“E, apesar de parecer madura, ela era tão meiga e dócil... Talvez ela tenha escondido isso por saber que não se pode ser inocente nesse mundo cruel.” -Pati, uma Pati perdidamente apaixonada.
...
Depois de horas de sono, eu acordei em plena madrugada, meu coração acelerado, minha respiração ofegante: uma crise de ansiedade, claro... aquilo durava tanto tempo, e eu realmente não sabia qual poderia ser a causa, comecei a chorar baixinho para não acordar a mamãe. Feito um cachorro após correr pelo quintal inteiro, eu me levantei e corri até Medusa, minha gata, que estava deitada sobre o tapete. Nela depositei muito carinho, delicadamente, em todo aquele pelo negro e macio. Aquilo foi suficiente para me acalmar.
Eu odiava meu cérebro, odiava meu coração. Eu não sabia bem, biologicamente falando, o que me trazia tantas crises de ansiedade, mas elas eram recorrentes, um pé no saco. Após alguns minutos perdida em meu pensamento, caí no sono ali mesmo, com minha gata entre meus braços, ronronando de forma que eu sentia meu coração cada vez mais leve....
De repente, senti uma luz invadir a minha cabeça, aquilo era chato, e doía, parecia até que eu era uma vampira.
–Bom dia, flor do dia! –Mamãe dizia, melodicamente, enquanto se abaixava ao meu lado para, assim, afagar meu cabelo castanho bagunçado. –Por que está dormindo aí no chão, sozinha?
–Sozinha? A Medusa está aqui... –E aí percebi que eram só meus braços quentes mesmo, já não tinha mais ninguém entre eles. Observei os arredores do meu quarto e encontrei medusa, no canto contrário, me olhando com cara emburrada. –Mãe, a Mê me odeia. Eu estava abraçada nela! –Forcei um tom tristonho na minha fala, brincando. Eu e minha mãe rimos.
–Amor, você tem que se ajeitar e arrumar esse quarto. Daqui uma hora a casa estará cheia. E você deve participar.
–Ahn? Participar? Participar do que, mãe? –Indaguei confusa, não lembrava de nenhum compromisso na nossa casa, tanto que dormi até tarde.
–Filha, é aquilo que eu te disse tem um tempo... eu decidi fazer uma reunião na sala para jovens como você.
–Reunião para jovens como eu... –Comecei a pensar, e logo já entendi e me lembrei do que se tratava. Mamãe falava de forma mais gentil, mas, para vocês, caros leitores, vou ser mais direta: é A Reunião Dos Adolescentes Ex-Cracudos. Ou, que fingem que entram no quesito "ex".
Senti uma vontade aborrecente de dar uma patada gratuita na minha mãe, gritar: "para com essa frescura e admite logo que sou uma ex drogada!", mas não o fiz. Ela só estava tentando amenizar aquela situação deprimente, afinal. Naquele meio tempo, se fez um silêncio de um minuto, até mamãe interrompê-lo:
–Já entendeu, amor? Enfim, se você quiser participar dessa reunião montada, apresse-se já, ou não vai dar tempo!
–Ok, ok. Eu já vou me arrumar, obrigada por me lembrar. –Sentei-me, quase me igualando à altura da minha mãe, beijei-a na testa, levantei, e fui até o banheiro.
Não mencionei ainda, mas sou muito apta à subcultura gótica, em específico pode-se dizer que sou uma gótica-lolita, e vivo montada; menos na escola, lá é muito rigoroso, então eles não permitem criaturas esquisitas de peruca rosa. Mas minha casa não é a escola! Mesmo que eu só vá receber alguns adolescentes estranhos, eu preciso recebê-los com estilo.
Tomei meu banho, coloquei a minha peruca rosa, a de sempre: franjinha curta, que ficava somente no início da testa, amarrei um par de rabos de cavalo nela, fazendo a famosa maria chiquinha e, acima deles, laços pretos de renda, bem delicados. Mal me maquiei, passei um gloss, blush, e pintei olhos mais pretos em mim. Vesti-me mais simples, uma camisola antiga preta, comprei ela num brechó, mas usava como vestido, era longa: quase pegava meus tornozelos, estes que foram cobertos por meias brancas, e meus pés ganharam destaque com minhas Mary Janes baratas (meu sonho era ter um par dessas, só que com plataforma e com fecho em formato de coração, mas ainda não tinha dinheiro pra isso).
