capítulo 1

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             MELINDA OLIVEIRA

Eu estou no meu quarto, terminando de me arrumar. Vou ver meus pais depois de um mês sem eles virem aqui.
Depois que me casei com Ricardo, me mudei do estado do Espírito Santo para Minas Gerais, em uma fazenda longe de tudo e todos. Não temos muitos funcionários ou vizinhos por perto e fico sozinha na maior parte do tempo.
Tenho 20 anos, meu marido tem 40 anos e é um advogado renomado. Meus pais que me apresentaram a ele e disseram ser um bom partido. Querendo agradá-los aceitei conhecê-lo.
Eu tinha 18 anos quando ele entrou em minha vida. Eu pensei que ele fosse diferente, até pela idade que possuía. Ele foi sempre tão carinhoso, atencioso e gentil. Se mostrou preocupado com minhas queixas e medos do futuro, me enredou em suas conversas belas e fáceis que deixaria qualquer garota da minha idade apaixonada. Ele tinha paciência comigo, me levando de forma leve e descontraída e me manteve cativa. E eu, como inocente que era, não vi para onde estava indo, não até que cai de cara no precipício e já era tarde demais.
Termino de me vesti com um vestido impecável, cabelos sempre presos em um coque, apenas posso usar vestidos ou saias longas, jamais roupas despojadas, porque isso mostraria que sou uma pessoa desleixada. Saio do meu quarto e vou para a sala esperar pela chegada dos meus pais e torcendo para que minha irmã Mia venha também, a única que me entende e sofre por mim.
Ouço o barulho de um carro adentrando a garagem e sei que é meu marido com meus pais. Fico esperando eles na porta. Quando os vejo peço a benção deles. Nós nunca fomos próximos ou demonstramos sentimentos abertamente. Sempre foi algo meio frio e distante.
— benção, pai, benção, mãe. — Digo pegando nas mãos deles.
— Deus lhe abençoe, filha. — eles dizem.
E assim todos adentram em nossa casa, parando na antessala. Hoje, por ser um dia em especial, contamos com Dona Rosa pra nos ajudar e agradeço por isso.
Sento-me do lado dos meus pais.
— A Mia não veio, mamãe?
— ela virá amanhã com sua tia Carla.
— Ah sim! — meu marido está falando de negócios com meu pai e já seguem para o escritório.
E sempre assim. Eles se trancam no escritório por horas. Sei que às vezes Ricardo viaja para falar com meus pais, o que me mantém em rédeas curtas, porque não posso decepciona-los não posso ser uma filha com modos questionáveis. Eles não esperam menos que o mais perfeito comportamento de que uma mulher casada deve ter, sempre submissa ao marido e nunca, jamais questioná-lo.
— me mostre onde será nosso quarto, Melinda. Preciso me deitar para descansar. A viagem foi longa.
— Sim, mamãe, vamos! Vou levá-la até seus aposentos. — eu vou à frente, conduzindo ela pela escada até a ala dos quartos de visitas. Eu moro em uma casa enorme com 8 quartos, sendo 5 suítes e 3 quartos normais, ao todo são 4 banheiros social, ficando 2 no andar de baixo, uma sala no andar de cima com uma biblioteca e escritório, 3 salas em baixo, sendo uma, a antessala. Temos também uma grande cozinha, a sala de jantar, despensas e uma enorme varanda e área gourmet. Vem uma faxineira 2 vezes por semana quando Ricardo está em casa e no mais eu cuido de tudo como é de se espera de mim.
No momento em que abro a porta do quarto que mamãe vai ficar, ela sai analisando cada móvel a procura de poeira, observando minuciosamente cada cantinho, seja nos móveis ou objetos de decoração. Nem mesmo o piso passa despercebido de sua vistoria e quando se dá por satisfeita, se senta na cama colocando sua bolsa em uma poltrona.
— vejo que aprendeu a ser uma boa dona de casa. Pelo menos isso sabe que odiaria ouvir reclamações do Ricardo sobre seus dotes domésticos ou culinários.— ela diz, passando a mão por seus cabelos impecáveis.
— aprendi com a senhora mãe.
— e me orgulho disso, filha. E espero que Ricardo não tenha reclamações de você. Não suportaria ter sua criação questionada. Te criamos para ser uma boa esposa.
— nenhuma mamãe. Sigo a risca tudo que me ensinaram.
— perfeito. Agora vá, quero descansar.
— Sim, senhora.— saio do quarto e caminho para a biblioteca. Meu refúgio e aqui que me escondo. Às vezes quando penso que estão exigindo mais do que posso suportar. Sempre esperam que eu seja impecável, que aceite tudo que vier sem questionar ou reclamar. Às vezes me pergunto se um dia vou ser livre? Se minha vida vai se resumir a isso. Viver para buscar aprovação dos meus pais e do meu marido.
Sentei-me em uma poltrona de frente para a janela e me perdi em meus pensamentos.
Meu casamento foi grandioso. Muitos convidados, muitos presentes e a festa foi como um conto de fadas. Meu vestido foi do jeito que sempre sonhei, como o das princesas, sabe? Uma saia armada grande e o véu, tudo do jeitinho que eu queria. Tive uma lua de mel agradável, eu acho. Mas o sexo é ruim de qualquer forma, não é? Eu pensei que finalmente iria viver. Amava meu marido, fazia e faço tudo para agradá-lo, sempre buscando sua aprovação e corrigindo algumas imperfeições que acho que tenho. Quem sabe assim ele possa me notar e me amar da mesma forma. Tudo que queria era que ele pudesse voltar a ser o homem com quem me casei, aquele carinhoso, que sorria quando me via, aquele que pegava em minha mão quando eu estava triste. Será que é pedir demais?
Lágrimas descem pelo meu rosto sem que eu possa controlá-las. A dor é minha constante companheira e me sinto tão vazia, tão esgotada. Não me sinto suficiente para ninguém, como se fosse um fracasso. Isso é angustiante.
Perdida em minhas lamúrias, não ouço os passos silenciosos do meu marido. Só percebo tarde demais quando ele agarra meus cabelos pelo coque, me levantando em um rompante e me fazendo soltar um grito pela surpresa e dor.
— O que faz aqui, esposa? — ele brada, apertando ainda mais suas mãos em meus cabelos, causando uma dor insuportável.
— Desculpe, amor, eu perdi a noção do tempo. — sussurro em uma falsa voz calma e controlada.
— Quando temos visitas, você deve ficar ao meu dispor, esposa. Ou se esqueceu de quem manda aqui? — vocifera, fazendo-me olhar para ele e repreendendo-me com um olhar severo.
Meu marido é um homem bonito, com cabelos pretos num corte elegante, uma barba feita, sobrancelhas grossas e expressão séria. Seu corpo é magro e ele é atraente. O homem por quem um dia me apaixonei perdidamente. Hoje em dia, só sinto medo e pavor. Sempre me sentindo como um robô, que apenas segue ordens.
— Me perdoe, não vai se repetir, amor. — falo em um sussurro. Ele afrouxa o aperto em meus cabelos, mas não me libera. Seus olhos castanhos buscam os meus e vejo promessas que não gostaria que se cumprissem neles. Ele aperta minhas bochechas ao ponto de quase sentir dor, fazendo-me olhar para ele e dizendo:
— Você sabe que teremos convidados muito importantes neste fim de semana, não é? — eu tento confirmar com a cabeça.
— Espero que consiga arrumar esses cabelos rebeldes. Não quero que apareça perto de mim com nenhum fio fora do lugar. Me entendeu?
— Sim.
— Sim, o quê, Melinda? — ele pergunta, intensificando ainda mais o aperto em minhas bochechas. Meus olhos se enchem de lágrimas. Ele estala a língua no céu da boca em claro sinal de desaprovação.
— Odeio lágrimas, sabe que não as suporto. Lágrimas são de pessoas fracas, e você é uma pessoa fraca, não é Melinda? Não consegui ouvir nada sem encher esses malditos olhos de lágrimas. Pena que nada disso me comove. Vamos parar com esse teatro e se recomponha. — Eu engulo em seco, meu pescoço está doendo de ficar tanto tempo com o rosto elevado para cima. Já que ele é bem mais alto que eu, não posso reclamar ou pioraria a situação drasticamente. Só peço a Deus que ele se canse logo de me humilhar.

