27 de Abril de 1994
Estou na estação da luz esperando meu trem para ir para casa.
Hoje o dia foi bom mas estressante, as meninas do meu trabalho são legais e gentis, meu chefe é um moço educado, mas os clientes dele são osso duro de roer.
Xingaram meu chefe, me xingaram das piores coisas possíveis mas fui forte e segurei meu temperamento explosivo, eu recebo dinheiro para isso (e que dinheiro!) Então é necessário fazer um esforço tremendo para ter paciência.
Aqui já são 16h30 e meu trem chegou, está lotado, mas, consegui um lugar no último vagão, é, nem sempre se pode ter tanta sorte na vida.
A coisa que mais anseio agora é chegar em casa! Não vejo a hora de abraçar meus meninos!
Ah! Esqueci de dizer! Estou juntando dinheiro para fazer a minha faculdade de pedagogia, peguei uma parte razoável do meu salário e todos os meses vou juntando o que posso, ou talvez eu faça um vestibular, mas como vou ter tempo para estudar?
Inclusive depois do dia da mesquita acabei esquecendo de dizer, o nome de nossa vizinha é Dunya. (Nossa que curiosidade interessante)
Por mais que criemos uma amizade, tem coisas que não vou poder logo de início para ela, porque acho que a aproximação dela ainda é muito precoce.
Sobre meu sonho de ser pedagoga só irei contar para ela e para a Martha quando eu me formar, do jeito que a Dunya aparenta ser ela vai querer pagar minhas despesas custos e tudo mais e a Martha, bom, iria torrar minha paciência perguntando do porquê quis ser professora.
Voltando à Dunya.
Ontem foi o primeiro dia dela cuidando dos meninos e eles voltaram para casa extremamente felizes, inclusive Theo me contou que ela está ensinando a religião dela para eles. Breno chegou ontem em casa com os bolsos cheios de bolacha e com a boca cheia, eu o repreendi e falei:
-Que coisa feia, menino! Você mal aguenta comer tudo isso!
Ele falou (cuspiu) que foi Dunya quem havia dado as bolachas, achei cômico e mandei ele guardar as bolachas no pote.
Meu coração se acalmou um pouco mais quando soube que Dunya entendia as necessidades do Theo e fez uns jogos diferentes com eles para passar o tempo estou extremamente feliz, sinto que eles estão em boas mãos, claro que as pessoas estranharam quando contei isso no trabalho.
Teve perguntas do tipo: "Mas ela toma banho de véu?", "Mas você não tem medo de ela roubar seus filhos e levar eles para morar lá?".
Confesso que estou me segurando para não rir aqui dentro do vagão. São perguntas tão bobas que é impossível não rir, não acho qhe precise ser um gênio para deduzir que mulheres como a Dunya, não tomam banho de roupa.
"Mulheres como a Dunya"... desde sexta feira passada venho pensando em uma coisa, será que um dia serei como a Dunya?
Ela é uma mulher de fé, otimista, alegre e sincera.
Seria um sonho, mas ir tão rápido assim pode ser arriscado. Aliás, como eu usaria o véu no trabalho? E se eu perder meu emprego? Será que iriam me atacar na rua? Eu sonho em fazer faculdade mas será que seria barrada por causa do véu?
A única resposta que tenho é: não sei.
Vou precisar guardar o caderno, aqui dentro mal tem espaço para escrever!
18h30.
Cheguei em casa às 17:45, mal cheguei em casa e já tirei a roupa naquela ansiedade pós trabalho. A parte que mais gosto quando chego é a de poder tirar o sutiã! Ah! A liberdade é uma maravilha!
Depois que cheguei,tomei um banho quente e demorado, aproveitei a oportunidade e lavei meu cabelo (que por sinal precisava de uma hidratação e uma definição nos cachos).
Em seguida às 18h00 fui buscar as crianças na casa da Dunya.
Fiquei surpresa ao descobrir que eles haviam tomado banho lá, aliás Dunya deu banho e jantar, sinceramente não esperava que ela fizesse isso.
Ainda bem que ela fez, estou morrendo de cansaço e tudo que quero é a minha cama quentinha.
Inclusive meu filho Theo compartilhou comigo um dos seus desenhos e fiquei surpresa quando vi. O desenho estava lindo mas me assustei quando vi uma coisa.
Perguntei para ele o que era aquilo que ele havia desenhado na minha cabeça e ele disse:
-Um "jab".
-Um o quê?
-Um "jab", igual o da tia Dunya.
Não questionei mais e apenas resolvi dar um beijo de boa noite nele e coloquei o desenho na geladeira.
Voltando ao assunto do trabalho, meu salário cai na sexta-feira e você não sabe o quanto estou ansiosa! O salário é alto e promissor!
Por isso, quero ir ao shooping com as crianças comprar roupas, material escolar, remédios e se bobear ainda vou conseguir comprar brinquedos novos e lanches (já separei a parte que vou pagar a faculdade, não se preocupe).
Você não faz idéia do quanto estou feliz, é gratificante poder escrever sobre um progresso que jamais imaginei ter!
Por mais que eu reclame do stress do trabalho (e olha que hoje é meu segundo dia), fico feliz de poder ganhar meu próprio salário e ser independente…isso me faz olhar para o passado e dizer "estou vencendo!".
O cansaço pode ser rotineiro e até pode ser intenso, mas a minha liberdade vale muito mais!
Vou precisar ir dormir, as crianças já estão na cama e eu estou usando a luz da escrivaninha, tenho medo de acordá-los.
Desejo á você uma boa noite.
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O diário de Debórah, da dor ao islam.
General FictionA história irá relatar o cotidiano de Debórah, uma mãe solo de 3 filhos em uma São Paulo dos anos 90. Após 7 anos vivendo em um relacionamento abusivo, ela decide recomeçar ao lado de seus 3 filhos pequenos , Theo, Breno e Miriam. No meio de sua jo...