Arrumei meu quarto rapidamente e de forma superficial, apaguei a luz e fechei a porta, e aí fui disparada até as escadas, desci aqueles tantos degraus e me deparei com minha grande mesa de jantar repleta de pratos, e com uma refeição grandiosa no meio dela: um típico Strogonoff de frango, havia um outro, menor, para mim e os outros que não comem carne: um de cogumelos, junto de vasilhas com arroz, batata palha, e, para os mais excêntricos: salada de alface. Sentei-me na ponta, esperando ansiosamente pelos convidados daquele evento estranho. Sentia o coração palpitar rápido demais, mas consegui me acalmar.
E as pessoas começaram a chegar, primeiro, um rapaz completamente cristão, como eu sabia? ele estava com um escapulário, e me olhava indignado, pude vê-lo fazendo o sinal da cruz disfarçadamente. Nem perdi meu tempo dando oi, tudo que fiz foi desviar o olhar. Depois, uma garota-artista, veio com uma roupa manchada de tinta, seus lindos cabelos encaracolados tinham parte tampada por um boné. E aí, vinham pessoas, e pessoas, mais nenhum me chamou atenção durante um tempo.
Começamos a comer, alguns rezaram antes, outros foram garantindo sua comida antes para não ficarem sem, eu esperei todo mundo até me servir. Bem no momento em que colocava as batatas no meu prato, a campainha tocou, já estava um pouco tarde para a ida dos convidados... olhei para o lado, minha mãe, cansada de atender novas pessoas já preparava um suspiro, já que a pobrezinha queria comer, eu imediatamente me levantei para fazer isso por ela.
–Mãe, coma. Eu atendo. –Sorri. Em meio às conversas de todas as pessoas, eu ouvia um pé ansioso batendo no chão repetidamente conforme eu me aproximava da porta.
–Bem-vin... –Quando abri, me deparei com uma pessoa alta, pele escura, cabelos escuros, lisos e curtos, seus olhos tinham um tom lindo de verde. Afinal, o que eu diria? "bem-vindo" ou "bem-vinda"? Entrei em transe por alguns segundos, mantendo aquela pausa na fala, até que fui interrompida:
–"Bem-vinda". Se confundiu? Sem problemas, é bem comum. –E então ela sorriu de canto, foi o bastante pra eu sentir meu rosto esquentar, como se eu tivesse sido golpeada. Ela era muito gata, meu Deus. Sua beleza andrógena era excêntrica, as vestes simples mas bem ajeitadas lembravam de um galã de série adolescente, era uma outra versão do Peter Kavinsky.
–Ah, me desculpe. Pode entrar, seja bem-vinda. –Disse meio sem graça, principalmente na última palavra.
–Que nada, eu gosto disso. Gosto quando não sabem dizer se sou homem ou mulher. Me sinto legal.
OK, eu sou introvertida demais pra começar um diálogo com uma desconhecida assim tão de repente, por mais que ela fosse extremamente bonita, eu não tinha cabeça pra isso.
–Ah, bom pra você. –Fui grossa sem perceber, e, quando me dei conta disso, mordi meu lábio inferior.
–Não é de conversar? OK então. –Ela foi até a única cadeira sobrando: a da outra ponta.. . .
Que tortura foi aquele almoço, a olhos-de-esmeralda ficava me encarando, não sei se estava chateada, estranhada, ou talvez até encantada –convenhamos, eu sou um pitelzinho. Enfim, eu lidei com isso olhando para qualquer direção que não fosse para frente. Todos terminamos, minha mãe, com toda a sua voz e extroversão, começou:
–E então, pessoal, vamos conversar sobre nosso histórico com as drogas?
–"Nosso"? Até você já usou? Você parece tão normal. –Uma garota proferiu, o que me fez fazer uma careta raivosa sem perceber.
–Ah, sim, na idade de vocês, eu já usei maconha duas ou três vezes.
É, era esse o "vício em drogas" que minha mãe venceu. É claro que não podíamos falar de drogas de verdade, o assunto eram remédios, ou o uso recreativo típico adolescente da maconha, uma fase idiota.
–Eu era viciada em Alprazolam. –Comecei a falar, para encorajar os demais. Não sentia vergonha, até porque eu nunca mais veria aquele bando de esquisito. –É um remédio tarja preta para TAG, eu usava ele de forma inadequada, para me ajudar com a ansiedade.
