VANESSA

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(Brasil, 2017)

Um pombo. Gillian odiava pombos. Na verdade, ele odiava animais. Contudo, aquele pombo estava começando a irritá-lo com o gorgolejar constante, enquanto saltitava no capô da Van.

"Animal idiota", pensou ele, acionando o para-brisas na intenção de se livrar do pássaro.

Miles se voltou para ele, baixando os binóculos com os quais vigiava o outro lado da rua e liberou o ar dos seus pulmões, deixando à vista uma expressão cansada. Era óbvio que ele estava tão zangado quanto Gillian, afinal, aquele trabalho estava se arrastando por meses sem nenhuma novidade.

— Cara, por favor, diz que é ela! Não aguento mais esse trabalho. — Pediu Juan, no banco traseiro.

Gillian ajustou o retrovisor para observá-lo enfiar um punhado de batatas chips na boca. Aquele sujeito o irritava muito mais que os pombos. Porém, era deveras competente em seu trabalho, então relevava sua grosseria e falta de educação como, também, o péssimo hábito de transformar o carro em um lixão.

— Não tenho certeza — respondeu Miles. — A altura e tipo físico batem, mas não posso afirmar que seja ela dessa distância. No entanto, existe uma chance. É a segunda vez que ela aborda a professorinha.

Recolocou os binóculos e algum tempo se passou até que voltasse a se pronunciar. Somente o som das batatas, sendo esmagadas pela mandíbula de Juan, se fazia ouvir dentro do carro. Nervoso, Gillian ligou o rádio e recebeu um olhar agradecido de Miles. Assim como ele, o companheiro detestava a presença do rapaz no banco de trás, mas nada podiam fazer a esse respeito, já que tinham sido escolhidos, à dedo, para realizar aquela tarefa.

— Estamos vigiando essa mulher há dias e ela é tão chata quanto uma foca tomando banho de sol — Juan reclamou, revirando os olhos no retrovisor. — Por que não pegamos logo essa mulher? Damos uma prensa e ela vai cantar como um passarinho.

— Tenho mesmo que responder a essa pergunta estúpida? — Miles se voltou para fitá-lo.

Juan sorriu com os dentes cobertos por uma massa de batatas semi-mastigadas, divertindo-se em deixar o companheiro nervoso. Compreensivo, Gillian tocou o ombro de Miles, pressionando com um pouco de força. O homem exalou, impaciente, e retornou para a vigília.

— Você já trabalhou com "ela"? — Gillian questionou Juan.

O rapaz deu de ombros, despreocupado.

— Não.

— Então, não volte a fazer perguntas idiotas.

— O que eu disse de tão errado assim? — Juan quis saber.

Miles se voltou para ele, outra vez. Uma veia saltitava, perigosamente, em sua testa. Dias enfiados naquela van com aquele estúpido estavam fazendo ele perder o equilíbrio de suas emoções. Juan era um parvo e Miles pegou-se a imaginar a razão de ainda não ter sido assassinado pelos companheiros de serviço. Seria tão fácil! Só precisariam dizer que morreu durante um combate.

A ideia lhe agradou profundamente e fez uma anotação mental de retornar a ela no futuro.

— O que Gillian quer dizer é que "ela" é muito esperta, e não é à toa que é considerada a melhor que existe nesse ramo — respondeu com um suspiro agastado.

— Por que você acha que Aquiles a quer morta? — Rosnou Gillian, tamborilando os dedos no volante.

— Porque ela fugiu da cadeia, invadiu a mansão dele e roubou todos os dados de suas transações e clientes — Juan respondeu com uma simplicidade quase brutal, ainda exibindo um sorriso sujo de batatas. — Como é aquele ditado mesmo? "Ladrão que rouba ladrão..."

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