Parte 1Ele estava sentado, quieto, tinha acabado de comer e não dizia nada, apenas escutava, um rapaz do outro lado estava sozinho, talvez esperasse alguém que nunca ia aparecer.
- Oferece pra ele - eu disse, ele soltou uma risada. - Acho que ele não comeu.
- Esse lugar te anima, né ? - ele falou, foi a única coisa que tinha dito, já fazia tempo que eu não ouvia a sua voz. Acho que ele queria saber alguma coisa e permitiu que eu viesse visitá-lo, ou as vezes é só pelo desespero de ter que ficar sozinho.
- Seu irmão veio ?
Ele fez que não, juntou as mãos e me encarou, eu percebia a raiva em seu rosto, ele estava amargurado, exausto por estar aqui, talvez um pouco confuso também, com as mãos machucadas e ele tinha acabado de completar vinte anos de idade.
Ele estava desconfiado, no começo não queria comer a minha comida, mas depois comia tão rápido que mal sobrava. Ele não falou comigo durante cinco meses, nem uma palavra, apenas retribuía com olhar de alguém furioso.
- Você sabe se virar aqui - eu falei, e ele sabia mesmo, por mais que seja novo, ele sabe brigar, sempre soube, sabe se defender sozinho e eu não me preocupava com isso. - Você está bem ?
- Parece que estou ? - E pela segunda vez eu o ouvi, eu queria tentar, queria falar com ele.
Dei de ombros.
Os minutos seguintes se passaram em silêncio, Matheus ainda me encarava e cada minuto parecia uma eternidade, seu olhar já me dizia tudo, ele me odiava, e eu nunca tive coragem de dizer uma palavra a ele.
Eu me levantei para ir embora, ele ainda me encarava, me aproximei dele, estendendo a mão para tocar em seu rosto, ele não desviou, ficou parado me encarando. No fundo eu avistei uma lágrima.
- O que quer da próxima vez ? Pode pedir o que quiser.
Sua expressão não mudava, ele me olhava com frieza.
- Quero que nunca mais apareça aqui.
Eu hesitei por um tempo e olhei para traz quando sai para ir embora, mas ele já não me olhava mais, não havia respostas para mim e o que me restou foi o silêncio.
Mas eu voltei e ele ainda me olhava do mesmo jeito, comia a comida quieto, cada vez que eu voltava, as mãos estavam um pouco mais machucadas, uma vez ele prometeu me matar, mas não parecia ter forças nem para pensar sobre isso, apesar do ódio que carregava, a tristeza ainda era maior e isso tomava conta dele.
No começo ele só parecia um moleque revoltado, não se importava em estar aqui, era esperto demais, mas no fim, só queria um pouco de paz e aqui não era lugar pra isso, ele não dormia direito, seus olhos sempre demonstravam cansaço, haviam muitas brigas.
- O que vai fazer quando sair daqui ? - Eu perguntei, ele deu de ombros, olhou para os lados e inspirou fundo, a cabeça estava raspada, não me parecia mais aquele menino do passado.
- Arrumar um emprego - disse ele, eu duvidava muito, por mais que ele quisesse tentar, não iria conseguir, ele conhecia muita gente, teve coragem de fazer muita coisa.
- Estou indo à igreja - eu falei, ele olhou para mim e começou a rir, dessa vez era com vontade, ele não estava fingindo e eu não esperava outra reação.
- Quer meu perdão também ? - Sua voz era firme, o olhar de desconfiança era nítido e o deboche também.
Eu fiz que não, tudo o que eu fiz era imperdoável e eu não esperava nada dele, ele me condenava sempre que me olhava e isso nunca iria mudar.
Por muito tempo ele fingiu que não me ouviu, mas eu sabia que estava ouvindo.
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Lados Opostos - Parte 2
RomanceDurante sua jornada de arrependimento, Matheus cruza com Alex, um jovem que iniciou sua vida cedo no crime, e por outro caminho, se vê diante de Ariel, um rapaz que foi marcado por um roubo violento. A segunda parte conta uma pequena história da vid...