— Estou esperando a resposta, Melinda.

— Sim... amor. — digo, tentando não despejar meu descontentamento por ele nas palavras.

— Isso. Uma esposa deve amar seu marido, ser sempre submissa, saber seu lugar, respeitá-lo e jamais questioná-lo. Espero que eu nunca precise usar aqueles outros métodos em você novamente. Esposa, odiaria ter que fazê-lo. Mas você sabe que se me envergonhar perto dos meus convidados sábado, mesmo não querendo, terei que prendê-la nos estábulos. E diferente das outras vezes, que a deixei lá só por algumas horas e ainda tinha a mordomia do lugar ter iluminação, a deixarei lá por 3 dias e sem comida. Acho que você já teve uma amostra outro dia, você se lembra, não é?

Lágrimas de pavor saem dos meus olhos, e confirmo com a cabeça sem parar, segurando meus murmúrios de medo e desolação. Um dia, quando recebemos a visita de um juiz, deixei uma xícara de café cair no chão. Digamos que meu marido achou inapropriado e, então, me deixou algumas horas presa no estábulo. Pior foi em outro dia, quando ele me deixou um dia todo lá sem água ou comida. Eu saí de lá tão cansada e totalmente desgastada mentalmente.

— Que bom, meu amor, que estamos entendidos. Como já está tarde, vou liberá-la para ir para seu quarto e ficar por lá até amanhã de manhã. Certo?

— Sim, marido. — respondo. Ele me solta com um empurrão, e por pouco não vou ao chão. Saio correndo da biblioteca e vou para meu quarto.

Deixei de dormir com meu marido há uns 7 meses, foi quando meu inferno começou... Quando sua ex voltou, enchendo a cabeça dele, colocando-o contra mim, dizendo que eu era uma ninfeta que iria colocá-lo comendo em minhas mãos, que eu iria traí-lo. E ele colocou isso na cabeça e virou meu algoz.

Mas amo a solidão do meu quarto. É melhor do que ter que dormir com alguém que só me faz mal e que ama minhas lágrimas. Não sabe ele o bem que faz para mim se mantendo longe.

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