1- O sequestro

829 53 12
                                    

  Descendo as escadas com a bolsa no antebraço, Irene chegava até a sala.
  - Vou ao salão, mas volto para almoçar - ela comunicou ao marido e os filhos que se encontravam sentados no sofá, e colocando os óculos escuros saiu pela porta, se dirigindo até o carro. 
  Ouvindo uma música e cantando junto, ela admirava a paisagem, mas ao fazer a curva, estranhou ao perceber que a estrada estava com placa de interditada.
  - Mas não é possível que justo essa estrada esteja... Ah - ela bufou descontente, teria que pegar o caminho mais longo.
  Enquanto dava meia volta, ela pensava no caminho que teria que fazer, era certamente mais comprido e deserto, mas tinha horário marcado e não gostava de se atrasar, por mais que as manicures não ousassem reclamar já que ela era Irene La Selva.
  Chegando a estrada que teria que pegar, ela simplesmente pisou fundo sem se importar com o que estava na frente ou não, a paisagem agora era mais escura devido as árvores que fechavam a estrada dos dois lados formando uma espécie de "túnel natural".
  Não andou mais do que setecentos metros até ouvir um barulho alto e sentir o carro abaixar aos poucos, colocou o braço sobre o volante e apoiou a cabeça bufando pela segunda vez naquele dia. Desceu do carro pisando duro e ao olhar percebeu os dois pneus da frente furados.
  - EU NÃO ACREDITO. O UNIVERSO DEVE ESTAR CONTRA MIM HOJE, POR QUE NÃO É POSSÍVEL - ela chutou o pneu murcho e reclamou de dor instantaneamente.
  Tentou ligar para alguém mas ali não tinha sinal, então ouviu alguns passos e um homem que não conhecia surgiu, deveria ser mais um dos piãos.
  - Boa tarde, dona Irene - ele a cumprimento com um aperto de mãos, a conhecia então certamente era um dos trabalhadores - A senhora precisa de ajuda?
  - O pneu do meu carro furou, será que poderia trocar pra mim? - ela perguntou.
  - Mas é claro.
  Ele se dirigiu até a parte de trás do carro para pegar as ferramentas e o estepe e logo começou o trabalho.
  - Mas o que a senhora fazia aqui nessa estrada, sozinha, é perigoso uma mulher tão linda quanto a senhora nessa situação, não acha? - o homem lhe deu um sorriso nojento.
  A fazendeira simplesmente ignorou, estava acostumada a receber cantadas de homens como aquele, e então se afastou.
  Estava de costas enquanto girava a aliança no dedo, mania que tinha quando estava nervosa ou ansiosa, e quando se virou novamente para ver o carro, deu de cara com o estranho homem.
  - Ah meu Deus - ela se assustou, fazendo a aliança cair - Já terminou? - ele confirmou  e ela se curvou para pegar o objeto mas o homem a impediu colocando suas mãos em seus braços, mantendo-a de pé.
  - A senhora está linda com essa roupa, sabia? - ela não respondeu, estava incomodada e assustada com a situação. - Não quer vir comigo para um lugar mais reservado? - ele sussurrou a última palavra, enquanto levava a mão até a cintura da mulher que estremeceu.
  - Não! Não quero - ela o respondeu. - E me largue, se não eu vou gritar - ela tentou se soltar, mas ele a segurou mais forte. - Você sabe com quem está mexendo? Eu sou Irene La Selva.
  - Mulheres gostam de tornar as coisas difíceis, teria sido muito mais fácil se tivesse me acompanhado por livre e espontânea vontade.
  - Me solta! Me solta!- ela gritou se debatendo e o homem a virou de costas. - Eu vou... - não terminou a frase, perdeu os sentidos quando outro homem apareceu e colocou um pano branco com clorofórmio em seu nariz.
  - Tu fica muito mais bonita assim, caladinha - o homem que havia trocado os pneus falou enquanto pegava a mulher no colo.
  - Agora entendi por que o patrão quer tanto ela, é realmente linda - o outro comentou.
  Se dirigiram até o carro da mulher e deitaram-na no banco de trás, o homem que estava com o pano ligou o automóvel e assumindo o volante partiram ao encontro do chefe.
  Enquanto isso, na casa dos La Selva, o almoço já estava servido e Antônio, Daniel e Petra estavam sentados a mesa, Caio estava em outra cidade e por isso não compareceu ao almoço.
  - Irene ainda não voltou? - Antônio perguntou.
  - Pelo visto não - Daniel respondeu.
  - Angelina - o patriarca chamou a governanta que logo apareceu ao lado do patrão. - Minha mulher está no quarto?
