Sentada no refeitório do enorme hospital, onde hoje sou chefe da Unidade de Terapia Intensiva, observo a tela do meu celular. Contemplo uma foto sua enquanto bisbilhoto seu Instagram, como venho fazendo pelo menos duas vezes na semana pelos últimos anos.
Dez anos depois e eu ainda me encontrava aqui, parada no tempo, seguindo minha vida no automático e sem deixar de pensar nele por um mísero segundo.
Hoje completavam dez anos, nove meses e onze dias, desde que cheguei na Austrália. Dez anos, nove meses e onze dias que eu não o via. Dez anos, nove meses e onze dias que eu não via meus amigos e minha família. Dez anos, nove meses e onze dias desde que a melhor parte de mim me fora arrancada.
Eu ainda posso sentir a dor latente em meu peito. E mesmo depois de tanto tempo é difícil lidar com tantos sentimentos conflitantes que insistem em me fazer lembrar o quanto o amei.
Rolo o dedo na tela passando pelas fotos e vejo o seu filho Eric, de sete anos, sorrindo para a câmera em uma delas.
É difícil imaginar que no mundo que eu idealizei, hoje nós estaríamos juntos, casados, com nossos filhos, nos apoiando, sendo alicerce e melhores amigos.
Eu vejo Eric ali e penso no quanto tudo que aconteceu destruiu a minha vida, enquanto todos seguiram tão rápido e eu apenas deixei de existir para cada um deles.
Eu vejo a Amanda de hoje e eu sou apenas um fragmento da pessoa que eu desejava e costumava ser. Já não há tanta cor, nem tanta alegria, nem entusiasmo, muito menos vontade.
Perdida em pensamentos, contemplando o nada que se tornou a minha vida, não noto Vini chegar e se sentar ao meu lado.
- Um beijo pelos seus pensamentos - ele brinca.
- Não estão valendo isso tudo. Apenas a mesma merda de sempre.
- Amiga - ele fala colocando as duas mãos nos meus ombros - sei que dói, e eu nem imagino o quanto, mas você precisa seguir, por você mesma. Lembra quando você chegou aqui?, você falava que apenas precisava que ele seguisse, que quando ele se casasse você finalmente poderia seguir a sua vida. Amanda, ele fez isso, há oito anos atrás, e você apenas continua aí, vivendo para o trabalho como se sua vida dependesse disso. E quando tudo acabar?, o que te sobra?.
- Eu sei...
- Não, você não parece saber. Você é a melhor médica desse hospital e uma das maiores desse país e tem apenas trinta e dois anos. Você é genial amiga, mas apenas na área profissional, no pessoal você mal parece saber o que fazer da vida. Você recusa cada convite que recebe pra sair, pra conhecer alguém. Você nunca voltou pra ver seus pais, nem pro casamento dos seus melhores amigos. Você está se afundando em autopiedade enquanto todos apenas seguiram suas vidas.
- Eu apenas tenho tanto medo sabe?, eu não vou conseguir voltar e ver nos olhos dele o quanto ele me odeia, o quanto todos me odeiam.
- E se odiarem Amanda?, você vai deixar isso te deter a vida inteira?. Você proporcionou a vida que sempre quis para os seus pais. Comprou uma casa boa, permitiu que eles se aposentassem. Mas fora isso, o que você fez por você?
Uma lágrima solitária escorre pelo meu rosto.
- A vida é sua amiga, mas é muito triste te ver assim há dez anos. Nós temos essa mesma conversa pelo menos uma vez na semana, e eu já não sei o que fazer.
- Obrigada Vini, obrigada por ainda ter paciência comigo depois de tanto tempo. Você é o melhor amigo que eu poderia ter.
- Apenas viva ok?, por mais que seja difícil, se permita. Você é tão linda. Não tem um cara nesse hospital inteiro que não vire o rosto pra te olhar quando você passa. Quantos já te chamaram pra sair em todos esses anos?, eu aposto que todos eles, exceto os casados.
Sorrio.
- Alguns casados também.
- Está vendo?, você é linda, tem o coração mais generoso que eu já conheci e merece mais do que qualquer pessoa aqui ser feliz.
O abraço. Mas antes que eu possa responder qualquer coisa, meu telefone toca. Olho o visor e vejo que é minha mãe, atendo feliz.
- Oi mamãe, que bom te ouvir.
- Filha... - percebo pelo seu tom de voz que ela está chorando.
- Mamãe, o que houve?
- O seu pai...
- O que tem o papai mamãe?
- Ele sofreu um acidente, e, e... ele está internado em estado grave - ela desaba e depois disso eu mal consigo escutar o que ela fala.
- Eu estou indo no primeiro voô que eu conseguir mamãe. Se mantenha firme ok?, vai dar tudo certo, o papai é forte.
Desligo o celular e faço tudo no automático. Duas horas depois estou dentro do meu apartamento, arrumando duas enormes malas para voltar ao Brasil.
Quatro horas depois estou sentada em frente ao portão de embarque aguardando meu voô que tem previsão de trinta horas de viagem, até o desembarque em São Paulo.
Seguro todas as cartas nas mãos enquanto desembarco do avião. Dez anos depois eu estava de volta. Com o coração despedaçado, e guardando um maldito segredo que havia me feito sangrar e destruir o coração do único homem que um dia eu amei.
O trajeto de carro de mais de duas horas até a casa dos meus pais foi feito em completo silêncio, no meio das malditas lágrimas que insistiam em cair.
Assim que o carro para na frente da enorme casa, minha mãe abre a porta e vem correndo ao meu encontro.
- Filha - ela soluça ao me abraçar - ele não resistiu, Deus o levou essa manhã.
E eu não consigo mais controlar toda a minha dor, eu desabo no chão e choro. Choro tanto que meu corpo inteiro começa a tremer. Choro tanto que entro em algum estado mental em que é impossível distinguir as vozes que insistem em falar comigo.
Estou presa dentro da minha mente, perdida em toda a dor que me atormentou por todo esse tempo. E agora a dor de saber que meu pai se foi e eu não estava aqui.
Não sei quanto tempo se passa, até que eu acordo deitada em uma cama, dentro de um enorme quarto branco. Olho para cima e vejo a minha mãe acariciando meus cabelos.
- Você está tão linda meu amor, muito mais do que por fotos ou pelas chamadas de vídeo, mas está muito magra.
- Me desculpa mamãe - eu choro descontroladamente em seus braços - eu queria ter estado aqui antes. Eu deveria ter sido mais presente, e não voltar apenas agora, depois que ele morreu.
- Não tenho pelo que te desculpar meu amor. Seu pai estava muito orgulhoso da mulher que você se tornou, e falava disso todos os dias. O que aconteceu foi uma fatalidade da vida que não poderia ser evitada. Você foi e é a melhor filha que qualquer pai deseja ter. Nunca duvide disso.
O que estão achando?, essa história tem um momento muito muito triste, e que vocês vão descobrir lá pelo décimo capítulo. Esse momento é inspirado em um livro que eu li, vou deixar o nome pra vocês no final da história. Deixem o feedback e uma curtida sempre que possível. Incentiva muito a autora a continuar escrevendo para vocês. Até o próximo, beijos 💋
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DocShoe - Todo seu
Fiksi PenggemarDez anos após sumir do mapa, Amanda está de volta à sua antiga cidade. Os motivos que a trazem não são bons, muito menos todas as memórias que insistem em vir à tona. Enfrentar o passado pode ser doloroso, mas nada se compara a dor de ver o seu anti...