TEM UMA COISA QUE EU NUNCA CONTEI A NINGUÉM. Nem ao meu namorado, nem ao meu padrasto, nem aos meus amigos, mas é importante para a história, então acho melhor contar logo no início.
Duas ou três vezes por semana, eu sonho que estou me afogando.
É sempre assim: estou na água, com um tanque de oxigênio preso às costas, mergulhando com o rosto voltado para o fundo do mar. A água está morna e com um tom verde-azulado magnífico, mas mal reparo nisso, porque estou muito focado em alguma coisa. Em procurar alguma coisa. Não sei o que estou tentando encontrar, só sei que é a coisa que mais desejo no mundo.
Por fim, enxergo algo lá embaixo — um raio de luz. É cintilante e convidativo, e, sem hesitar nem um segundo, dou um impulso mais forte e nado na direção dele. O brilho se concentra em torno de um pedacinho de metal, que reluz cada vez mais conforme me aproximo. Mas, quando estendo a mão para tocá-lo, a luz se apaga, me lançando na mais impressionante e profunda escuridão. É aí que percebo a pior parte: meu oxigênio acabou. Entro em pânico, tentando voltar depressa à superfície, mas estou muito distante, e, quando abro a boca para gritar, a água invade minha garganta, meus ouvidos e...
Você já entendeu.
No sonho, nunca sei o que estou procurando, mas, assim que acordo com a sensação de sal nas bochechas e a garganta irritada fica óbvio. Dolorosamente óbvio. Estou em busca da cidade perdida de Atlântida. Do mundo do meu pai. E, mesmo sabendo que estou seguro na minha cama, e não no fundo do mar Egeu, ainda preciso me levantar e pegar o mapa do meu pai.
O mapa é outro dos meus segredos. Fica guardado no alto do armário, embaixo da pilha de cadernos de desenho que acumulo desde o ensino fundamental. Embora tenha tentado jogá-lo fora mais de dez vezes, nunca consegui. O mapa foi desenhado à mão e é cheio de setas e anotações sobrepostas, algumas em grego, outras em inglês. Tem até alguns dos clássicos desenhos engraçadinhos do meu pai, como uma serpente do mar de tapa-olho e Poseidon cochilando na rede com o tridente.
É estranho, mas, quando abro o mapa, não vejo nada disso. Vejo meu pai. Estamos à mesinha apertada da cozinha, a cabeça dele curvada sobre o mapa. Seus olhos brilham ao falar do nosso amor compartilhado por Atlântida. Minha versão criança está atenta a cada palavra, porque na época eu não era apenas Oliver. Eu era Indiana Oliver, um explorador mundialmente famoso.
Parte cientista, parte arqueólogo, parte mergulhador de águas profundas, Indiana Oliver enfrentava piratas, lulas imensas e negociantes gananciosos que queriam seu tesouro. Ele era corajoso, inteligente e, independentemente do desafio que o oceano lançasse, sempre tinha o pai ao seu lado.
Até que não tinha mais.
Quando meu pai foi embora, deixou vinte e seis coisas para trás. Muitas eram lixo, mas juntei mesmo assim: um pacote de seu chiclete de canela preferido, uma camiseta desbotada, papéis rabiscados. Guardei tudo numa velha caixa de sapato embaixo da cama e, quando minha mãe estava no trabalho, eu tirava as coisas da caixa para tentar entender. Por que ele tinha deixado aquelas coisas para trás?
Algumas explicações eram fáceis de encontrar. A camiseta pinicava. O chiclete tinha um gosto muito forte de canela. Mas por que sua espuma de barbear preferida? E o nosso mapa? Meu pai o deixara dobrado na minha mesa de cabeceira. Não precisaria dele em Santorini, para encontrar a cidade perdida?
Fiz uma lista cuidadosa dos itens e, durante dois anos, olhei para ela todos os dias. Foi o tempo que levou para eu entender que meu pai não voltaria. Não gosto muito de falar dessa época, então digamos apenas que às vezes acho que sei exatamente como os atlantes se sentiram ao verem suas vidas ruir e desaparecer.
Depois que entendi aquilo, parei de olhar a lista. Mas ela se mudou com a gente. De um canto para outro, acompanhando cada troca de escola e apartamento, todos os lugares solitários que fizeram parte da nossa vida pós-papai. Foi quando estávamos morando em Seattle, pouco depois de mamãe se casar com Robin, que ela encontrou a lista: 26 Coisas que Meu Pai Deixou para Trás, por Indiana Oliver. Ela quis conversar comigo sobre o último item — o vigésimo sexto.
Claro que eu não quis tocar no assunto. Eu já não era mais Indiana Oliver. Nem era mais Oliver. Eu era Harry. E Harry nunca falava sobre o pai. Aprendi da maneira mais difícil que contar aos outros sobre meu pai ter me abandonado por causa de uma ilha mítica que 99,9% das pessoas nem acredita que tenha existido não é uma boa ideia. Aliás, é melhor nem lembrar disso com muita frequência.
Então me recusei. Eu não queria conversar sobre meu pai. Não queria conversar sobre meu passado. E não queria absolutamente nada com aquela lista, porque simbolizava tudo o que havia me machucado e tudo o que eu não queria mais ser.
Minha mãe avisou que coisas importantes não gostam de ser enterradas, mas, felizmente, deixou o assunto para lá. Considerei isso uma vitória. Afinal, não tínhamos seguido em frente? De nada me valiam cidades douradas e promessas desfeitas. Não me interessava mais por pistas enigmáticas. Eu dera por concluída aquela parte da minha vida. Assunto encerrado.
Até que Atlântida veio à minha procura.
ᨒ
olá amores!! vocês já leram o livro??
all the love, M.
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AMOR & AZEITONAS | l.s
Fiksi PenggemarHarry Styles evita a todo custo pensar no pai, e por um bom motivo: ele partiu a Grécia quando ele tinha oito anos, sem despedida ou explicação. Mas, quando chega um cartão-postal amassado de Santorini, o garoto não tem escapatória. Está história é...