One-shot

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Irene estava em pé, encostada na mesa de canto da sala, com a cabeça apoiada em uma das mãos, enquanto a outra segurava um copo com água. Tinha discutido com Antônio pela manhã por causa da sucessão, depois o marido tinha discutido com Petra na mesa do almoço, tudo isso somado aos outros problemas que já tinha, haviam resultado na extrema dor de cabeça que estava agora.
Colocando o copo sobre a mesa, ela se sentava no sofá, apoiando a cabeça no estofado e fechando os olhos, só precisava de cinco minutos em paz e em silêncio para que o remédio fizesse efeito.
Mas nem sempre o que precisamos é o que temos, poucos segundos depois, ouviu a voz do marido gritando seu nome e murmurou um "tô aqui". Soltando um suspiro baixo, ela se levantou, esperando o homem entrar no recinto.
- O que você está fazendo aqui? - ele atravessou a porta já a questionando.
- Nada - ela forçou um sorriso para aparentar estar bem.
- Sua filha não sabe fazer outra coisa a não ser se entupir de remédios.
Essa conversa de novo.
- Eu já lhe disse que Luigi a está ajudando quanto a isso, logo logo Petra será a mesma de antes - ela se sentou e ele se dirigiu até a estante pegando um vidro de Whisky e servindo uma dose.
- Caio não tem esses problemas - ele comentou enquanto se dirigia para sentar-se no sofá.
- Ah, claro - ela bufou. - O Caio, o filho perfeito, o filho que não tem nenhum problema, nenhum erro, não tem nem mãe, inclusive - ela falou baixo a última parte, mas o homem conseguiu ouvir e se levantou com raiva.
- Não ouse falar da Agatha! - ele gritou apontando o indicador na cara da esposa que se levantou bruscamente fazendo a dor em sua cabeça ficar mais forte, mas não fraquejou, jamais fraquejaria na frente dele.
- Não se pode tocar no nome dela que você já fica assim. Mas e eu Antônio? - ela apontou seu indicador para si própria. - E eu? - ela praticamente gritou fazendo o incomodo cerebral se tornar ainda mais forte.
- Irene... - ele tentou começar a falar, mas ela o impediu.
- Não! Agora você vai me escutar - ele ficou quieto. - Eu que sempre estive ao seu lado, que criei os nossos filhos, que te ajudei quando você mais precisou, que cuidei de você, dediquei a minha vida a essa família e para quê hein? Para quê? Para você defender ela com unhas e dentes - o tom de sua voz se alterava cada vez mais. - E eu? - uma lágrima quente escorreu por seu rosto. - Eu que sou sua esposa, eu que estou viva - ela fungou. - Inclusive, acho que esse é o problema, talvez você me desse mais valor, tal...- ela fez uma pausa quando sua cabeça pulsou e suas pernas ficaram bambas forçando-a a se apoiar na mesa atrás de si, o que não passou despercebido pelo homem, fazendo-o enrugar a testa. - Talvez você me amasse se eu fosse como ela, ou melhor, se eu estivesse como ela, morta.
Ela deu um passo para frente, queria ir para o seu quarto mas não tinha confiança em suas próprias pernas, estava tremendo e sua visão estava embaçada por causa da dor que com a discussão havia aumentado gradativamente.
- Irene... - ele tentou novamente chegando um pouco mais perto.
- Por que não vai visitar o tumulo dela e me deixa em paz, é só isso que sabe fazer mesmo - praticamente cuspiu as palavras.
O homem apertou o copo entre as mãos com força fazendo os nós dos dedos ficarem brancos e alterou a voz novamente.
- Eu já disse que não admi... - Irene tentou dar mais um passo, mas a voz de Antônio ficou longe e abafada, seus músculos ficaram relaxados, não conseguia respirar direito e então tudo ficou turvo e escuro, a última coisa que sentiu foi as mãos do marido em suas costas.
Vendo a esposa ficar cada vez mais pálida e consequentemente perder os sentidos, o fazendeiro simplesmente largou o copo que se espatifou no chão e correu ao encontro da mulher, colocando uma mão em suas costas e a outra na cabeça, impedindo que batesse com a mesma na quina da mesa. Sem conseguir se equilibrar com o susto, ele caiu de joelhos com a mulher em seus braços.
- Irene - ele deu fracas batidas em seu rosto, na tentativa de fazê-la voltar. - Pare já de graça - ele falou bravo, mas a mulher não teve nenhuma reação. - Irene - ele voltou a dar batidinhas em seu rosto, a voz agora tomada pela preocupação. - Angelina! Venha já aqui - ele gritou.
Se posicionando melhor, ele colocou uma das mãos na costa da esposa e a outra na dobra de seus joelhos, se levantando, ele pegou a mulher no colo e a colocou deitada no sofá, sentando-se ao seu lado.
A governanta entrou correndo.
- Chamou seu Antônio? Ah meu Deus - ela olhou para onde a fazendeira estava e colocou as mão sobre a boca. - O que aconteceu?
- Eu não sei. Ela simplesmente caiu desacordada. Vá buscar algo, ande - a mulher correu novamente para fora do recinto.
