Capítulo 9

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-Mãe, não, por favor! –Celina exclamou.

-É o melhor para você, minha filha. Será criada com todas as regalias, terá ensino e segurança. É a vida para pessoas como você.

-Mas eu não quero ir!

-É assim que tem que ser. –Sua mãe respondeu, num tom de voz fraco e triste.

-Não, não é! E a carta, por que me mostrou a carta?!

-Esqueça a carta, Celina!

-Como posso esquecer?! Foi meu pai quem a escreveu! Ela é importante para mim e tenho certeza que para a senhora também, ou não teria guardado por tanto tempo!

-Ela é só uma prova de como fui tola em acreditar num homem como seu pai! Agora ele não está aqui para nos ajudar, e você espera que uma carta escrita anos atrás tenha um peso maior do que a minha decisão?! Você vai para a academia, Celina, será instruída pelos vassalos da família ducal, quem sabe, no futuro, estará ao lado da condessa de Floris. Vai se acostumar a essa vida, tenho certeza.

-Mas não quero essa vida para mim, mãe!

-Chega! –Kira bradou. As lagrimas escorriam pelos olhos de ambas. –Não arriscarei a vida de minha única filha numa busca descabida por pessoas que não sabemos nem se ainda estão vivas! Não me importa o que seu pai tinha em mente quando escreveu a carta, mas se quisesse mesmo o seu bem, teria permanecido aqui, não ido embora!

-Por favor, pare, isso é injusto! –Pediu a menina, a voz embargada pelo choro. –Sei que ele teve algum motivo para ir embora. Tenho certeza que teve!

-É? Qual?

-Eu ... eu...

-Seu pai foi embora e a deixou sozinha comigo. Nunca se despediu. Ele a deixou para qualquer destino que lhe viesse e deixou essa carta com um sonho louco de que, de algum modo você teria uma vida impossível de obter. Mas no fim você vai estudar para ser uma serva da duquesa e da sua família, e é o melhor destino que pode esperar conseguir, graças a esse bendito dom. Não sei porque essas coisas ainda aparecem, mas se isso lhe conceder uma vida confortável, ótimo. Pelo menos terá algum valor além de enlouquecer quem os possui.

-Não ... não, não .... eu não vou! –Gritou a menina.

A mãe estava cansada de replicar as respostas infantis dada pela sua filha em seu acesso de raiva. Mas abriu a boca para uma última resposta, uma definitiva, talvez. Celina estava atormentada pelos comentários da mãe. Ela não podia pensar tão mal de seu pai. Ou podia? Não, não era possível. Ela lembrava o suficiente dele para saber que não as deixaria sem razão. E conhecia o suficiente da sua mãe para saber que ela o desejava de volta, no fim das contas. Mas as palavras eram pesadas e batiam como martelos em sua mente, ecoando, vibrando. Suas mãos tremiam.

Ela sentiu, no meio daquele turbilhão de pensamentos, a mesma coisa que sentira no templo, quando viu pela primeira vez o que sua mãe chamava de "dom" se manifestar. Mas, enquanto da primeira vez fora como pequenas gotas de água escoando pelos seus dedos, agora eles fluíam como uma tempestade, uma onda se chocando contra uma parede. E a parede estava prestes a ruir.

O chão sob seus pés começou a tremer. A menina tremia ainda mais. Queria gritar, mas as palavras ficaram entaladas em sua garganta. Sua mãe deu um passo à frente, mas o chão tremeu uma segunda vez e ela caiu para trás sentada. No instante seguinte, o chão de pedra se partiu e uma arvore surgiu no meio da sala. Os moveis foram empurrados para os lados, alguns se quebraram. O tronco inclinou-se e fez um movimento de espiral até parar de crescer. Os galhos continuavam a se expandir, as folhas nasciam e caíam, já sem vida. Quando finalmente parou, a sala estava um completo caos. A casa sentira o impacto repentino. O lustre do teto caíra, partindo-se em vários pedaços. As paredes rangiam como se o peso da casa tivesse se tornado grande demais para suportarem.

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