Prólogo

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As chuvas que antecedem o inverno sempre agradaram a Gael. As investidas cessavam no inverno, devido à neve que cobria as estradas e ao frio que castigava qualquer pobre alma que se aventurasse fora das muralhas do reino. Seu pai sempre voltava para casa no inverno. E as chuvas marcavam os dias para sua vinda.

As lembranças de sua infância, de quando os três, o pai, ele e a mãe, conversavam, brincavam e contavam histórias em frente a lareira, sempre vinham à sua mente naquele tempo. Poucas memórias conseguiam superar as alegrias da infância, e poucas podiam causar mais saudades que essas. Mas os tempos eram outros.

Agora ele já não era mais criança, era um soldado do exército de aço, a maior força militar já vista. O escudo que defendera o mundo, a lança do orgulho, não havia honra maior para um jovem. Isso foi o que ele ouvira durante todo o treinamento. Seu pai não costumava dar atenção aos contos exagerados nem alimentar nele sentimentos de vanglória por uma patente. "Entrei para o exército para defender os outros, Gael." dizia ele. "Foi assim que conheci a sua mãe. É assim que pretendo viver todos os meus dias. Não me importa se farão de mim um herói ou um tolo nas histórias. "

A chuva escorria pelo seu elmo, o vento frio parecia querer cortar seu corpo. Mas daqui a pouco estariam em casa. Finalmente a exaustiva guerra contra os selvagens chegara ao fim. Não da forma como o rei pretendia. Longe disso. Perder seu precioso filho e falhar em conquistar a cidade depois de tanto esforço estavam longe de serem considerados feitos dignos de nota. Mas o estrago do lado de lá devia ter sido ainda pior, visto que eles recuaram como cães assustados.

Restava apaziguar os ânimos em Fronteira e tudo ficaria bem. Iriam para casa, descansar e esperar a chegada do inverno. Poderiam finalmente se unir em luto à sua falecida mãe.

Alguém gritara ordens para o grupo. Os cavalos começaram a desviar para a direita e Gael fez o mesmo com o dele. A chuva abafava a maioria dos sons, impossibilitando ouvir as ordens dali de trás. Ele mal via seu pai, que liderava o pequeno grupo ao lado do seu amigo, o capitão Elodin.

Precisava se concentrar. Tendo terminado ou não a guerra, eles podiam se deparar com um grupo de selvagens a qualquer momento. Mas sua mente estava dispersa. Sentia-se frustrado, irritado. Não bastasse ter perdido sua mãe para uma maldita doença incurável, ainda precisava acontecer no meio daquela exaustiva guerra, quando ele ou seu pai mal paravam em casa? Não pôde dar o funeral que ela merecia, não pôde chorar a dor de sua perda ao lado de seu pai. Ela merecia mais que morrer nos braços de uma cuidadora qualquer, enquanto eles se ocupavam dilacerando pessoas naquela guerra sem fim.

Por que seu pai precisava aceitar aquele trabalho? Era um capitão, poderia facilmente mandar alguém ir à Fronteira em seu nome. Os capitães faziam isso o tempo todo. Ninguém gostava daquela cidade além dele, era o que parecia. Até mesmo o rei já parecia ter desistido dela. As pessoas diziam ser uma cidade amaldiçoada, contaminada pela loucura e pela superstição de seus moradores. Seu pai achava que era apenas uma cidade desprezada pelo reino. Ele não a deixaria de lado como os demais.

Outro grito. Dessa vez eles pararam. Gael olhou para ambos os lados, mas não havia nada além de terra molhada e árvores. Até mesmo os animais já deviam ter se escondido da incessante chuva. Voltaram à marcha lentamente. Seu cavalo estava arisco, desobediente. Aquilo era estranho. Ele raramente agia assim. Estava com medo. Mas medo de quê?

Fronteira não estava muito longe. A tarde já se aproximava do fim. Se ficassem vagando naquelas condições, não seria difícil se perder, com toda aquela chuva atrapalhando a visão. Talvez fosse melhor retornar. Mas ele jamais diria isso ao seu pai. Ele não o daria ouvidos, especialmente diante dos seus homens. Tinha uma missão a cumprir e a cumpriria, não importava o custo. Esse orgulho, o orgulho de aço, era algo além da sua compreensão, mas estava presente em quase todo soldado, capitão e oficial de Lesteria. Talvez um dia ele também adquirisse. Esperava que não.

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