Dois dias passaram rapidamente. A taberna abriu e fechou suas portas quatro vezes. Os monstros que visitavam o estabelecimento eram recebidos com o choro de uma criatura melancólica, Joldur.
O dono da taberna não gostaria de incomodar o luto do esqueleto, porque conhecia o sentimento horrendo de perder entes queridos.
No terceiro dia, o choro cessou.
Os visitantes assíduos questionaram o dono da taberna.— Ei, Dabub, o que aconteceu com o esqueleto? — perguntou o Goblin barbudo.
— É, ele foi embora, ou só decidiu que ficaria quieto por hoje? Haha! H— continuou o lagarto, com uma cicatriz horizontal através da face e um sorriso pretensioso, gargalhando.
Dabub, o dono da taberna e respeitado Orc Vermelho, parou de secar os copos já secos, por um instante.
— Ele ainda está lá em cima. — começou, ajustando sua gravata borboleta amarela com bolinhas pretas. — Não sei se vai descer tão ce...
CREEEK
A madeira podre da escada rangeu com os passos pesados de algo que descia os andares da taberna.
A atmosfera ficou mais pesada. O vento parecia assoviar uma canção melancólica. Os monstros sentiram arrepiar seus cabelos.
Como um ceifador implacável, Joldur pôs os pés no primeiro andar da taberna, onde fica o bar. Inicialmente, os monstros encaravam o semblante distorcido do esqueleto vestido com um manto. No entanto, assim que Joldur deixou de olhar para a pedra em seu colar e finalmente levantou seu rosto, todos abaixaram suas cabeças e continuaram a beber copos vazios.
Os olhos de Joldur pareciam cavernas obscuras que sugariam a alma de qualquer ser vivo que olhasse para elas.
Um vazio interminável. Como olhar diretamente para a inexistência.
Ninguém naquele lugar ousou perguntar sobre o clima, ou sobre o duelo de sexta passada. Todos se sentiram amassados por uma pressão incomensurável. A sensação de estar prestes a ser engolido pela morte fez com que todos começassem a suar frio.
O lagarto que desdenhou do choro de Joldur sentiu sua vida passar na frente de seus olhos e desmaiou em cima de seu copo de cerveja.
Sem nem se despedir, nem agradecer, Joldur saiu pelas portas carcomidas da taberna, andando vagarosamente.
Assim que ele passou pela porta, os monstros soltaram um suspiro aliviado e voltaram a conversar normalmente.
Os sons das vozes dos monstros se dissipavam devagar enquanto Joldur trilhava seu caminho para a cidade em que Charlotte foi brutalmente assassinada. Durante todo o caminho, Joldur não disse uma palavra sequer. Ele andou em linha reta, quilômetro por quilômetro. Um monstro que antes fora um Druida agora amassava flores, assustava esquilos, destruía ninhos.
Um brilho avermelhado se acumulava no centro de suas costelas. Conforme ele andava, mais forte esse brilho se tornava.
Constantemente, imagens dos bons momentos com seus companheiros apareciam em seus pensamentos, seguidos da terrível visão de seus cadáveres sem vida. A quem ele deveria culpar? Para Joldur, a única resposta aceitável era: "eu sou o responsável por suas mortes."
Seus pensamentos foram tomados por visões assim. Uma frase ecoava em todos eles: "É culpa sua! Devia ter sido você!"
"É culpa sua! Devia ter sido você!"
"É CULPA SUA! DEVIA TER SIDO VOCÊ!"
Joldur parou de andar. O brilho avermelhado parecia mais forte do que nunca.
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A vida do Lich Solitário
FantasyRevivido sem seu consentimento e perdido da horda de mortos-vivos e espíritos, um esqueleto vagou pelo pântano até encontrar um lugar tranquilo para ficar. A partir daí, ele tenta desvendar o mistério de sua existência e a razão para vagar pelo mun...