9. A verdade

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- Foi ele não foi?, foi ele que te fez ir embora dez anos atrás - pergunto, e não há um pingo de dúvida em meu tom de voz.

Ela me olha, com muita tristeza em seu semblante, e apenas balança a cabeça concordando.

- Eu sabia, quando minha mãe ligou, pedindo pra você vir, eu sabia... - balanço os braços exasperado, e um enorme desespero começa a tomar conta de todo o meu corpo. - O que ele fez? - exijo saber, enquanto ela permanece no chão, parecendo estar quebrada demais.

- Antônio, não... - ela balança a cabeça negando, e lágrimas pesadas banham seu rosto. Ela tenta se levantar, e seu corpo parece tremer e está frágil demais para se sustentar sozinho - eu... eu preciso ir embora.

- Vamos, eu te levo - a ergo no colo, mesmo sobre protestos. Da forma que ela está, não conseguiria dar dois passos sem se machucar.

Enquanto desço as escadas e saio da casa com ela em meus braços, revivo a mesma sensação de anos atrás. Carregá-la e abraçá-la eram a melhor parte do meu dia, e agora aqui, mesmo em uma situação de merda, eu estava fazendo uma coisa que senti tanta falta.

A coloco no banco do passageiro e prendo o seu cinto de segurança. Enquanto dou partida, seu olhar apenas se perde na paisagem que vai ficando para trás enquanto o carro se move.

- Eu estava grávida - ela sussurra, e é quase inaudível que eu não tenho certeza se escutei certo.

- Como? - pergunto, e meu coração salta no peito.

- Eu estava grávida, quando tudo aconteceu... - ela fala um pouco mais firme.

- E onde está o bebê? - pergunto com medo da resposta.

- O seu pai... naquela noite... - ela tenta falar entre os soluços que cortam sua alma - eu acordei em um hospital... eles já tinham tirado...

- Eles tinham tirado?, como assim? - minha voz falha e eu começo a chorar, acompanhando o seu pranto que preenche todo o carro, em sonoros ruídos que doem no fundo do peito.

- Eles me fizeram ingerir uma quantidade absurda de abortivos Antônio... eu não sei muito bem a forma, nem como, porque eu estava o suficientemente dopada para não saber nem o que fizeram comigo e com o meu corpo... E quando eu acordei... eu já estava sangrando tanto que nada podia ser feito...

Eu paro o carro. Apenas por que tudo é demais pra mim. Desço e fico andando em círculos pelo que parecem horas.

Eu não sei o que pensar, nem o que fazer. Eu me sinto perdido. Quebrado demais para fazer qualquer coisa. Mas então eu me lembro dela e volto para o carro.

- Me desculpa - peço assim que me sento no banco.

Seu olhar está perdido, e ela não parece ouvir nada do que eu falo.

- Eu havia descoberto naquela tarde... - ela continua, e seu rosto se contorce em uma careta de dor - seu pai estava nos monitorando... por isso ele soube antes que eu pudesse te contar.

Eu solto um grito tão alto, que o eco pelo carro dura vários segundos.

- Eu não acredito nisso - falo, completamente descrente.

- Tudo bem Antônio... a essa altura do campeonato eu não preciso mais que você acredite... só... eu só quero ir pra casa. Por favor.

- Não. Não. Eu confio em você... é só difícil demais saber que meu pai... ele fez isso sabe. Ele sabia o quanto eu te amava. Eu falava de você pra ele o tempo inteiro. Eu estava planejando me casar com você. Ele sabe o quanto um filho teria significado pra mim...

- É, isso ficou bem claro no dia... só não... não importa mais Antônio. Não há nada que possa ser feito para mudar o que aconteceu.

- Tudo teria sido tão diferente... Você chegou a contar pra alguém?

Ela balança a cabeça concordando.

- Pra minha mãe... e depois que eu fui embora ela contou para o meu pai...

- Por que você não me contou Amanda?, a gente... teria dado um jeito.

- O nível das ameaças Antônio... você apenas não faz ideia do que aquele dia representou pra mim. Eles arrancaram um filho... um filho que eu queria e amava... de dentro de mim... sem que eu tivesse ao menos a chance de fazer qualquer coisa... Seu pai me deixou voltar em casa pelo tempo suficiente para arrumar uma mala, e eu fui largada no aeroporto horas depois.

- Meu Deus, eu...

- De qualquer forma, de nada adianta qualquer palavra. Você mesmo disse que independentemente do que tivesse acontecido você não me perdoaria nunca não é?. Só me deixa em casa por favor Antônio, eu preciso ir pra casa.

O que estão achando?, até agora eu chorei muito escrevendo e confesso que no capítulo anterior eu suavizei algumas cenas que estavam bem pesadas. Beijos, em breve estou de volta ❤

DocShoe - Todo seuOnde histórias criam vida. Descubra agora