10. Conversa

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- Me desculpa - eu peço - eu não tinha ideia do que você passou quando falei aquilo. Me perdoa Amanda.

- Tudo bem - seu sussurro é quase inaudível, como havia sido a noite inteira. Era como se ela não tivesse mais forças.

- Eu... me desculpa também por ter te pedido para vê-lo, se eu soubesse, eu nunca teria feito isso.

- Está tudo bem Antônio. De verdade. Por mais que doa, as vezes algumas coisas são importantes, como para encerrar um círculo ou seguir em frente - ela fala assim que estaciono em frente à casa da sua mãe.

- Obrigado por ter me contato.

- Para de me pedir desculpas e obrigado - ela resmunga - você não me fez nada. Eu odeio isso.

- Certo. Amanda?

- Oi.

- Você nunca pensou em voltar?

Ela balança a cabeça negando.

- Se meu pai... se ele não tivesse morrido, eu provavelmente não teria pisado meus pés aqui de novo.

- Porque?

- Eu posso ser sincera sem parecer que eu quero te castigar com as minhas palavras?

- Sim.

- Você seguiu a sua vida sabe?, você nem sabia o que tinha acontecido comigo e apenas seguiu... Quando eu fui... eu ainda tinha a tola esperança que você saberia que algo muito grave tinha acontecido comigo. Eu deitava a cabeça no travesseiro, e pensava que você era a única pessoa que me conhecia o suficiente pra saber que eu não iria embora sem te dar uma explicação. Eu acreditei por muito tempo, que você não se cansaria até descobrir o que aconteceu comigo Antônio. Mas aí eu buscava notícias suas, e você estava lá, feliz. Se casando, tendo filhos, enquanto eu apenas permanecia parada no tempo, com algum tipo de esperança me consumindo.

Ela gentilmente seca as lágrimas que caem pelo meu rosto.

- Eu não estou falando isso pra te ver assim Antônio, eu só queria ser sincera com você, depois de tanto tempo.

- Eu te escrevi cartas o primeiro ano todo, eu te procurei em todos os cantos possíveis, eu nunca desisti de você...

- Eu sei, eu li todas as cartas Antônio. Eu apenas não podia respondê-las, mesmo que eu quisesse muito.

- Tudo teria sido muito diferente não é?, nos amávamos tanto...

- Sim, teria. Mas o que adianta a gente ficar aqui remoendo isso? - ela ergue os ombros, em um gesto claro de desconforto - nossa vida tomou rumos muito diferentes. Hoje é o que tem que ser.

- Você conseguiu seguir? - solto a pergunta que está presa em meu peito.

Ela balança a cabeça negando.

- Porque?

- Essa é uma pergunta que eu não tenho resposta. Se eu te perguntar porque você conseguiu seguir, você sabe a resposta?

- Não.

- Pois é, algumas coisas são especialmente mais difíceis para algumas pessoas do que pra outras Antônio. E está tudo bem. Eu não anulo a dor que você passou, nem a dor de saber agora que seu pai causou tudo isso. Mas fui eu que sofri tudo isso na pele, foi o meu corpo que foi violado e desrespeitado.

Ela faz uma longa pausa e olha para fora, em direção ao portão.

- Eu te acompanhava nas redes sociais. E dizia pra mim mesmo que eu apenas precisava que você seguisse pra que eu pudesse fazer isso também. Mas voce seguiu, e eu não fui capaz de fazer o mesmo. Se você me perguntar se eu sou realizada profissionalmente, a minha resposta com certeza vai ser sim. O trabalho foi a única coisa que me manteve sã em todo esse tempo, e deve ser por isso que eu sou considerada tão boa no que eu faço. Mas se você me perguntar da minha vida pessoal, ela ficou presa aqui nessa cidade, no dia que eu fui embora.

- Mesmo que pareça, eu nunca segui de verdade - subo a manga da minha blusa, pra que ela possa ver a pulseira, que eu ainda usava, depois de tanto tempo - Você sempre foi o amor da minha vida Amanda, todo mundo sabe, a mãe do Eric sabia. O meu casamento com ela não deu certo, por que eu não me esforcei o suficiente.