  - Não senhor, dona Irene ainda não chegou - a mulher respondeu balançando a cabeça negativamente.
  O homem se irritou, seus hábitos conservadores falavam mais alto, não gostava que a família almoçasse separada e já não bastava Caio ausente, agora ela também não estava ali.
  A sobremesa estava divina, uma torta de limão de causar inveja, mas Antônio mal conseguiu aproveitar o doce ao se lembrar que era o favorito da esposa, ela sempre gostou de coisas ácidas, azedas. Levando mais uma colherada do doce a boca, ele focava no fato de que a mulher ainda não tinha voltado, isso era estranho, ela nunca se atrasava e muito menos almoçava fora, normalmente quando o fazia avisava pelo menos um da casa.
  - Chega - ele colocou a colher de volta no prato com doce. - Daniel ligue para Graça e verifique se Irene está com ela, já fazem três horas que ela saiu.
  Daniel fez o que o pai pediu e ligou para a noiva, enquanto Petra tentava ligar para a mãe.
  - Graça disse que não a viu hoje - o filho respondeu ao desligar o celular.
  - A mãe não atende. Tentei ligar pra ela várias vezes e só deu caixa postal - a caçula comentou com o coração já acelerado. - Vou ligar no salão, pode ser que o telefone dela só tenha descarregado mesmo.
  - Liga e coloca no viva voz - o pai mandou.
  A menina discou o número e logo começou a chamar, um, dois, três toques e uma moça atendeu.
  - Alô?
  - Olá, meu nome é Petra La Selva.
  - Ah sim, filha da dona Irene, em que posso ajudá-la?
  - Eu queria falar com a minha mãe, ela está aí?
  - Não está não, sua mãe tinha horário marcado conosco hoje, mas não compareceu.
  As palavras da mulher ressoaram na cabeça do homem, se repetindo em um loop sem fim fazendo-o se levantar bruscamente da mesa atordoado e se dirigir até a sala, na sua mente se repetia a mesma pergunta "Aonde é que ela estava?"
  - Obrigada - a menina agradeceu.- Tchau - desligou sem nem ouvir a resposta da moça e foi atrás do pai, junto com o irmão.
  Encontraram o mais velho na sala andando de um lado para o outro.
  - Pai? - o advogado levou a mão ao seu ombro.
  - Isso pode acabar com a imagem da família. "Antônio La Selva não consegue nem manter a esposa dentro de casa" já consigo até ver os jornais. Vocês tem noção disso? - o fazendeiro os questionou.
  - Pai - o filho falou em um tom bravo, retirando a mão do ombro. - É só nisso que sabe pensar? Na imagem da família? Não é isso que importa agora! A mamãe pode estar correndo perigo, consegue pensar nela pelo menos por um, somente UM minuto?
  - Acredite pai, a manchete "A matriarca dos La Selva é encontrada morta" pode ser bem pior - a agrônoma comentou com o coração apertado.
  - Angelina! - o fazendeiro chamou a governanta que saiu correndo da cozinha para lhe atender. - Chame Ramiro, agora. - ele ordenou.
  - Sim, patrão - e saiu em busca do homem.
  O dono das terras se sentou no sofá, as palavras dos filhos em sua cabeça, não tinha parado de pensar nela desde que achou estranho sua ausência e não queria nem pensar na possibilidade de que ela estivesse em perigo, não aguentaria perder mais uma esposa, não aguentaria perder ela.
  - Patrão - Ramiro chegou, ficando de frente para Antônio que se levantou do sofá.
  - Ramiro, minha esposa sumiu - o trabalhador abriu a boca em expressão de espanto.- Reúna alguns homens, vasculhem essas terras, olhem cada grão de terra, cada pedra fora do lugar e só volte quando acharem-na. Estamos entendidos?
  - Sim, senhor - o homem fez um gesto de continência, imitando um soldado, e saiu.
  Antônio se sentou no sofá onde estavam os filhos.
  - Ela vai voltar - Petra segurou uma mão do pai.
  - É, vamos acha-la - Daniel segurou a outra mão.
  O pai balançou a cabeça em forma de afirmação, precisava dar suporte para seus filhos naquele momento, sabia que eles estavam aflitos por mais que tentassem não demonstrassem. E segurando a mão dos dois, ele se apegou as palavras ditas por eles alguns segundos antes, iriam acha-la, precisavam acha-la.
