A poeira era sempre um incômodo para Celina quando estava ali. Não demoraria até que a crise de espirros começasse, assustando os insetos que, além dela e dos ratos, eram os únicos que ainda visitavam aquele lugar.
No impecável reino de Solemar, o reino do sol, da vida, da alegria e prosperidade, onde tudo era sempre lindo, vivo e colorido, a presença de um lugar como aquele, cinza, sem vida, abandonado, era um contraste gritante. Não era o único, ela sabia. Mas vê-lo de perto tornava tudo mais real e estranho. "Até mesmo o mais belo jardim está suscetível a ter flores murchas. " Ouviu certa vez. "Principalmente quando algumas não são bem cuidadas. " Acrescentou para si mesma, com tristeza.
A única coisa com vida era o jarro com a rosa que ela levara. Levantou do banco, levantando um bocado de poeira junto, o que a fez tossir repetidas vezes. Levou o jarro com a flor até a mesa de madeira no altar velho e quebrado. Acariciou as pétalas da flor enquanto olhava mais uma vez para a pequena galeria. Lembrava do seu pai passando pelas fileiras de bancos, contando histórias que ficaram perdidas no tempo. Estava sempre sorrindo, não importava o que acontecesse. Apesar de toda sujeira e decadência agora presentes, ela conseguia lembrar com alegria daqueles dias. Dias mais coloridos, como o templo também era. Lagrimas escorreram pelo seu rosto, mas ela não se importou. Não havia ninguém para julgá-la e ela queria manter vividas as memorias o máximo que pudesse.
Foi trazida de volta à realidade ao sentir uma movimentação estranha vindo da planta. Abriu os olhos assustada, imaginando ter derrubado ou até mesmo machucado a pequena flor. Mas o que vira não fora nada disso. A planta se movia, seu caule, folhas e pétalas se agitavam. A princípio Celina acreditou ser por conta de alguma corrente de vento, ou até mesmo sua respiração perto. Quando viu a planta crescer e começar a se entrelaçar na sua mão, ela percebeu que não era nada disso.
Afastou-se com um salto, olhando para a própria mão. Nada de anormal. Olhou para a flor novamente. Estava parada no lugar, mas, sem dúvida, mudara de posição se comparada à que a menina a tinha colocado. E não fora vento, pois ali não passava corrente e vento nenhum poderia ter mudado a posição daquela forma sem ferir ou mesmo quebrar a planta. A menina se aproximou devagar. Estendeu a mão, receosa, e tocou na flor. Nada.
Queria ir para casa e contar o ocorrido à sua mãe. Mas precisava ter certeza se de fato se tratava de um despertar. Tocou na planta mais algumas vezes, em várias partes diferentes. Tentou falar com ela. Mas nada adiantava. A flor continuava no mesmo lugar, como se nada tivesse ocorrido.
A menina continuou insistindo. Não tinha ideia de como funcionava se de fato tivesse despertado algum poder, muito menos como usá-lo. Era um teste difícil para quem não tinha direção, mas ela não sairia dali sem uma resposta.
Depois de muita insistência, ela finalmente viu. Dessa vez não restara dúvida. A flor se movera, seu caule até mesmo aumentara de comprimento, pouco, mas aumentara. Celina não acreditava no que estava acontecendo. Ela era uma versada? Nem sua mãe, nem seu pai, pelo menos até onde sabia, tinham qualquer poder. Mas ninguém nunca lhe dissera que vinha de família. Na verdade, os versados eram pessoas bastante reclusas, andando em sua maioria ao lado dos duques, barões e condes do reino, ou, é claro, do próprio rei. Estavam sempre trabalhando para as famílias importantes. Ninguém se envolvia em seus assuntos.
Vendo que nada mais aconteceria e tendo a resposta que queria, Celina deixou a planta e se afastou. Pensou em correr para casa e perguntar à sua mãe sobre o passado do pai. E estava prestes a fazer isso, quando ouviu uma batida na porta do templo.
Virou-se para ver o que era. Na porta entreaberta, como ela costumava deixar, ela vira um vulto de um homem. Ele saiu poucos segundos depois de ela se virar. Há quanto tempo estaria ali? Será que ele tinha visto o que ela fizera com a flor? Não era bom. Seria obrigada a ir para uma das casas ducais aprender os ofícios de versada e se aliar a uma casa. O ducado de Floris parecia o mais tranquilo de todos, mas, ainda assim, ela sempre ouvia sobre algum desentendimento entre as casas e as vezes até com o rei. Não queria se envolver em nada daquilo. Seu pai certamente não desejaria vê-la no meio de tais assuntos.
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A Sombra do Leste
FantasyO reino do leste foi esquecido. O senhor da sombra não é mais uma ameaça. Ao menos é nisso que acreditam. Os anos de paz contra o antigo inimigo levaram os três reinos a se acomodarem. Em sua arrogância, eles tratam o inimigo como apenas uma lenda...