vinte nove dias atrás

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Eu devo ter bebido metade da água do rio Tibre depois do meu ataque de pânico na livraria.

A cama do Airbnb era suspensa por umas correntes esquisitas que chacoalhavam toda vez que eu precisava descer a escada barulhenta de madeira. O que também significcava que eu precisava abaixar a cabeça sempre que entrava na cozinha para encher meu copo de água.

Eu queria ir para casa. Para a minha casa de verdade. Queria voltar para o meu quarto, com minhas medalhas estúpidas de participação e o ukulele que Sirius tocava. Mas não podia.

Aquele era o mesmo quarto em que eu havia passado os últimos meses mal e deprimido. O quarto em que eu passava fins de semana inteiros com a porta trancada, buscando soluções deveriam fazer com que eu me sentisse melhor, mas só pioravam a situação.

Há muitas histórias horríveis sobre saídas do armário na internet. Eu não deveria ter lido todas elas, mas li.

Voltar para casa não era uma opção.

Foi então que lembrei da lista de recomendações do livreiro bonitão amassada no meu bolso. Desdobrei, desamassei o papel e vi o nome do barman que ele havia escrito. James.

Um nome hebraico, que significava “substituto”. Quais eram as chances de isso acontecer?

Então, quando já era quase meia-noite, decidi sair do apartamento e conferir aquele bar. Sair sozinho em um país desconhecido me deixava mais do que apenas um pouco nervoso. Mas beber um drinque de verdade em um bar de verdade me parecia um ótimo
upgrade em comparação à cerveja quente que Marcus escondia no porta-luvas do carro.

Já estava escuro lá fora, mas as ruas de Vienna continuavam ostentando sua beleza sem esforço algum. Sério, parecia que elas nem precisavam tentar.

O bar ficava em uma rua estreita e escura, e era preciso tocar uma campainha para entrar. Sentadas no bar, havia duas mulheres, uma de cabelo ruivo e outra com cachos volumosos; uma delas com uma tatuagem enorme de um lírio seu braço desnudo. E, atrás do balcão, um homem alto com óculos redondos, um sorriso grande e olhos de bêbado maiores ainda. Não como os de alguém realmente bêbado – ele parecia manter muito bem a compostura, equilibrando duas garrafas e um copo de dose –, mas aquele tipo de olhos que estão sempre avermelhados e com olheiras. O tipo fofo.

— Estou procurando pelo James — eu disse ao barman.

— Sou eu — ele respondeu.

Olhei para ele mais uma vez. Esse cara estava de brincadeira comigo? Não sei outra forma de dizer isso, mas aquele homem não parecia com nenhum que eu tenha visto na vida.

Sua pele era coberta por algumas tatuagens. E alguns tons mais escura que a de Marcus. Caramelo queimado comparado ao café com leite dele.

Ele terminou o drinque que estava preparando e o entregou para a moça com tatuagem de Lírio.

— Ja-mes. Você pronunciou direitinho. Os austríacos sempre conseguem errar meu nome. Você deve ser americano. Certo?

— Sim, eu sou — respondi.

— Sabia! Soube assim que você entrou. Qual é o seu nome?

—Regulus.

— Regulus — James repetiu. — A estrela, seja bem-vindo. Fique à vontade. O que você gostaria de beber?

Sentei em uma das banquetas perto do bar, minhas pernas balançando sobre o chão, e apoiei os cotovelos no balcão molhado.

— Cerveja?

— Que tipo de cerveja?

Desviei o olhar para o teto.

— Ah, eu bebo qualquer uma.

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