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Maya Sanches. 🕸️

Eu deixei o morro a uns anos, eu não queria na época, mas entendia meus pais, entendia a preocupação pela minha educação, qualidade de vida, e poder viver com a tranquilidade de que eu teria um grande futuro profissional pela frente.

Não era como se eu fosse próxima das coisas que aconteciam no morro, próxima da violência recorrente, das drogas, bebidas, e todo tipo de coiso suja que você consegue imaginar.

Nem das pessoas, nunca fui, talvez não por opção minha, meus pais pegavam pesado quando se tratava disso, eu via a preocupação clara nos olhos deles quando me viam tendo qualquer tipo de proximidade com aqueles que foram sempre tão julgados por seus ideais.

Eu tinha uma amiga, apenas uma, ela era minha rede de apoio, e doeu como o inferno deixar minha morena. Sem duvidas, foi a pessoa que me fez duvidar da vontade dos meus pais de saírem do morro. Me deixava apreensiva a ideia de que perderia quem mais me fazia bem nesse mundo.

Eu nunca soube realmente as coisas que rolavam na favela. Ouvi por muito tempo as pessoas falando, via as notícias, o que estava na visão de meus olhos e o que meu ouvido conseguia captar eu sabia, mas por trás daquilo tudo? O que realmente acontecia? Nunca soube.
Eu tinha uma curiosidade, uma vontade louca de conhecer, de entender, sentir aquela adrenalina que falavam tanto. Mas eu sabia que era doideira minha. Considerei por muito tempo um surto de adolescência, eu sempre tive a melhor educação, os melhores conselhos, não colocaria tudo a perder por curiosidade passageira, certo?

Eu também tinha muito medo, medo de tudo, dos traficantes, das armas, das mortes, daquele mundo que ao mesmo tempo que parecia oferecer tanto poder, fazia você sentir pavor da violência, do terror demasiado.
E tinha nojo, nojo das drogas, das mulheres sendo objetificadas sem mais nem menos, nojo de tudo isso que era tratado como algo normal.

Foi então, que com 15 anos eu deixei o Vidigal, deixei o lugar que por muito tempo foi considerado minha casa.

Meus pais realmente tinham uma preocupação em relação ao meu futuro, a nossa família, segurança, eu sabia disso, mas ninguém foi morar ali por opção. Eles tinham uma condição ruim, não podiam mais pagar o aluguel da casa, as contas estavam atrasadas.. tudo indo por água abaixo. Então tomaram a decisão de ir para o morro, quando eu ainda era uma garota.
Com uma facilidade estranhada por minha mãe, meu pai conseguiu uma casa no morro, mesmo com muita relutância, fomos aceitando, já que não havia outra escolha, ou isso, ou morávamos na rua.

Mas eu sabia que meu pai trabalhava duro, sabia que a meta dele era tirar a gente da favela.

Ele conseguiu, depois de muito tempo de trabalho duro ele conseguiu. Noites trabalhando, dias fora de casa. Me encheu de orgulho.

Mas, infelizmente, ele não era eterno. Câncer no Pulmão. Quando fez dois anos da descoberta do câncer, meu pai morreu, deixou eu e a minha mãe.
Ele me deixou. Algo que eu nunca imaginei que aconteceria tão cedo.

O tratamento, a morte, as contas e os meus estudos, a gente não ia conseguir bancar tudo. O tratamento ainda estava sendo pago, a gente parcelou e se esforçou muito. Mas não foi possível.

Com muita força, eu e minha mãe decidimos, vamos voltar para o Vidigal.

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