One Shot

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As mãos doloridas de Verônica combinavam com o sangue no canto da boca e os machucados no rosto de Anita. Mágoas sendo tatuadas em memória de uma das pessoas mais importantes da vida da escrivã.

— Você não precisava ter matado ele. — Cuspiu as palavras enquanto afundava os dedos no pescoço da delegada, a qual sorriu torto antes de responder no mesmo tom de voz.

— Como se eu tivesse tido a porra da escolha. — Olhava com desdém, os orbes claros em pura tempestade ao se encontrarem com o abismo castanho.
— Dá para você fazer o favor e tirar suas patas de mim? — Agarrou o braço que a enforcava, o pressionando para soltar. Verônica assim o fez, o gosto metálico na boca e a bochecha doendo da luta que tiveram.

Torres tinha descoberto o envolvimento de Anita, ou melhor, Karina, no caso todo e como ela tinha sido uma das primeiras vítimas de Matias. Estava ali para propor uma aliança, mas como as duas juntas são que nem fogo e gasolina, ressentimentos passados vieram a tona e as palavras foram em formas de socos, chutes e xingamentos. Latinhas de cerveja estavam espalhadas pela casa, dando uma desculpa para os sentimentos das duas estarem tão à flor da pele.
Verônica desviou o olhar finalmente e a loira suspirou aliviada.

— Olha, me desculpa, ok? Você sabe que eu sou só um peão nesse esquema todo. — Anita quebrou o silêncio que se instaurou por alguns segundos, tateando o pescoço marcado pelos dedos da mulher. A escrivã se sentou no sofá ali no meio da sala, ouvindo os passos da delegada se afastarem.

— Eu só quero que tudo valha a pena no final. — Soltou baixinho, sentindo algo gelado em seu braço quando a mulher voltou com duas latinhas de cerveja, entregando uma a ela. Um gole longo gelou sua garganta dolorida, misturando o gosto de sangue com o da bebida.

— Vingança não resolve nada, longe disso. Só traz merda atrás de merda. — Anita olhava para um ponto fixo enquanto dizia essas palavras, parecendo ser mais para ela do que para a morena ao seu lado. Mais um gole demorado, dessa vez pela delegada. Não demoraram muito para acabar de beber.

— Você já tentou fazer algo contra ele? — Questionou, baixando a guarda ao ver a vulnerabilidade dela. Ela olhou para as mãos que seguravam a latinha vazia, os dedos doloridos e o braço com diversas cicatrizes. Seu coração bateu forte, os punhos se fechando e amassando o objeto metálico. O maxilar comprimido e a postura completamente reta, como se estivesse correndo risco de vida ao responder aquela pergunta.
— Me conta sua história. — Insistiu, tocando o palmo destro de Anita que rapidamente levantou.

— O que você precisa tá em cima da mesa, pega e dá o fora. — Ordenou, os olhos marejados enquanto ia até a porta, indicando que Verônica saísse de sua casa.

— Você já conversou sobre isso com alguém? — A teimosia era uma das características da mulher que mais fazia Anita ferver de raiva. Bufou, observando ela se levantar e passar reto pelas provas, indo em sua direção e ficando na sua frente.
— Anita, você tem voz. Se ele fez isso com uma mulher forte que nem você, imagina com as outras. — Foi interrompida quando trocaram de posições e seu corpo fora empurrado contra a porta de madeira bruta.

— CALA BOCA! — Gritou ela.
— Fica quieta, por favor... — Depois da primeira as lágrimas não demoraram de cair por seu rosto. A escrivã se viu sem chão ao vê-la completamente assustada daquele jeito. Não lhe restava palavras diante daquela situação. Frases eram trocadas com o olhar ferido da delegada, expondo todo sentimento guardado no fundo de seu peito com uma expressão de dor.

— Vai ficar tudo bem agora. — As mãos da mulher tocaram o rosto quente, acariciando as bochechas com os polegares.
— Você não está mais sozinha. — A abraçou, puxando sua cabeça para a curva do seu pescoço onde Karina se permitiu chorar tudo que não chorou nesse tempo todo.

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