Amália foi embora de manhã. Ela tava com pressa de ficar longe, encerrar ciclos, voltar pra casa. Sabia de todas as dores, traumas e mentiras que fizeram ela sair de lá, mas não conseguia entender nenhum dos seus motivos para voltar. Acho que era só para ficar longe e não seria eu que ia forçar ela a ficar.
Não tínhamos mais nada. Tudo o que um dia existiu acabou e o que ficou foi um resquício doloroso e sensível demais para que a gente ficasse tocando toda hora. Por isso deixei quietinho. Mesmo com aquela sombra imensa do meu lado, fingi que não estava ali só para que fosse mais fácil rir e manter o silêncio enquanto todo mundo falava em roda.
Os dias só capotaram na frente dos meus olhos.
— E ela só foi?
— É. — Concordei. — Ela precisava sair daqui.
Busquei por aqueles olhos castanhos do meu lado. Foi a Luena que ajudou Amália a me encontrar e a fazer a denúncia pra polícia. Só que ela não tinha a menor ideia de para onde a garota tinha ido, e a minha ficha ainda não havia caído.
— Só não pensei que ela fosse voltar pro lugar de onde ela fugiu. — Traguei o cigarro entre meus dedos.
A brisa passou por nós, causando um arrepio sobre a pele.
Luena ficou absorvida nos próprios pensamentos.
— Talvez ela esteja atrás de algo que ela não tem mais aqui.
— E o que ela poderia ter em um lugar tão cheio de... — Não consegui concluir.
Queria ter tido a capacidade de dizer que ela não precisava ir, mas eu não podia fazer nada pela gente.
— Ela sabe o que tá fazendo, Tobias. — retrucou como em uma espécie de consolo.
Suas íris eram amáveis.
Não disse nada. Nosso silêncio só foi dissipado quando sua animação tomou forma dentro de algo tão melancólico.
— Sei que isso vai parecer ridículo, mas eu passei em uma padaria e os dois estavam muito lindos. — Luena tirou uma caixa toda marrom de dentro da bolsa sobre a areia e abriu, me entregando um dos cupcakes com glacê colorido.
Nos capotes da vida, esqueci de coisas que perderam toda a importância para mim ao longo dos anos.
— O que que isso?
A garota tomou o outro para os dedos e continuou vasculhando a bolsa, de repente tinha uma vela do tamanho do dedo mindinho.
— Eu lembrei, seu bobo. — Enfiou a vela no bolo entre meus dedos. Fiquei do avesso vendo aquilo. Luena percebeu. — Hoje é 21 de Agosto, Tobias.
O Sol queimava a minha pele.
Olhei para aquele bolinho, com um aperto na garganta.
Nem pensei naquilo.
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🏳️🌈| O Mar que Aqui Retorna
General FictionTobias é ex-presidiário e dependente químico que tenta retomar a vida no mesmo ritmo que o mundo retorna de uma pós pandemia. Através de reencontros, deseja refazer os laços com o filho e zelar pela vida de pessoas que um dia ajudaram ele, mas isso...