capítulo 2

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                  MELINDA OLIVEIRA
                  
                     DIA SEGUINTE

Acordo às 6 da manhã em ponto, visto um dos meus vários vestidos, e dessa vez meu cabelo está em um coque baixo. Depois de pronta, desço as escadas seguindo direto para a cozinha.
— Bom dia, Melinda. O café da manhã está quase pronto. Se puder, me ajudar com as frutas, agradeço. — diz Dona Rosa.
— Claro, Dona Rosa. — respondo. Lavo minhas mãos e começo a cortar todas as frutas e coloco em travessas. Depois, ajudo com os pães e os acompanhamentos. Quando está tudo pronto, colocamos a mesa. Só então me permito respirar, está saindo tudo como esperado.
Às 7h30 em ponto, todos descem e eu fico a postos como meu marido espera de mim. Meus pais sentam-se à mesa, eu espero meu marido se sentar e só então me junto a eles.
Eles conversam entre si, e eu fico quieta. Não quero receber reprimenda de meus pais e nem do meu marido. O café saiu perfeito e sem desastres. Pontos para mim.
Observo todos se retirando da mesa, mas meu marido fica. Então, espero que ele se retire para só então me levantar.
— Posso me levantar, Ricardo?
— Está com pressa, esposa? — O olhar que ele dirige a mim me faz sentir calafrios.
— Não, meu amor. Só preciso cuidar dos afazeres da casa. — tento soar convincente.
— Você precisa caprichar mais na hora de passar minhas camisas sociais. Percebi que algumas estão amarrotadas. Fica sendo sua prioridade hoje conferir todas elas.
— Sim, meu amor.
— E cuidado com sua irmã e essa sua tia. Não vou com a cara delas. — ele diz. Fico em silêncio, ele limpa a boca com o guardanapo, e eu continuo com a cabeça baixa.
— Você está horrorosa com esse vestido. Dê um jeito de trocá-lo. — ele diz, e com essas palavras, ele se levanta da mesa, me deixando sem reação. Olho para meu vestido e fico chateada, pois foi ele mesmo que o comprou para mim.
Minha irmã Mia e minha tia Carla chegaram quase na hora do almoço e, graças a Deus, meu marido não estava presente. Assim, pude abraçá-las e chorar junto a elas.
— Oh, minha irmã está tão ruim assim? — Mia perguntou, e eu chorei ainda mais, derramando lágrimas infinitas ali, abraçada a ela, chorando toda a dor, todo o desespero e medo que passei durante todo esse tempo sozinha.
— Vamos para um lugar seguro, menina. Se Ricardo a pegar nesse estado, nem sei o que será de você. — minha tia Carla disse, e subimos as escadas. Quando entramos no quarto em que Mia iria ficar, tia Carla me abraçou forte.
— Oh, meu anjinho, o que fizeram com você? — Não consegui responder, não quando tinha uma bola presa em minha garganta. Sentei-me agarrada a minha tia, e minha irmã me abraçou por trás. Foi tão bom finalmente ter o consolo de alguém, saber que não estava sozinha, que não estava enlouquecendo.
— Isso vai passar, minha linda. Você ainda vai sair dessa vida. — Disse minha tia, passando as mãos por meus cabelos.
— Vai sim, tia Carla. Vamos tirá-la daqui de alguma forma. — falou minha irmã Mia. Mia é mais velha que eu, tem 25 anos, é casada com um empresário e, diferente de mim, deu certo com ele. Ele a trata como uma princesa.
Quando me acalmei e me senti mais confortada, olhei para elas, pegando em suas mãos.
— Muito obrigada por sempre estarem ao meu lado. Não sei o que seria de mim sem vocês.
— Nunca vamos te abandonar, criança. — falou tia Carla, limpando meu rosto e beijando minha testa.
— Jamais, Melinda. Estaremos unidas para sempre. — Agradeci a Deus por estar com elas agora, para recuperar um pouco da minha sanidade.
— Tenho planos de tirar você um pouco dessa prisão, querida. Não será por muito tempo, mas pelo menos vamos nos divertir um pouco. — falou tia Carla.
— Como você vai fazer isso, tia? — perguntei, curiosa.
— Meu marido está falando com o seu sobre um possível cliente em uma cidade vizinha. Digamos que eles vão fazer uma viagem de algumas horas. E isso dá tempo suficiente para você viver um pouco.
— Não sei, tia. Se Ricardo sonhar em descobrir, posso ser punida. — falei, levantando-me e indo até a janela. Não sabia se suportaria uma punição.
— Ele não vai, Melinda. Meu marido vai me avisar quando estiverem chegando.
— Vamos, Linda. Será bom para você. — falou minha irmã.
— Tudo bem, vamos quando?
— Meu marido deve estar falando com o seu nesse momento — disse Carla, olhando o celular e dando um sorriso radiante.
— Pronto, Linda. Eles estão saindo agora para lá. — falou minha tia guardando o celular.
— Vamos nos apressar e sair agora mesmo. — minha irmã sorriu abertamente.
— Anda Linda, eles já estão a caminho, não temos muito tempo.
— E meus pais, tia Carla?
— Eles estão com uns amigos na casa de Joana. — diz minha tia, entediada. Tia Carla é a irmã mais nova da minha mãe. Ela tem 37 anos, é sem filhos e bem resolvida. Eu queria ser assim também. Minha mãe Cassia tem 45 anos e meu pai José Luiz tem 55 anos.
Eu apenas coloquei um vestido mais justo e minha irmã me ofereceu um pouco de batom. Saímos, seja o que Deus quiser.

