. — Ele apertou os dentes com força suficiente para que nós corressem pela mandíbula. — Minha família esperará que tratemos isso como um casamento genuíno.
Pegando um pau, ela apontou para o fogo.
— O que exatamente isso significa?
— Vamos para a minha casa — disse ele, virando a cabeça
para longe dela —,organizar as coisas por lá.
A casa que ele tinha construído para Philadelphia.
— Minha família esperará que compareçamos ao jantar de
domingo e a outros eventos da família. Eles esperam que façamos o melhor nesta situação e tentemos fazer de nosso casamento um sucesso.
— Nós fizemos a nossa cama e agora temos que dormir nela?Tipo isto?
Ele circulou a xícara de café com as mãos, o rosto virado para a escuridão crescente além do fogo.
— Eu vou entender se você não quiser sustentar essa farsa para o bem da minha família. Mas eu apreciaria se você tentasse.
— Nós estaríamos vivendo em uma casa real — disse ela, pensando nisso.
Seus dedos desceram para a carta em seu bolso e ela lembrou-se de tudo o que ele tinha escrito. Queria surpreender Philadelphia com a casa, mas não conseguira resistir a descrevê- la. Para Low Down, sua descrição tinha feito a casa parecer como um palácio.
Viver em uma casa de verdade... ela acampava em uma tenda há tantos anos que a ideia de uma casa a fascinava mesmo se tivesse sido construída para outra mulher. Ela pensou em cadeiras estofadas e um colchão para afundar e talvez até tapetes entre seus pés e o frio de uma manhã de inverno.
— Minha casa está a cerca de cinco quilômetros ao norte da casa principal. Se você precisar de conselhos sobre tarefas domésticas, minha mãe e Gilly estão ambas perto o suficiente para ajudar.
Seu queixo endureceu.
— Ah, inferno. Acho que posso cozinhar e esfregar um chão sem pedir instruções. — Imediatamente pensou no velho ditado sobre não existir pior defeito do que ser pobre e orgulhoso e ela engoliu em seco. — Por outro lado, pode vir um tempo em que eu posso precisar de orientação.
Passaram-se anos desde que fizera qualquer trabalho doméstico. Talvez houvessem coisas que ela tivesse esquecido. Ainda assim, como seria se ela tivesse que pedir assistência a mãe e irmã de Max, sua nova família, com tarefas que eles assumiriam que todas as mulheres sabiam? Que tipo de impressão isso daria?
Deixando cair a cabeça, esfregou a testa. Como ela esquivou-se de servir seu café, para querer impressionar sua mãe e irmã? Isso estava ficando complicado.
— Vou preparar o nosso jantar — anunciou abruptamente. Ela tinha a intenção de abrir uma lata de feijão para si mesma e deixá-lo cuidar de si mesmo. Uma pequena bofetada por sua recusa em compartilhar sua truta na noite passada. Mas a notícia sobre sua família mudou as coisas. — Não vai ser nada extravagante, apenas feijão, bacon e biscoitos.
— Há algo mais que precisamos discutir. — Desta vez não havia dúvidas sobre a cor que subia em seu rosto.
Ele correu um olhar sobre ela, começando pelo topo de seu novo chapéu e viajando até as botas de montaria velhas e surradas.
— Eu acho que deveríamos parar em Denver por um dia.— Inclinando a cabeça, ele estudou as estrelas começando a fazer buracos no céu. — Acho que devemos comprar vestidos e chapéus e dar a você a chance de tomar um banho e limpar-se um pouco.
O orgulho arranhou-lhe as costelas e suas bochechas ardiam. Ele estava envergonhado dela. Bem, o que ele esperava? Afinal de contas, ele não a tinha arrancado de algum salão de cheiro adocicado. Um campo de mineração não oferecia exatamente as melhores instalações para limpezae ninguém se importava de qualquer maneira.
Mais importante, ela pensou de repente, o que sua mãe e irmã esperavam? Ela estava começando a formar duas impressões definidas sobre sua nova família. Primeiro, sua opinião importava muito para Max. E segundo, sua mãe e irmã recém-adquiridas eram provavelmente mulheres cultas, com vestidos extravagantes, maneiras amáveis e padrões elevados que Low Down não poderia alcançar.

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