A decisão que durou um suspiro

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É inimaginável pensar aonde cheguei. Eu havia decidido ainda naquela manhã que a dor havia alcançado seu objetivo, e finalmente me derrubado. Eu estava cansada, das pessoas, das formas, das cores e dos sabores, da vida como um todo.

Cansada de sentir, pois era como ficar sem ar, e algumas vezes realmente fiquei, quando minha condição causou em mim bem mais que batimentos acelerados, fraturas em minha mão, ou mesmo a sensação de que os pensamentos não iriam parar nunca. Minha velha companheira havia tirado de mim o ar tantas vezes que eu em alguns momentos me perguntei se algum dia eu havia de fato aprendido a respirar.

Ironicamente, escolhi como meio de tirar minha vida uma forma sufocante de morrer. Quase como uma metáfora para sufocar a dor, um preço que eu pagaria sem pensar duas vezes.

E agora, encarando a correnteza do rio em que eu afogarei minha angústia, um sentimento de leveza está acompanhando minha mente.

Temi que o medo pudesse me ocorrer quando chegasse a hora, mas não, eu estou bem. Talvez "bem" seja uma péssima escolha de palavra, afinal de contas, eu não estaria aqui se estivesse sinceramente bem.

Eu me convenci que as incertezas que me impediam sumirar muito tempo atrás, e tudo que vivi desde então foi meu epitáfio.

E em fuga de minha melancolia que facilmente listaria de pronto cada parte minha que se quebrou permanentemente em toda minha vida, prefiro crer que se trata de amor.

De uns tempos pra cá percebi que amor sempre determinou minha vida, e que amar foi o que me manteve.

Amei minha família, minhas amizades e entreguei meu coração algumas vezes. Quanto a este último grupo específico, percebi a doce maldição de minha sina: todo mundo ama me conhecer, todo mundo odeia ter de ficar.

A amarga verdade é que independente de quem seja, eu amei tal pessoa com todo meu coração. E sempre fui a ingênua de não blindar meus sentimentos, afinal de contas, que mal há em sentir?

O grande problema veio quando percebi que não se trata do amor que dou, mas sim do que recebo.
Temo crer que de modo egoísta, gostaria que as pessoas me amassem como eu as amo, com tudo de si.

Mas quando o seu padrão de amar é tão elevado quanto o meu, é culpa sua as coisas darem errado. E sim, é uma confissão, minha morte tem como culpada apenas eu mesma.

Nunca se tratou de mais nada, e por tanto, não há outra caminho em minha vida. Afinal, como eu poderia me separar de mim mesma?

O rio que agora encaro parece ser a única coisa nesse mundo que me entende. Se permite fluir em toda sua majestade, sem que possa retornar, nem mesmo uma vez. E escolhi esse rio talvez por um pouco de egoísmo.

Não quero que me encontrem, quero que permaneçam com a incerteza de meu fim. Assim, poderei ficar em seus pensamentos por mais tempo, e eles viveriam um pouco do meu modo de amar, já que estou sempre pensando neles, independente de qualquer coisa.

E apesar de ter pensado em cortar minha carte e deixar meu sangue jorrar, tornando poética e solitária a minha morte, eu creio que ainda estou com um pouco de medo, medo da dor.

A mesma figura que me trouxe até a borda desse rio é o monstro que se esconde embaixo da minha cama, e que me faz temer todos os dias o meu amanhã. E a cada novo amanhã que chega, eu choro em desespero, pensando em ter de passar por todo o terror que a dor me causa por mais um dia.

Espero que morrer doa menos do que eu imagino, e que verdadeiramente não exista nenhuma alternativa. Odiaria ter minha morte manchada por uma outra solução simples que não escolhi.

Mas, não acho que possa fazer mais alguma coisa. Amei intensamente, expus meus sentimentos, fui gentil com os sentimentos alheios, e sonhei com uma vida melhor. Mesmo agora, ainda permaneço com resquícios de esperança frustrada.

Frustrada pelo beijo que não ganhei, pelo abraço que não durou tanto quanto eu precisava, pelas palavras de carinho que tanto precisei nas madrugadas de desespero, e por ninguém ter notado minha dor.

E eu escreveria páginas inesgotáveis da dor que senti, e mesmo essa dor foi demonstrada, afinal, eu vivi com tudo que pude. Mas que droga, por que ninguém genuinamente levou meus problemas a sério?

É assim que o amor vira ódio? Ódio pelo abandono, pelas incertezas, pelas desculpas, pela falta de atenção nos meus pequenos detalhes. Eu sempre quis ser algo além, mas eu sou humana demais para suportar o processo.

E mesmo essa fala é falsa, pois ser humana não tem nada a ver com isso, eu sou medrosa.

Por isso, quando a água fria enfim me sepultar em seu fundo, e eu fizer parte de seu ciclo, espero que ainda mais morto esteja o meu medo, e o desespero que me fez chegar até aqui.

Que eu possa ser firme o bastante para suportar ao menos a última das consequências, da última ação que fiz. Que eu seja resiliente para encarar a face da morte e não me encolher, e que cada pessoa que lembrar de mim, chore ao menos um pouco com minha partida, para finalmente algo em minha história tenha válido a pena.

Eu vou pular, mesmo com medo. E espero grandemente que quando meu último suspiro chegar, o suspiro que vem com o impulso de meu pulo para a profunda escuridão do fim, eu não me arrependa.

Não preciso de mais nenhum arrependimento.

Sou a forma frustrada de um ser humano infeliz e fútil, e incapaz de perceber as belezas da vida pela cegueira de meus medos e incertezas. Eu amei com tudo, e mesmo agora eu odeio todos por não estarem aqui para me impedir.

Mas eu não posso mais pensar nisso.
Afinal, é a minha escolha final, que vai definir quem sou, ou fui nesse mundo tão grande, é a minha marca, meu protesto... minha decisão, e odiaria que ela durasse apenas o tempo de meu últimos suspiro.

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