Era tarde da noite, o vento batia contra seus braços e seu rosto, gelando cada parte do seu corpo. Heitor apreciava o frio da floresta, mas a noite era difícil de aguentar. O silêncio cortado pelo sussurro do vento entre as árvores era angustiante. A pior coisa para ele não era o frio nem o perigo da floresta, era o silêncio. Detestava aquela quietude excessiva. E à noite sequer podia se dar ao luxo de conversar com sua irmã, que lhe fazia companhia. Ajeitou o prêmio da empreitada no ombro e continuou andando.
O javali pesava e, com o frio da noite, fazia o ombro de Heitor latejar de dor. Mesmo assim ele achou melhor continuarem seguindo. Parar agora significaria atrair outros predadores e ele, com certeza, não queria lidar com lobos, ou nada pior que isso, no meio da noite. Não arriscaria uma caça daquele porte. Um javali daquele tamanho seria suficiente para fazê-los passar por quase todo o inverno sem precisar caçar, caso desejassem. Isso, é claro, se a guerra permitisse as coisas a continuarem mais ou menos estáveis. O que era improvável, ainda mais com o inverno chegando em alguns meses. Heitor não se importava em caçar, mas queria receber a quantia que considerava justa pela caça. Se se envolvesse mais na situação, quem sabe... não. Ele gostava de caçar, era um prazer, além de um trabalho. Caçaria dez javalis se precisasse, mas não se envolveria naquela guerra outra vez.
-Heitor, precisamos ir mais rápido. –disse sua irmã, já mostrando sinais de nervosismo. –Ainda não estamos perto de chegar e já vai anoitecer. Não quero passar a noite aqui na floresta, nem quero arriscar jogar nosso trabalho fora.
-E eu não quero perder esse belo animal, irmãzinha. – respondeu Heitor, batendo com uma das mãos na barriga do javali. –Mas não podemos estar muito longe.
-Estamos mais longe do que eu gostaria a essa altura.
-Não resta nem uma hora de caminhada, irmãzinha. Não há motivo para se preocupar.
-Com você nunca há motivo para se preocupar Heitor.
-Ora Isla, não seja assim. Basta nosso irmãozinho tentando me enlouquecer com sua chatice, agora você também? Sabe que te trago com mais frequência por ser a mais divertida.
-Você me traz porque você e Ivor passam mais tempo discutindo que caçando. Eu sou a única que consegue colocar juízo nessa sua cabeça. –Respondeu ela. –E sou a única que consegue subir nas árvores.
-É, talvez seja por isso também. Mas está bem, você está metida demais hoje a noite. Comprarei um bolo quando chegarmos, como gratidão pela incrível irmãzinha que eu tenho –Disse Heitor, com um gesto exagerado com uma das mãos.
-Cale a boca. –disse Isla.
Ela não parava de olhar para todo lado, inquieta.
Prosseguiram em silêncio, até que uma movimentação mais adiante chamou a atenção deles. Avistaram o que parecia um pequeno grupo, carregando tochas, numa lenta e ritmada marcha. Era difícil dizer quantos eram, pois ainda estavam longe, mas qualquer presença na floresta era estranha no meio da noite. Os dois irmãos se esconderam atrás de algumas árvores e observaram.
-Quem é doido o suficiente para perambular pela floresta a essa hora? – perguntou Heitor.
-Um ataque?
-Você acha mesmo que aquele bando de covardes entraria na floresta à noite só para ter uma chance de um ataque surpresa? É mais fácil criarem asas e voarem para cima da gente, irmãzinha.
-O povo de Martelofrio, talvez...
-Eles não têm interesse nessa guerra estúpida. Não, com certeza não é um ataque. É um grupo pequeno. Vamos ver mais de perto. Se forem caçadores, estão fazendo um péssimo trabalho.
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A Sombra do Leste
FantasyO reino do leste foi esquecido. O senhor da sombra não é mais uma ameaça. Ao menos é nisso que acreditam. Os anos de paz contra o antigo inimigo levaram os três reinos a se acomodarem. Em sua arrogância, eles tratam o inimigo como apenas uma lenda...