E deu certo, a partir daí, várias falas novas:
–Eu era viciada em Ritalina!
–Eu era viciado em Sertralina!
–Eu era alcoólatra. –Álcool é uma droga, afinal.
–Eu era viciado em Morfina. –Esse foi meio estranho pra mim, mas ninguém julgou.
E assim foi, todo mundo confessando seus vícios antigos, explicando como eles venceram isso, e como que isso tinha se iniciado, incluindo eu. Só que... a menina dos olhos verdes ficou o tempo todo calada. Ela provavelmente só queria ser uma ouvinte naquilo tudo, minha mãe era uma mulher rica bem padronizada, então essa reunião de ex drogados não incluía REAIS ex drogados, de fato. Provavelmente ela se encaixava nisso, talvez foi Cocaína, Craque, não sei, não conheço mais drogas. Enfim, depois disso, com algumas pessoas emocionadas, outras sérias, todos foram embora pouco-a-pouco, incluindo ela.No outro dia. . .
Acordei cedo, dessa vez. Eu tinha aula, e eu faltei nos últimos dois dias por motivos de: não quero ir pra aula. Preciso admitir que sou muito mimada, se eu quero algo, minha mãe me dá, e se não quero, ela aceita: isso inclui faltar às aulas da minha escola de gente-super-rica de Elite. Não é como se eu não fizesse parte dessa espécie, mas me irrita um pouco, de qualquer forma.
Tomei banho, penteei meu cabelo marrom claro de forma simples, tirei meus brincos, e o esmalte preto que passei no final de semana. coloquei minha camisa social, e prendi meu laço vermelho nela, minha saia xadrez, meu par de meias de boneca curtas com babadinhos brancas e minhas queridas Mary Janes, que, por sorte, faziam parte daquele uniforme. Devo admitir, eu AMO a vestimenta dessa escola, mas todos acham muito esquisito e incomum, já que estamos no Brasil. As garotas encurtam muito a saia, vão de tênis e não usam o laço, os garotos muitas vezes vão de calça jeans (e obviamente são punidos por isso), não usam a gravata ou deixam ela alargada, e também vão de tênis.
Enfim, não posso julgá-los, cada um com seu gosto. Eu adorava aquelas roupas então cumpria fielmente o código de vestimenta, só ficava triste de não poder usar minhas maquiagens, acessórios, e minha peruca, mas vida que segue.
Flávia, a minha motorista pra ir para a escola já estava na frente de casa me esperando. Já pronta, desci as escadas, beijei minha mãe que se aprontava para o trabalho, e fui até o carro.
–Bom dia, Fla.
–Bom dia, Patizinha. Finalmente decidiu ir a escola, então? –Ela começou a dirigir.
–É... sabe como é, a escola é chata. Às vezes não posso me conter e falto.
–Eu já tive sua idade, sei bem como é. –Rimos juntas.
Cheguei na escola, entrei, e, enquanto andava pelos corredores procurando pela folha de horários de aula que ficava sempre na parede, eu passei por duas amigas, mesmo não querendo, pude ouvir a conversa delas.
–A Melissa, do primeiro ano. Você viu?
–Melissa? Eu pensei que fosse um menino. Talvez eu seja bi. –As duas começaram a rir juntas.
Tá, será que ia acontecer essa coincidência tão clichê? O que é isso, minha vida, ou uma série? Aconteceu. E lá estava ela, a gatona que agora tinha nome, Melissa, passando por mim. Apesar de andar sem amigos, ela tinha várias garotas seguindo-a discretamente, e meninos que a olhavam torto.
N-e-m f-u-d-e-n-d-o. Deus, por favor, que ela não me reconheça, me diga que eu estou muito diferente do meu eu montado. Ela parou de andar perto de mim, me olhou de cima abaixo, comecei a tremer como se estivesse gelando.
–A bonequinha de ontem. –Ela disse, olhando pra mim enquanto sorria.
PUTA MERDA.
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O Mel Que Me Adoça
RomanceOi, pessoal. Tudo bem? Cá está vossa autora, já escrevi muitos contos e histórias desde a infância, cheguei a postar alguns, mas apaguei-os da história da internet. -E me arrependo, bastante. Esse livro conta a história de Patrícia Mancini: uma g...