Ela me encara com aqueles olhos amendoados que eu tanto amei em um passado tão distante, mas que ainda me pareciam familiares o suficiente.

Quando ela leva uma das mãos aos cabelos, e enrola os dedos em alguns fios, eu me antecipo à sua ação é gentilmente retiro sua mão.

- Você está ansiosa - constato.

- Como você... ah, os cabelos. Você lembra.

- Você sempre puxava alguns fios, ou esfregava as mãos.

- Algumas coisas nunca mudam - ela abre um meio sorriso que não alcança os olhos. Quando eu sinto que ela está prestes a se despedir, eu crio coragem.

- Será que a gente pode, apenas dar uma volta pela orla?

- Não acho uma boa ideia Antônio...

- Por favor, apenas uma volta, eu não estou pronto pra me despedir de você ainda.

- Eu vou me arrepender disso, mas tudo bem, vamos lá... ela retira os sapatos e deixa no carro, embaixo do banco junto da sua bolsa.

Atravessamos a pista em silêncio e quando chegamos ao calçadão, ela pede pra irmos pela faixa de areia.

- Tem muito tempo que eu não faço isso - ela comenta com um pequeno prazer na voz, fechando rapidamente os olhos, e quando os abre, continua caminhando mas com eles fixos no céu.

- Você ainda ama as estrelas? - pergunto.

- Eu ainda me sento todas as noite para admirá-las.

Instintivamente, retiro a minha camiseta, mostrando para ela a constelação de aries que eu havia desenhado na costela há dez anos atrás.

Seus olhos se arregalam ao notar o significado de tudo aquilo. Suas mãos se erguem como se quiserem tocar, mas ela se dá conta da sua ação, e os deixa cair novamente ao lado do corpo.

- Meu Deus Antônio, eu não acredito nisso - ela leva a mão à boca, com os olhos completamente inundados - você tatuou a mesma frase que gravou no relógio que me deu de presente.

-"Todo seu. Com amor. A" - sussurro, recitando a frase que está tatuada logo abaixo da constelação.

- Você é maluco - ela dá um pequeno gritinho de surpresa.

- Eu acho que depois de todos esses anos eu estou ficando um pouco - começo a vestir a camisa novamente.

- Porque você fez isso?

- Foi no dia do seu aniversário. Em 2013. Eu estava indo embora da cidade, mas na minha cabeça era como se ir, significasse desistir de você de vez. Eu não estava desistindo Amanda, eu estava tentando apenas ter um pouco de sanidade. No último ano eu realmente achei que estivesse à beira da loucura sabe?, eu comecei a tomar tantos remédios que muitas vezes eu me pegava alucinando.

- Eu li uma vez uma reportagem sua, você falou que desenvolveu pânico e ansiedade depois de um evento muito traumático.

- Eu nunca superei você. Eu nunca superei te perder da forma que aconteceu. Você era a melhor parte da minha vida pequena. Eu contava as malditas horas todos os dias, só pra te ver.

Ela dá um pequeno soluço enquanto para abruptamente. Meus braços automaticamente vão ao redor do seu corpo, e eu enterro meu rosto em seus cabelos, que já não tem o mesmo cheiro de antes, agora tem um cheiro totalmente diferente, mais sofisticado, e que combina perfeitamente com a Amanda que ela se tornou.

Seu corpo continua miúdo e magro e ela quase se perde dentro dos meus braços.

- Eu ainda te amo. Com toda a minha alma Amanda. Eu nunca deixei de pensar em você nenhum dia sequer - eu me declaro, e o meu corpo se contorce com o choro que varre a minha alma, espelhando a ação do corpo dela, que treme de encontro ao meu.

O que estão achando dessa história?, deixem um comentário sempre que possível. É muito importante pra que eu continue escrevendo sempre mais para vocês. Beijos ❤️

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