CAPÍTULO 2

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Segundos pareciam horas, minutos pareciam dias, horas pareciam semanas. Tudo estava devagar. Numa corrida contra uma lebre, o esqueleto era a tartaruga. A sensação de medo e frustração voltava progressivamente. O vento ficava áspero e a maré se tornava ríspida, gradualmente.

Tudo indicava que seu destino terrível conseguira alcançar outro ser puro e inocente de pensamentos não idôneos.

Ele gostaria de gritar, de correr para verificar a saúde de sua nova amiga. No entanto, o medo assombrava suas decisões, assim como fez antes da morte do corvo.

Em seus pensamentos rodeavam palavras maldosas, xingamentos e maldições, os quais eram parcialmente responsáveis por sua tremenda indecisão e covardia.

"Você é fraco. Devia ter permanecido morto."

"Como pode um ser patético ainda perambular pelo mundo?!"

"Morra novamente! Você fica melhor como adubo para as plantas e comida para os vermes!"

— Hurj...

Seu corpo tremia.

Tudo parecia escuro, ofuscado.

Porém, um único pensamento distante pôs fim a todos os outros que enjaulavam o esqueleto.

A imagem da menina sardenta sorrindo com sua flor, iluminada pela luz do sol, despertou a coragem necessária no esqueleto solitário.

O musgo lentamente se rompia enquanto o esqueleto fazia força para se levantar. De dentro de suas entranhas (imaginarias), ele arrancou o grito mais alto que já havia brotado (durante sua "nova vida").

— WOOOOOOOOOOOOOOOH!

Num piscar de olhos, o esqueleto correu para dentro do pântano, aflito, procurando pelo único raio de sol que restava em sua miserável existência.

Árvore após árvore, arbusto após arbusto, nada. Após tanto procurar, o esqueleto se sentiu culpado, deprimido. Novamente, a pedra parecia o lugar mais adequado.

Mais um pouco.

Ele pensou.

Correu, correu e correu. Durante horas incansáveis, o esqueleto afugentou pássaros, pisou em gravetos, pulou arbustos e rochas, isso tudo para encontrar sua última gota de esperança.

Ao entardecer, ele se cansou. Apesar de não ter pulmões, sua moral e motivação estavam nos seus respectivos finais. Nada havia sobrado.

MEXE~

O esqueleto se espantou. Virou a cabeça mais rápido do que conseguia e a fez girar muitas voltas em cima de seu pescoço. Porém, durante todas as voltas, ele foi capaz de observar uma flor que se mexia. Uma flor extremamente bonita.

Depois de segurar sua cabeça com as mãos, ele se aproximou vagarosamente da bela planta.

Um arbusto cobria tudo abaixo dela.

A curiosidade rugia.

A esperança ressurgia das cinzas como uma fênix.

O esqueleto pulou o arbusto novamente!

Um coelho. Um coelho mastigando uma flor.

O esqueleto segurou a flor nas mãos e a ergueu para cima, esperando que um raio de sol atingisse suas belas pétalas.

As energias do esqueleto se esgotaram. Ele só precisava sentar. Talvez numa pedra musgosa.

CRACK-

— Devolve minha flor! Coelho mau!

Uma voz se aproximava rapidamente, seguida de passos fortes de uma galocha.

De repente, a menina apareceu pulando arbustos assim como o esqueleto fez!

BOMF!

Segundo as leis da física, tudo que está em movimento, permanece em movimento e, para cada ação, há uma reação.

Devido a velocidade absurda da garotinha, o esqueleto foi desmontado em pedaços. Seus ossos espalhados por todo o chão. No entanto, sua cabeça caiu exatamente dentro da cesta de frutas a qual a menina levava consigo.

— Moço esqueleto! Você viu a flor?! Um coelho roubou ela do meu bolso enquanto eu procurava frutas! — disse, procurando em todos os cantos possíveis do lugar em que estavam, pulando de um canto a outro.

O esqueleto não podia fazer nada além de observar. Ele estava surpreso. Surpreso que, dessa vez, nada de ruim aconteceu.

A menina falava bastante, mas ele não escutava. Estava perdido, ainda se recuperando do choque. Vagarosamente, suas energias se recompunham.

— -ão foi assim que ele pegou a flor! Moço? Você entendeu? Viu a flor? Moçooo! — disse, cutucando a cabeça descolada do esqueleto.

O esqueleto conseguia mover seus outros ossos, então, moveu sua mão para apontar para o topo da cabeça da menina.

Ela se levantou devagar.

Um raio de luz solar atingiu precisamente o lugar em que ela estava de pé, iluminando a flor e seus olhos esverdeados.

— Ah! Ela tá aqui! — disse, sorrindo, a menina.

Num piscar de olhos, o esqueleto juntou todas as suas partes e, novamente, "sorriu".

— Moço, olha-

O esqueleto interrompeu a menina com um abraço que transbordava alegria. Para ele, aquele ser humano era mais importante do que qualquer outra coisa.

— Vou te ajudar a catar frutas. — disse o esqueleto, depois de soltar a menina devagar no chão.

— Oooh! Consigo entender você, moço!

Inconscientemente, o esqueleto usava "Tradução de Fala", um feitiço comumente usado por druidas para se comunicarem com animais, ou seres de outra espécie.

O vento soprava calmamente, como uma brisa de verão. As folhas das árvores balançavam num padrão belíssimo. O sol reluzia através das frestas das árvores. A água pingava das folhas e molhava as flores bonitas. Tudo estava belíssimo, mesmo que estivessem num pântano. O mundo parecia mais colorido.

O esqueleto prometeu nunca mais permitir que algo ruim acontecesse com seus companheiros.

Depois de longos minutos ouvindo histórias de como a menina era boa em encontrar frutas azuis, mas ruim em encontrar frutas amarelas, o esqueleto caminhou de mãos dadas com sua pequena amiga em uma direção ainda não vista por ele.

De repente, a claridade aumentou. O que antes era a vista de um pântano, tornou-se um mundo dos sonhos, uma floresta impecável, perfeita. Pássaros planavam em conjunto, castores construíam represas num rio próximo.

Pouco a pouco, o esqueleto agradecia por ter saído de sua pedra habitual. Pouco a pouco, ele perdia o medo de "perambular" pelo mundo.

Depois de algumas horas colhendo frutas, a menina ofereceu ao esqueleto um colar de flores que havia feito em seu tempo livre. Evidentemente, ele aceitou o presente com alegria.

No entanto, por causa da diferença de altura (2.03m - 1.46m), a menina precisou subir numa pedra para dependurar as flores no pescoço de seu amigo sem carne.

Após mais algum tempo, ele se despediu de sua amiga e prometeu encontrá-la de novo na floresta, embaixo de uma árvore marcada com um desenho estranho de um urso com oito patas (de acordo com ela).

A noite passou devagar, novamente. No entanto, no dia seguinte, a menina apareceu com três novas histórias para contar.

[Continua]

A vida do Lich SolitárioOnde histórias criam vida. Descubra agora