Capítulo único

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São quatro da manhã e eu acabei de tomar uma garrafa inteira de vinho. Não surtiu nenhum efeito - ou menos do que eu esperava - pois não me sinto nem um pouco afetado pelo álcool. Estou sentado no chão da sala bagunçada, a tevê está ligada em um filme qualquer, as luzes apagadas. Faz um silêncio ensurdecedor, e só agora consigo perceber como tudo sem ela fica vazio. Eu olho ao redor, observo a parede amarela, a cortina branca cobrindo a porta e a mesinha ao lado do sofá apoiando um porta retrato nosso: estamos sorrindo abraçados, o rosto de Mia bem colado no meu. Sinto meu peito apertar e meus olhos arderem, e pela milésima vez estou chorando.

Venho tomar um ar na sacada e observo como, mesmo com o bairro quieto, ainda existe mais barulho que dentro de casa. A maior parte das luzes do prédio pequeno à minha frente estão apagadas, as casas estão silenciosas e não tem ninguém na rua, mas de minuto em minuto consigo ouvir algum carro passando pela avenida próxima Aqui. Me apoio na grade e me entrego à dor que sinto, chorando igual a um menino quando dorme longe de casa. Sinto saudades de Mia.

- Eu vou voltar pra casa.

Paro o que estou fazendo para olhá-la. Incrédulo, não consigo dizer nada.

- Tá me ouvindo, Lando? Vou voltar pra casa.

Meu coração começa a bater forte quando ela repete.

- Sua casa é aqui, Mia. - eu digo.

- Era. Não dá mais pra ficar assim, não desse jeito.

Mia me dá as costas e vai para o quarto, eu a sigo, consternado, tentando digerir.

- Não, linda, vamos tentar.

Não consigo acreditar quando entro no quarto e vejo as malas dela prontas, o armário desfeito, sua mesa de cabeceira sem nada. Ela fez tudo isso enquanto eu estava no mercado?

- Lando, quantas vezes eu tentei?

Sua postura séria é substituída por uma fragilizada, e lágrimas começam a escorrer pelo rosto de Mia. Meu coração aperta como nunca e eu corro em sua direção, segurando de leve seus ombros e a olhando diretamente nos olhos.

- Mia, não, por favor! Eu sei que as coisas estão difíceis, mas, por favor, não vai embora. Foi pra isso que tivemos aquela conversa, lembra? Pra gente tentar de novo, não deixar isso acabar.

Mia e eu estávamos em crise há alguns meses. Namoramos há quase quatro anos, mas de repente as coisas começaram a ficar diferentes - por minha culpa. Ela costumava me acompanhar nas corridas durante as férias da faculdade, e a distância nunca foi um problema grande para nós até a pressão na McLaren passar a ficar muito maior de uns tempos pra cá: o carro que não vem rendendo muito, a cobrança da mídia, as discussões dentro da equipe, as exigências em alcançar um resultado mais satisfatório. O estresse que tudo isso tem me gerado impactou na minha relação com Mia - ela apontou diversas vezes que estou distante, calado e frio, e que tenho negado suas viagens comigo. Tentei contornar no início, mas foi ficando pior. Por um tempo, honestamente não pensei nas consequências disso e achava que era apenas uma crise entre nós dois. Para mim, a permanência de Mia era tão certa na minha vida que não refleti sobre eu estar totalmente equivocado.

- Eu não quero mais isso pra mim, Lando. Quantas vezes tentei conversar, te ouvir e te compreender? Quantas vezes respeitei seu espaço e tentei ser um apoio pra você? Não adiantou. Fui o melhor que pude ser, mesmo assim você se distancia e se fecha, mal conversa comigo quando está longe e quase não me toca quando estamos perto. Eu tentei, mas em que momento valeu a pena se você não tentou de volta?

Suas palavras me invadem e machucam meu corpo todo. Não fui capaz de cumprir minha promessa.

- Mia... - sussurro enquanto acaricio sua bochecha com o polegar, absorvendo a lágrima que desce. - Te magoei, eu sei, me perdoe. Me perdoe por não ter te escutado.

Amnésia | Lando NorrisOnde histórias criam vida. Descubra agora