"Baby, angels like you..."

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                                                 Wednesday




    Quando eu era criança, meu pai cantou uma canção de ninar. Com isso, todos os monstros embaixo de minha cama se tornaram inofensivos morcegos, levando-me a dormir tranquilamente nas noites onde o medo tomava conta de mim.

    E então, eu me perguntei o porquê todos os monstros se escondiam lá embaixo. Por quê o lado sombrio da cama era tão convidativo. Monstros se escondem na escuridão. Se escondem de seus pesadelos.

    O que são os pesadelos se não o que tememos perder? Aquilo que nos aterroriza é a ideia de nunca mais ter acesso a realidade que deixa nossos corações tão felizes, tão vivos.

    A escuridão acalenta, pois assim como alguém que perdeu tudo, a escuridão é vazia, fria e infinita. É tão fácil ceder a ela, tão convidativo, tão seguro...

    E o que são os monstros se não aqueles que perderam tudo e encontraram o que mais desesperadamente ansiavam na escuridão.

    E o que é mais escuro que embaixo de um dossel ou do que um fundo de armário?

    E assim, a ausência de cores se fundiu com o nada, e a escuridão se tornou sua amiga. Sua mais fiel companheira.

    Toda vez em que eu sentia algo sendo tirado de mim, eu me escondia embaixo da cama. Toda vez que os sentimentos eram gigantes demais de suportar, eu implorava que o escuro os afugentasse, que me mantivesse segura.

    E não foi diferente no dia em que meu coração foi traído pela primeira vez:

...

    Eu sentia o líquido quente escorrendo por meu braço gélido, onde uma lâmina esteve ali pouco tempo antes, demonstrando o quão imprevisível alguém poderia ser.

    Ou talvez não fosse.

    Quando se espera decepção, você não se decepciona. Mas eu fui tola o suficiente de esperar o oposto daquele emaranhado de fios loiros e olhos azuis. Acreditei em seu sorriso sincero, em seu toque singelo e confortável, e finalmente achei que tinha encontrado alguém no qual eu pudesse ser eu mesma.

    E quando eu fui, ela foi embora.

    O escuro embaixo da cama oferecia tudo o que eu mais precisava. Paz, silêncio, mas nunca aquilo que eu mais queria ter. Alguém que ficasse.

    Eu prometi a Nero nunca chorar outra vez, porém nem isso eu era capaz de cumprir. As gotas quentes caiam no assoalho amadeirado enquanto eu tentava desesperadamente lidar com todo aquele bolo nada saboroso que estava em minha garganta.

    Ouvi passos entrando, sabia que não eram de minha mãe, esses eram leves e sutis, e os de meu pai carregavam força e destreza. Estes não faziam barulho suficiente para um tamanho adulto, e soavam inocentes demais àquilo tudo à minha volta. Eu me virei para a parede para não ver a silhueta de meu pequeno irmão ao pé da cama.

    — Wednesday? – ele perguntou.

    Eu não respondi. Queria ficar sozinha.

    — A mamãe disse que você tem um dodói que precisa sarar. Ela tá te chamando lá embaixo, você vem?

    Não. Eu não iria.

    Eu não queria encarar os olhos negros da mulher que tanto me avisava que pessoas podiam ser perigosas, e que eu veementemente desacreditava. Por ela eu duvidava de cada palavra e conselho de minha mãe. E no fim, era Mortícia quem sempre esteve certa.

All of the Stars - WENCLAIRWhere stories live. Discover now