Aquela noite

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"Acho que nunca fui um irmão exemplar, sempre dei problemas na escola com brigas físicas e conflitos com professores auto intitulados que achavam que podiam mandar em mim.
Mas nunca fui um assassino a sangue frio. Eu nunca mataria meu irmão."

...

Minha infância fora difícil, agredido em casa, agressor fora dela, sempre foi assim e sempre seria enquanto eu vivesse naquela casa.
Então fui embora.

Hoje se completam 23 anos que não entro naquela casa que me trouxe tantos traumas, tantas dores e medos para apenas vive-los de novo graças a uma chamada estranha às 3:45 da manhã. Grandes 20 minutos de carro para entender o desespero na voz da neta de dona Marizete, nossa antiga vizinha falecida a 5 anos segundo ouvi falar. Lara, sua neta, achava que estavam tentando invadir sua propriedade ou a de minha família, o clima era estranho, o ar incomum, mas nada que me desse medo de verdade.

Não, era apenas um gato qualquer fazendo mais barulho que deveria. Deveria ser.
Nada de estranho se aparentava na frente da residência, nenhum sinal de arrombamento, tudo escuro, normal aparentemente, um cheiro doce de um creme de rosas no ar, nada mais.

"Acho que não aconteceu nada demais aqui, Lara. Vá para a casa, já está tarde."

"Mas... Eu juro que ouvi um grito, acho que alguém possa ter entrado, cadê seu irmão?"

"Ele me ligou a uns dois dias dizendo que sairia para uma viagem a trabalho."

Uma mentira barata, mas não entraria lá.

"Entendo. Bem...não quer mesmo ao menos dar uma olhada?"

"Não tenho as chaves a 23 anos Lara, desculpe, não posso ajudar e eu trabalho amanhã, sabe?"

"Ah sim, sim. Desculpe o transtorno, acho que vou dormir agora então."

"Ótima ideia. Boa noite Lara."

"Boa noite."

Achei tão estranha sua insistência em entrar na antiga casa de minha família, que até os dias de hoje pertence a meu irmão mais velho, o meu agressor desde os meus 8 anos. Ele era um rapaz frustrado, viciado em álcool e irritadiço e descontava suas frustrações com garotas, amigos, família, tudo em mim. Bem abaixo do nariz de meus pais que tinham problemas demais entre si para olhar para alguém tão pequeno como eu.
Mas à vista de todos éramos uma família muito bonita e unida, meu irmão quase se passava por um bom rapaz, mas eu parecia destoante do ambiente.
Apesar disso, eu quase os amava. Amar é um verbo que nunca esteve presente em minha vida até me mudar e conhecer minha esposa que esperava uma filha nossa. 
Hoje eu era forte graças a ela, forte para o mundo, mas nunca voltei às minhas origens para enfrentar o que realmente importava.
Minha família.

...

Dois dias depois eu estava lá novamente, graças a mesma garota que dizia que ninguém havia saído da casa desde aquele dia. Ela achava estranho o som da TV no mesmo canal e juro que me perguntava se ela não tinha coisa melhor para fazer além de ficar bisbilhotando a casa alheia. Não tinha nem 37 anos e já se tornara uma velha fofoqueira.

Disse que entraria na casa finalmente quando revelei que tinha uma chave embaixo do carpete que eu só não queria pegar por pura preguiça naquela noite.

A casa estava escura, tudo normal e estranhamente a "TV que não muda nunca de canal" estava desligada. Canais de venda de jóias eram inconfundíveis mas por que meu irmão se interessaria nisso?

Continuo vasculhando e o cheiro amargo e alcoólico me atinge tão em cheio que preciso tossir levemente para me acostumar. Meu irmão estava pior do que eu poderia imaginar, agora se envolvia com entorpecentes também?
Um cheiro muito mais forte tomava conta da parte de cima da casa, onde os quartos estavam e um frio mórbido subiu por minhas costas.

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