Olhando a esposa de forma mais atenta, ele retirou uma mecha do cabelo que estava em seu rosto, estava pálida, mas continuava linda como sempre fora, a esposa era difícil mas jamais poderia negar que tinha uma beleza invejável.
Esse tipo de situação já tinha acontecido uma vez, há muito tempo, quando ela ainda tinha outra vida, o motivo foi o mesmo, uma briga entre os dois. É, o tempo passou, mas as reações dele continuavam as mesmas, medo, pavor dela não acordar mais, jamais admitiria, mas a amava, sempre a amou.
Seus pensamentos foram interrompidos quando Angelina entrou novamente na sala, segurando uma bacia com água e um pano. A mulher apoiou a bacia perto do sofá e pegou o pano para passar sobre o rosto da mulher, mas o fazendeiro tirou o pano de suas mãos e começou a realizar a ação ele mesmo.
A governanta então se retirou novamente para buscar uma vassoura e uma pá com o objetivo de limpar os cacos de vidro do copo do chão.
Enquanto passava o pano molhado sobre o rosto da mulher e a abanava ao mesmo tempo, Antônio admirava cada traço, já havia anos que não fazia isso e talvez precisasse de sustos como esse para lembrá-lo de como esses pequenos detalhes são importantes, de como ela é importante.
Algum tempo depois a mulher começou a voltar a si, com a visão ainda embaçada, ela colocou a mão sobre a testa tentando entender o que havia acontecido.
- A bela adormecida acordou - ele comentou sarcástico enquanto colocava o pano de volta na bacia.
- O que aconteceu? - ela questionou.
- Você desmaiou.
- Ah, sim.
- Quer me contar o motivo? - ele indagou.
- Não foi nada - suas mãos agora cobrindo os olhos.
Antônio se levantou do sofá, indo até a mesa, ele pegou o frasco de comprimidos que estava ao lado do copo com água que ela havia deixado mais cedo.
- Estava com aquela sua dor de cabeça de novo, não estava? - ele chacoalhou o frasco fazendo a mulher olhar pra ele. - Por que não me contou?
- Adiantaria alguma coisa? - ela se sentou no sofá. - Não finja que se importa com alguma dor que tenho - ela não falava só da física, e ele percebeu isso.
A mulher levantou-se se apoiando no braço do sofá.
- Aonde pensa que vai?
- Estou bem
- Não, não está - o homem deixou o frasco novamente sobre a mesa indo ao encontro da esposa. - Vamos subir e você vai se deitar um pouco enquanto peço para Angelina fazer algo para comer - estendeu sua mão para a fazendeira que o olhou meio ressabiada, não estava acostumada com essa versão do homem, mas acabou por aceitar. O homem encaixou a outra mão em sua cintura e foram dessa forma até o quarto.
Chegando lá , a mulher se sentou sobre a cama e homem fez o mesmo.
- Por que? - ela o indagou com a testa franzida.
- O que? - ele não entendeu a pergunta.
- Por que está sendo tão cuidadoso comigo?
- Você simplesmente ficou inerte nos meus braços, tem ideia de como me assustou? De como todas as coisas que vivemos passaram pela minha cabeça como um filme? De como eu não consegui imaginar a minha vida sem você? Sem o seu cheiro, seu jeito mandão, seus sapatos caros, seu abraço, seu apoio, suas roupas chiques, seu colo, sua boca, sem você - nesse momento a mulher já tinha o rosto banhado por lágrimas. - Sei que sou frio, sou bruto, que não demonstro isso, mas eu te amo Irene, como minha amiga, como minha parceira, como minha namorada, mas principalmente, como minha esposa - o homem foi calado quando a mulher se jogou em seus braços, puxando sua nuca e colando suas bocas em um beijo profundo.
- Eu também te amo Antônio - ela interrompeu o beijo pela falta de ar.
O homem sorriu pra ela e a mulher fez o mesmo.
- Você continua maravilhosa, sua boca então, não preciso nem dizer - ele sussurrou em seu ouvido, seguido de um beijo em seu pescoço.
Ela se arrepiou quando a barba do homem fez cócegas naquela região, então o puxou para cima de novo, lhe dando outro beijo, dessa vez mais intenso. O homem sabia onde aquilo iria acabar, exatamente no lugar que estavam sentados agora, mas ela tinha acabado de passar por um episódio de desmaio e ele, com certeza, não queria que outro ocorresse.
- Vamos continuar isso depois - dessa vez, ele interrompeu o beijo, fazendo a mulher o olhar com uma das sombrancelhas arqueada. - Agora, você precisa descansar e se alimentar.
- Ei! Eu estou ótima - ela afirmou cruzando os braços.
- Sei - ele riu. - Vou trazer algo para comer, espere aqui - ele lhe deu um selinho e saiu do quarto.
Pela primeira vez a mulher estava feliz, não pela sucessão ou qualquer coisa relacionada, mas por que seu casamento não estava acabado, o homem que amava também a amava É, talvez nem tudo estivesse perdido.

Do I still mess with your heart?Onde histórias criam vida. Descubra agora