Eu olhava pela janela, o céu era cinza, e a cada minuto, ele escurecia mais e mais. Até que caiu a noite, vênus sempre me observava, tranquilo, fui dormir.
Acordei, com o despertador me atormentando, corri igual louco para o ponto de ônibus. As coisas eram tão programadas naquela época, do que jeito que eu realmente gostava.
Meus horários todos organizados, meus órgãos em total funcionamento, todos movimentos calculados, horas de sono, horas de estudo, meias, camisetas, pães e manteigas, sentimentos e pensamentos.
Eu ficava preso no meu mundo, algo misto entre poesia, música, leitura, séries e organização. Eu podia me considerar o senhor do tempo, afinal, sempre que chovia, eu tinha um guarda-chuva.
Você me apareceu de um jeito estranho. Era tão expansiva que me dava medo. Você era fotógrafa, e um dia nos esbarramos na rua. Quase que literalmente, você amava alegrar o mundo, então captava a tristeza das pessoas na rua com sua câmera, e depois trombada de propósito nelas, para que pelo menos ficassem com raiva e não tristes. O que você não sabia era que eu não estava triste, era só que eu nunca tive mesmo muitos sentimentos. Indiferente.
Começamos a conversar, algo que eu não era lá muito bom, mas parece que você queria tirar fotos do meu mundo em preto e branco. Difícil de entender, mas você gostou até dos meus poemas, que expressavam dor.
Você, sendo tão intrusiva, me deixava com raiva. Você quebrava o relógio, mesmo quando a gente saia, você não se dava ao luxo de chegar no horário, sempre me deixava esperando.
Incrivelmente, você foi me convencendo a abraçar o mundo. E eu comecei a até que gostar disso. Mas não abracei o mundo, abracei você. Abracei o sol. E você retribuiu, o meu amor lunar.
Em pouco tempo, nos tornamos peças do mesmo quebra cabeça. Um jogo que eu queria organizar na caixa e você queria espalhar no chão e dançar samba em cima.
A gente brigava, a gente fazia as pazes. Eu nunca me senti tão confuso, algo parecido com sentimentos estava florescendo na minha máquina de pulsar sangue, como eu gostava de chamar o tal coração virginiano que eu tinha.
A cada dia, essa coisa ficava mais forte. Um dia, estávamos no meu quarto, você brigando comigo, dizendo que preciso amar, e eu sendo frio e respondendo com cautela. Vejo seus lábios vermelhos como sol e progressivamente perdia o controle, algo que pensei que Alpha Virginis nunca ia deixar acontecer. Em um novinho preciso, te beijo. E é como se o silêncio se quebrasse com a queda de um vaso no meio do velório, as senhoras de preto se espantam com o barulho. Você retribui, e eu noto que sua saliva é a coisa mais perfeita que eu tinha conhecido. O espanto não para por aí, meus dedos vão descendo pela sua pele e te despindo. Sua pele nua em contato com a minha erradia o sol. Tranzamos, preenchendo as crateras lunares. Quando acaba, você me diz "isso não devia ter acontecido", e chora no meu peito, te acolho e tento enxugar suas lágrimas. Sem ao menos tentar entender.
As semanas mais felizes da minha vida se passam agora. Eu tinha encontrado o amor da minha vida, eu ficava triste só vez em nunca.
Mas a partir de um tempo, você parara de me atender, responder minhas cartas e meus e mails. Algo estava acontecendo, será que você havia desistido de mim?
O som se propaga sábado, quando sua mãe me liga chorando, e meus joelhos tremem como um terremoto de magnitude 8. Ela me diz que o pior havia acontecido, mas eu não sabia o que era o pior. Quando ela me contou, nada mais fazia sentido. Eu nunca iria descobrir que o amor da minha vida tinha uma doença genética rara, e por ter somente cinco meses de vida, se dedicou a amar o mundo como ninguém mais fez. Meu sorriso surgiu quando sua mãe me contara que ela havia conseguido sobreviver mais dois meses, se foi por minha causa, não sei. Mas o certo é que alguém tão egoísta como eu, agora tinha o mundo destruído por más notícias. O enterro seria amanhã.
Realmente, os astros ainda conspiravam. Por que diabos Leão e Virgem não podia se amar? Olhei pela janela e tinha ficado de noite. Coloquei alguma música de bêbado, e me tranquei no quarto. Minhas lágrimas não existiam por fora, mas eram ácidas por dentro. Doíam, doíam bem mais que os cortes, agora eu estava sentindo meu sangue se esvaindo, minha alma indo embora e a cada vez ficando mais escuro. Foi quando, bem, eu acordei suado na minha cama. Tudo não passara de um sonho, ela nem nunca tinha existido. Fiquei enfurecido. Olhei para o lado, eu tinha esquecido de fechar a janela. Quando fui fechar, notei que Vênus ainda me vigiava. Fechei a janela e disse comigo mesmo "chega de Vênus por hoje".
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Chega de Vênus Por Hoje
RomanceUm pequeno texto, que pretende ser maior algum dia. Fala de cores imaginárias, preto e branco, colorido. Romance entre dois seres tão opostos, algo intolerável entre os astros que prezam pelo bem do universo. Não é o tipo de coisa que se narra deva...