XXVII

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Meus sentidos voltavam pouco a pouco, atingindo-me com dores parciais pelo corpo, que cresciam à medida que retornava ao mundo real. Cada mínimo membro pertencente a mim gritava de agonia, formigando como se estivesse anos empalhado na mesma posição, imóvel e intocável.

Apesar da dificuldade encontrada, forcei meus olhos a abrirem, dando de cara com a típica luz forte de dias ensolarados, por pouco não cegando-me. Apesar de machucado, nenhum som escapou de meus lábios quando tentei chamar por alguém, preso em dores internas e externas.

Passados alguns longos minutos, voltei a mim, reconhecendo o hospital que me encontrava, as paredes brancas me cercando. Os acontecimentos voltavam à minha cabeça de forma calma, como se nada alarmante tivesse ocorrido. Eu me lembrava de tudo, então: o psicólogo, Sonic, a rua, o carro, e enfim a sensação de cair em um infinito abismo de escuridão.

É verdade que, por muito tempo, eu lutei contra a morte, me segurando com os dedos para não desabar de uma vez e deixar o cansaço imenso me atingir. Meu ser não seria capaz de abandonar quem amava. Após tantas dores na vida dele (ou deles?), seria injusto deixá-lo com menos uma pessoa.

Mirando os arredores com dificuldade, o pescoço travado, vi ao longe a silhueta de um ouriço, que não reconhecia pela visão embaçada. Provavelmente era Sonic, mas não conseguia clamar por ele.

Como se lesse minha mente, ele virou-se em minha direção, soltando uma exclamação alta ao ver-me desperto. Eu teria feito o mesmo som se pudesse falar, já que não era Sonic ali, e sim Silver, exasperado e choroso.

Sem demora, correu na direção da maca, atirando-se de joelhos ao meu lado, o rosto pingando lágrimas gordas. Ele chorava como nunca, engasgando entre palavras e soluços. Queria desesperadamente tocá-lo, tentar acalmá-lo de alguma forma, mas ainda estava enfraquecido, preso no mesmo lugar.

- Shadow, v-você... você acordou! - As poucas palavras que disse foram as únicas compreensíveis a mim, logo se transformando em coisas confusas mais uma vez. Finalmente, sua mão envolveu a minha, cuidadoso, temendo me machucar.

- Trouxe café! Você precisa beber alguma coisa pra não desidratar! - A porta foi aberta e de lá entrou Sonic, carregando dois copos de café nas mãos. Ele caminhava com os olhos nas bebidas, as colocando por cima de uma mesa mais ao canto do quarto. Nem pareceu notar o desespero do cinzento.

- A-amor - soluçou Silver mais uma vez, atraindo a atenção do azulado. - E-ele... acordou...

- "Amor"? - Ainda que fosse baixo como um murmúrio, minha voz ressoou no cômodo silencioso, indignado com a forma como Silver referiu-se a Sonic.

Enfim, as íris verdes encontraram as minhas, milhões de expressões perpassando-as instantaneamente.

- Não... Eu não acredito! - Ele foi outro que desabou ao meu lado, também chorando como um desesperado.

Não entendia nada daquilo. Como Silver estava ali? E por que tanto chororô?

- Chama a médica! - pede Silver, recebendo um aceno de cabeça do azul, que levantou cambaleante e abriu a porta, gritando algo do lado de fora. Como pedido, a médica e uma enfermeira adentraram o local, fazendo exames rápidos em mim.

- Isso é inacreditável - pronuncia Blaze.

Espera, Blaze?!

- Sim! Quer dizer, nós achamos que ele ia morrer! - Amy anuncia, recebendo um olhar zangado da gata. - Quê? É verdade! Ele já estava há três anos em coma! O que mais eu poderia achar?

- Três anos? - Os olhos de todos pousam em mim, tentando falar com a garganta arranhada e dolorida. - O acidente de carro foi ontem...

- Que acidente de carro? - Sonic pergunta do lado oposto do quarto, recebendo um dar de ombros de Silver.

Os Mil e Um Você (Volume 1)Onde histórias criam vida. Descubra agora