Parece até um sonho, eu saindo sem o olhar julgador de Ricardo, após sei lá quantos dias.
— Você sai uma vez por mês, né Linda?
— Sim, Mia, só para ir ao mercado. Às vezes, posso ir duas vezes no mês e resolver as coisas. Em 2 horas, tenho que estar em casa. — digo enquanto tia Carla dá a partida no carro, e saímos. Eu abro a janela do carro e olho para fora, respirando o ar puro, me sentindo livre. Uma felicidade me invade, uma felicidade que me abandonou há algum tempo. Chego a sorrir sozinha.
Minha irmã veio no banco de trás comigo e sorri para mim, encostando sua cabeça na minha, e ficamos ali em um silêncio confortável até chegarmos à cidade.
Minha tia maluca nos levou ao shopping. E andamos por várias lojas de roupa. A cidade Diamante Negro fica a uns 40 minutos da fazenda Miragem.
— Está se divertindo, Linda? — minha tia me pergunta, e olho para ela com um sorriso radiante.
— Muito, tia, mais do que poderia imaginar — falo e não percebo que tinha alguém vindo em minha direção. Quando noto, já é tarde demais, e trombo com um homem de corpo firme, que estava ao telefone. Vendo que eu ia cair, ele me segura pelos braços. Eu perco o ar quando olho para seu rosto. Ele é um homem muito bonito, magro mas forte e cheiroso, muito cheiroso. E quando ele fala, sinto meu corpo se arrepiar só pelo som de sua voz.
— Tudo bem, moça? Eu te machuquei? — ele pergunta olhando dentro dos meus olhos. Eu me recomponho e solto sua camisa, que nem percebi que estava segurando. Assim que estou firme sobre meus pés, e imagino que com rubor nas bochechas, falo:
— Sim, obrigado... — digo olhando para o chão. Ele faz algo que não previ que faria, ele toca meu queixo, fazendo-me olhar para seu rosto bonito. Ele tem uma barba aparada e cabelos um pouco longos jogados para o lado. Seus olhos são quase verdes e os mais brilhantes que já vi.
— Tem certeza? — Ele me pergunta. Envergonhada, confirmo com a cabeça. Minha tia e irmã ficam paradas lá, igual bobas, não fazendo nada, apenas observando.
— Sim, obrigada... — saio do seu toque suave e me afasto dele, mantendo distância. Se Ricardo pelo menos sonhasse que um homem me tocou, ele me mataria.
— Certo, mais uma vez, desculpe-me e com licença. — E assim ele se vai, e eu fico ali parada, observando-o se afastar. Não sei por que faço isso, sou uma mulher casada, e com esse pensamento me recomponho. Mesmo que inconscientemente, continuo pensando nesse breve encontro durante todo o passeio, e até na volta para casa. Onde o pior me esperaria.
Quando chego em casa, meu marido chega junto conosco e quase me pega descendo do carro. Imaginem como fiquei agitada. O marido de Carla, Jorge, me ajudou, criando uma cena em busca do seu celular. Entrei correndo para dentro e guardei minha bolsa. Fui tão feliz hoje, suspirei de contentamento.
Segui diretamente para a cozinha, e Dona Rosa viu minha felicidade, apenas apertou minhas mãos em cumplicidade. Meus pais chegaram na hora do jantar, e tudo ocorreu bem, sem grandes dramas.
Enquanto me arrumava para deitar, vejo meu marido na porta do meu quarto.
— Estou sentindo que você está sorrindo um pouco demais, Melinda. — Ele declara com uma falsa calma alarmante. Um arrepio de medo percorre meu corpo, fazendo-me ficar rígida.
— E por que eu não poderia estar feliz ao estar com minha família, amor? — Tento soar calma. Ele entra no meu quarto e acaricia meus cabelos, que estavam trançados, pois os uso assim para dormir. Eu estava vestindo uma camisola longa com mangas. O toque é singelo, quase gentil, chegando a me deixar contente.
Meu marido estava de terno, sem o paletó, mas ainda assim muito bonito.
Eu me viro para encará-lo, com medo do que ele poderia fazer.
— Espero que seja por isso mesmo. Se eu sequer suspeitar que você está me desafiando, as consequências serão amargas para você, querida esposa. — Eu baixo a cabeça, olhando para meus pés, e ele permanece parado em minha frente por algum tempo antes de sair.
Somente assim eu solto a respiração que nem percebia que estava segurando.
Corro em direção à porta, a encosto e me deito na cama. Ele nunca me toca, nunca me beija. Há tanto tempo não sei o que é um carinho. Vou dormir com esse pensamento.

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