Capítulo 2 - O Príncipe vai chegar

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As três crianças estavam deitadas sobre os pedregulhos, na margem do rio, bem à beirinha do curso da água. Os meninos, mais velhos que Selena pouco mais de um ano, gostavam de irritá-la, usando dessa pouca diferença de idade entre eles para se mostrarem mais espertos que ela.

Só nesse dia, fizeram com que ela engolisse três piabinhas vivas, convencendo-a, de que era só engolir que ela poderia mergulhar no rio e nadar feito um peixe. As piabinhas passaram por sua garganta fazendo cócegas até chegar em seu estômago. Selena mergulhou e sentiu seu corpo se afundar feito um machado sem cabo. Nas três tentativas, bebeu tanta água que sua barriga estava estufada.

Enquanto os três descansavam, estendidos à beira da água, Selena correu seus dedos ao longo da superfície brilhante e fria, pensando que ainda dominaria as profundidades misteriosas daquelas águas. Ela não precisava daqueles dois engraçadinhos. Voltaria sozinha e tentaria quantas vezes fosse preciso, até aprender a nadar e mergulhar feito peixe. E depois os desafiaria e haveria de ganhar todas as bolinhas de gude, deixando os dois sem nada. E então eles iriam implorar para que ela os deixasse brincar. — "Esses dois sabichão vão ver só..." — pensou, fechando os olhos e ignorando as risadinhas deles.

— O Rei vai mandar o príncipe pra cá — disse Isaac, o mais velho dos três. Sem pressa, ele se sentou e apoiou o queixo nos joelhos dobrados — parece que vão chegar hoje de noite.

Selena abriu os olhos, olhando o vento balançar as copas das árvores. Todos os ramos se mexiam para cá e para lá, como se dançassem. A brisa mais forte espalhava as folhas em todas as direções. As mais secas, cor de bronze dourado, caiam perto deles e também sobre o rio, indo embora junto com a água corrente.

— Como sabe? — perguntou Abílio, o outro menino — Quem te contou isso? Cê qué sê sabichão demais. O que o fii do Rei vem fazer aqui nesse fim de mundo?

— Uai, tô te falando, Abílio — ele vem pro pai da Selena treiná ele.

— Meu pai? — Surpresa, Selena arregalou os olhos.

— Num falano que ele qué sê sabichão demais? Nem a Selena tá sabendo dessa história.

— Aposto que esse príncipe é fracote! — disse Selena com desdém.

— Num vai guentá dois dias treinando com seu pai — Isaac deu uma risada larga. O bicho véio é doido.

— Vai pedir arrego e chorar pra ir embora — disse Abílio.

— Com o rabinho entre as pernas — retrucou Selena.

— Será que ele sabe nadar? — divagou Isaac.

— Nem vem! Eu que vô fazê ele engolir as piabas — avisou Selena.

Os três riram tanto que quase rolaram para dentro da água.

Mais tarde, naquele mesmo dia, quando a noite já se aproximava, Selena ouviu as vozes do lado de fora. Correu para espiar um pouco olhando através da sua pequena janela. Na verdade, ainda não tinha príncipe nenhum. Mas o movimento na rua e ao lado da sua casa era intenso. Selena nunca tinha visto tanta gente estranha dentro do Recanto Sagrado.

A sua casa ficava no final da última ruazinha da comunidade, praticamente escondida entre as muitas flores que sua avó plantava pra todo lado. Na parte dos fundos, o terreno se estendia até chegar bem pertinho do rio, e ali no quintal, mais flores se misturavam às muitas árvores frutíferas e a uma grande horta medicinal. Dona Damiana, avó de Selena, era a benzedeira e curandeira local, desde que o benzedor anterior foi expulso acusado de praticar mandingas e magia negra. Mas Selena não o conheceu, isso foi antes que ela nascesse.

SELENAOnde histórias criam vida. Descubra agora