O homem corria há horas pela noite, o suor despontava e encharcava sua pele negra enquanto ele fugia através das úmidas e quentes noites de Nova Orleans. Ele corria não muito pela distancia, mas pelo tempo, pois ele sabia que assim que amanhecesse os espíritos do mal e da noite não poderiam mais toca-lo, se sentiu confiante ao sentir seu cordão, seu juju, bater contra seu peito enquanto corria. Ele pensou em seus camaradas que ele deixou para trás quando fugiu e que agora provavelmente estavam em pedaços, ele avisou a todos, os loas não ficariam felizes com traição, eles mandariam seus exus e espíritos malignos para ter seu preço em sangue, mas ninguém o ouviu e a oferenda não foi feita.
Ele estava pronto para envenenar o poço e sacrificar a vila como os loas pediram, mesmo com sua irmã morando lá, os loas pedem o preço e eles dão a eles, em troca os loas atendem seus pedidos, fazem sumir as joias de uma mulher em nome de outra que tem inveja dela, matam o gado de um fazendeiro avarento, faziam um senhor abusivo com eles adoecer e levantam os zumbu. Ele podia ver de longe o fogo que os loas fizeram iluminar o céu noturno e olhar aquilo o fez tremer, ele rezava para não ser quem ele pensava que era que estava em seu encalço. Os gases do pântano subiam, os sapos faziam sua sinfonia noturna, ele podia ver os olhos brilhantes dos crocodilos e ele subiu nos bancos de areia para evita-los. A madrugada já começava adquirir um tom mais claro, logo seria dia e ele estaria salvo, então ele faria uma oferenda e...
O homem parou de súbito, de repente tudo havia ficado quieto, nenhum som de sapo, nenhum olho de crocodilo e nem ao menos o som do vento. Um frio percorreu sua espinha, logo ia amanhecer e ele estaria seguro não precisava se preocupar. Então de repente uma coruja piou atrás dele e o homem virou rapidamente com sua mão tremula tocando seu juju, ele olhou para a coruja com seus olhos brilhantes que olhava para ele de cima de uma árvore e seu coração começou a bater freneticamente, pois ele sabia o que isso significava, era ELA que estava atrás dele.
De suas costas ele pode sentir o cheiro... Carne queimada e velha se destacando no meio dos odores do pântano, ele se virou trêmulo segurando seu juju com todas as suas forças e ele a viu. Uma pequena forma vagamente feminina estava a sua frente, sua pele e carne estavam queimadas em grandes proporções tornando a cor dela mais parecida com carvão que qualquer outra matéria exceto pelos brilhantes dentes e ossos que se viam pelos buracos na pele. A postura dela estava completamente torta com uma perna quebrada virada para a outra na altura da canela e o braço esquerdo parecia que estava imobilizado contra o peito dela, apenas alguns cabelos a restavam e eram grandes mechas de dreadlocks que saiam do queimado crânio dela em intervalos irregulares e os olhos... Os olhos não existiam como olhos deviam existir, um havia sido queimado e parecia uma pedra de carvão dentro da orbita do cadáver e o outro estava completamente ausente, a pele queimada envolta do rosto dela a fazia ter a constante expressão de sorriso, mostrando grande parte dos ossos e dentes da boca assim como uma avermelhada gengiva cheia de manchas negras.
O homem segurou seu juju, Marinette Bwa Chech, Marinnete dos braços secos, a senhora das corujas e uma loah maligna e cruel que queimava as pessoas e e... As comia... A criatura moveu sua cabeça com um estalido sonoro para olhar diretamente para o homem, ela abriu a horrenda boca deslocando a parte direita do seu maxilar (que caiu e pendeu segurado pelos restos de músculo e pele queimadas) e falou com uma voz profunda e ecoante como o pio das corujas:
― Manje, mwen vle manje.― “Comida, eu quero comida”.
O homem já estava em chamas antes mesmo de ter tempo de implorar, o fogo começou em todo seu corpo de maneira instantânea, a dor era excruciante enquanto o homem caia no chão e se debatia e então ele sentiu... Em meio à dor das chamas ele pode sentir algo fechar sobre sua perna com tanta força que a quebrou instantaneamente e a ultima coisa que ele pensou de forma coerente enquanto aquilo começava a chupar sua carne dos ossos como um homem chupa os ossos de uma galinha foi "Meu juju, ele me protegia"...
Em algum lugar uma coruja piou, e nada foi achada do homem com exceção de seu cordão, encontrado em meio a uma grande marca de queimado no chão.