Capítulo 4

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Gael saiu convicto. Mas não demorou muito para essa convicção começar a desaparecer. Que esperança tinha de conseguir informações úteis indo atrás de um velho cuja ocupação era sair por aí gastando o fôlego gritando em tavernas, esperando levar uma surra de algum soldado?

Não, com certeza não era uma ideia digna de elogios. Mas era boa o suficiente para lhe tirar algumas horas ou quem sabe até mesmo alguns dias. Ficar em Cidadela naquele tempo de tranquilidade maçante começava a mexer com ele e não queria se pegar discutindo com outro soldado folgado como daquele dia. Enquanto estivesse ocupado com aquela estranha tarefa, daria tempo para Jade e Drustan descobrirem mais alguma coisa em Fronteira ou, pelo menos, se convencer de que não fora nada demais.

Ele podia gastar o tempo festejando, esbanjando de sua riqueza com comida, bebida e outros prazeres, como faziam boa parte dos capitães. Mas Gael nunca se interessara por aquele estilo de vida. Nunca apreciara tais coisas. Na verdade, havia muito pouco que ele de fato gostasse. Gostava do que lhe era possível fazer graças à sua posição. Ou talvez nem gostasse. Às vezes ele sentia que estava simplesmente acostumado a tudo aquilo. Eram esses os dias difíceis de dormir.

Tirou aqueles pensamentos da cabeça. Começou a trazer à tona o que sabia sobre a situação e então percebeu quão pouco era. Com exceção dos corpos e do homem louco que o atacara, era basicamente o mesmo que vira anos atrás: ataques esporádicos em território lesteriano, rumores de um inimigo que vigiava "com olhos vermelhos, olhos de sangue, olhos de morte" ou qualquer outro nome que as pessoas davam quando estavam tomadas pelo medo do desconhecido. A diferença é que na época a guerra ainda não havia cessado totalmente.

Por conveniência haviam considerado como ato dos selvagens, alegando que eles tentavam assustar o exército para afugentá-los de seu próprio território. E talvez fosse verdade. Gael já ouvira sobre as habilidades incomuns vindas daquele povo. Na verdade, todos no exército de aço ouviam as histórias. Lesteria os desprezava por isso. Se precisavam de truques, feitiços ou fosse lá o que fosse, para lutar uma guerra, só podia significar que no fim das contas a força do exército era pequena. Guerras são vencidas com soldados e estratégias, não com essas bruxarias esquisitas.

Mas a verdade é que eles quase nunca usavam essas artimanhas estranhas contra eles. Lutou por anos contra eles e não viu nada além de armas, armaduras, pessoas e sangue. Nada de anormal, nada desumano. Apenas naquele fatídico dia.

Fossem ou não os selvagens, a presença dessas criaturas poderia significar o início de outra guerra. E daria razão às palavras do velho, no fim das contas.

Tal pensamento o convenceu de vez de ir atrás do homem.

Estava quase atravessando o portão de Cidadela quando viu, à distância, um dos capitães. Ele passava lentamente por entre as barracas no pequeno comércio à esquerda da saída da cidade. Era claro o medo dos vendedores com a presença do homem ali. Gael não o reconheceu, pois estava rodeado de soldados, de costas e longe. Mas reconheceu sua atitude: era típica de alguns, e o enojava profundamente. Abusava da autoridade para tirar o pouco que aqueles homens tinham com seu negócio. Compravam tudo por um preço bem abaixo, mesmo tendo dinheiro suficiente para comprar todo o comércio.

Gael virou o rosto e saiu da cidade. Podia confrontar os abusos de um soldado, mas se fizesse o mesmo a outro capitão, ainda mais em público, seria condenado no dia seguinte. Talvez uma guerra fosse o que esperavam e precisavam para voltar a se portar corretamente. Era um pensamento horrível. Ele lembrava de como fora a última. Toda a destruição, o caos, o sofrimento e a dificuldade. Tudo que a guerra fizera foi desviar todo impulso bestial para um inimigo exterior. Sem ela, eles agiam uns contra os outros. O que precisava era dar aos soldados mais ocupações e menos regalias. Mas quem seria louco de mexer numa estrutura tão estabelecida e louvada?

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