  Há mais ou menos trinta e cinco quilômetros dali, Irene estava sentada em um banco, com as mãos amarradas e a boca tapada com uma fita, a última coisa que se lembrava era de ver um homem mascarado e algo arder em seu nariz, depois tinha acordado ali, com uma tremenda dor de cabeça. Não tinha nem ideia de onde estava, tentou reconhecer o lugar mas não conseguiu, era todo de madeira e a luz do sol passava por entre as frestas, deixando o espaço levemente iluminado. Não sabia precisar a quanto tempo estava ali, mas sabia que pouco não era, provavelmente já tinham sentido sua falta e alguém estava lhe procurando. Tudo bem, não era tão importante para Antônio, mas ele a tiraria dali não é? É, sinceramente, não tinha tanta certeza disso, mas preferiu acreditar que sim. Tentou soltar suas mãos da corda que as amarravam, mas sem sucesso, também não podia gritar, não podia fazer nada.
  Nunca tinha parado para imaginar sua morte, mas também não achava que seria assim. Na verdade não podia morrer, tinha dois filhos que dependiam de si e um marido que certamente acabaria com a família com seus planos infalíveis, é, definitivamente não podia morrer.
  Seus pensamentos foram interrompidos por passos que vinham se aproximando de forma lenta, escutou um pequeno barulho e imediatamente uma luz se acendeu, revelando perfeitamente o homem a sua frente, ele deveria ter praticamente a idade de seu marido, seu cabelo era grisalho, sua pele branca, era magro e trajava um paletó, ele se dirigiu até ela retirando a fita da sua boca, fazendo o local arder.
  - Irene, não é? - a voz masculina chegou aos seus ouvidos.
  - Quem é você? - ela o questionou semicerrando os olhos.
  - Ah, eu? - ele puxou uma cadeira, sentando de frente para a mulher. -   Que falta de educação a minha em não me apresentar, meu nome é Pedro Savon, muito prazer em conhecê-la.
  - Não posso dizer o mesmo - ela falou com uma cara irônica.
  - Antônio nunca falou de mim?
  - Deveria?
  - Claro, somos praticamente irmãos - ele sorriu.
  - Normalmente, irmãos não sequestram as esposas dos outros - a voz feminina era sarcástica e o homem simplesmente ignorou o comentário.
  - Você o conhecem bem, não é? - ela afirmou com a cabeça - Não acha que ele vai ficar feliz em me ver?
  - Igual uma barata quando vê inseticida - ela o respondeu.
  - Você tem uma língua afiada - ele se levantou, ficando a frente da fazendeira. - Deveria usá-la para outras coisas.
  - A língua é minha e eu uso ela para o que eu bem entender.
  - Gosta de me desafiar, não é? - ele riu de forma maléfica. - Vamos ver se vai gostar depois que eu fizer isso.
Após a fala do homem, Irene sentiu o lado direito de seu rosto arder e sua cabeça ir para o lado com a força do tapa.
  - Quem você pensa que é para bater em mim? - ela o questionou indignada.
  - Quem eu sou? - ele apontou para si mesmo. - Eu sou o homem que vai destruir Antônio La Selva, e sabe como eu vou fazer isso? - ela não respondeu. - Fazendo-o se sentir impotente, impotente por não ter conseguido proteger a própria mulher.
  O homem deu alguns passos, olhando pra cima com a mão no próprio queixo, como se estivesse pensando em algo.
  - Tem um jogo que eu gosto bastante - ele se aproximou novamente dela - Se chama roleta russa - ele tirou a arma da cintura - E eu estou muito afim de jogar com você - ele olhou para ela sorrindo.
  Irene sentiu o corpo todo estremecer e fechou os olhos com força quando sentiu a ponta da arma em sua cabeça.
  - Vamos começar, 1...2...3... - ele apertou o gatilho sorrindo, mas nenhuma bala saiu da arma, fazendo a mulher suspirar aliviada. - Ah, não foi dessa vez - ele guardou a arma novamente. - A próxima rodada será daqui quinze minutos. Quero prolongar o seu sofrimento ao máximo, e depois ter o prazer de contar detalhe por detalhe ao seu marido - ele saiu andando. - Até logo, querida - Pedro apagou a luz e saiu do ambiente deixando a mulher sozinha novamente.
  Irene encostou a cabeça na coluna de madeira atrás de si, seu coração estava acelerado, sua respiração entrecortada e o corpo inteiro trêmulo, ela estava em pânico.
  - Cadê você, Antônio? - ela murmurou baixo de olhos fechados, enquanto uma lágrima quente escorria por seu rosto. - Por favor - ela implorou, implorou para que ele viesse em seu socorro uma vez, uma única vez.

Can you still protect me?Onde histórias criam vida. Descubra agora