A TARTARUGA E A LEBRE

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O intenso verde das folhas e a larga escala na colheita do trigo revelavam o verão em seu auge. Haviam se passado cinco meses desde que Hitori iniciou o seu treinamento com a aerocinese, e estava tão bem quanto Nicha poderia esperar. A princesa optou por não contar sobre a pulseira. Arriscava imaginar que a imaturidade do pequeno ao saber da sua fácil aptidão em dominar um novo elemento pudesse o impedir de desenvolver melhor as suas habilidades, tornando-o prepotente o suficiente para estagnar-se em um nível iniciante.
Mas este tempo não resumiu-se apenas ao avanço de suas técnicas, pois agora os dois jovens estavam mais próximos do que nunca, tratavam-se como irmãos de sangue. O garoto se tornou a parte mais feliz dos dias da princesa de Astarel. Quem poderia imaginar que alguém tão áspero pudesse ter em seu interior uma personalidade doce o bastante para conquistar o coração de uma criança? Para falar a verdade, nem a própria princesa pensava algo assim.

- Hitto, traga mais ovos para mim, por favor. - Solicitou Nicha enquanto misturava a clara com o trigo no balcão. Assim como nos últimos dias, estavam preparando o café da manhã juntos. Após descobrir o passatempo preferido de Nicha, Hitori pediu para cozinhar junto à ela, mas apenas recentemente esse pedido se tornou realidade. Tentou impressiona-la despejando o conteúdo de dentro da casca, mas que saiu de forma desajeitada o bastante para chamar a atenção da princesa. Antes que pudesse corrigi-lo, Richard apareceu na cozinha pela terceira vez.

- Vossa Alteza, mais um soldado está pedindo folga para hoje. Devo conceder? - O mordomo parecia cansado por comparecer tanto no mesmo lugar e questionar a mesma coisa. Nicha confirma com a cabeça, sendo o suficiente para que Richard se retirasse dali, mas não antes de Hitori o cumprimentar carinhosamente com um "bom dia" acompanhado de um gentil sorriso uma outra vez.

- O senhor Richard já veio aqui várias vezes falando disso. O que tá acontecendo, Nic? - Hitori perguntou enquanto batia a massa em uma tigela de madeira velha com a ajuda de uma colher do mesmo material.

- Ah, é mesmo. Devia ter te contado. - Ela para de amassar a farinha e olha para o garoto. - É o Festival Cultural Astareliano.

- Festival? Eu posso ir? Será que eu poderia ter um dia de folga também? - Nic abismou-se com o olhar do pequeno quase implorando para ir ao evento. Sua expectativa com a resposta deixava seus olhos maiores do que já eram. A moça suspirou e sequer tentou recuperar a sua personalidade rígida.

- Bom, acho que sair uma vez dos aposentos do castelo não tem problema. - Afirmou, mesmo que estivesse um pouco relutante com a ideia. O garoto comemorou cantarolando e saltitando em círculos pelo cômodo, até que caiu por cima da tigela e do que tinha dentro. A massa gosmenta grudou por todo o seu cabelo agora bege.

- Tenha mais cuidado, pequeno Hitto. - Agachou-se e ajudou Hitori a se levantar, e, com um pano úmido limpou gentilmente o seu rosto.

- O que vai ter nesse festival? - Perguntou enquanto o tecido molhado viajava por sua pele. Distraída com preocupações, a moça não ouviu o menino de imediato, mas logo atentou-se a pergunta. Olhou para uma direção aleatória a fim de lembrar-se de qualquer detalhe importante que pudesse mencionar sobre o festival.

- Bom, sei que muitas coisas acontecem nele, mas o que mais me atrai é sem dúvidas a competição culinária. - Ela abriu um tímido sorriso ao se recordar dos festivais anteriores. - Muitos participantes vêm de lugares diferentes com comidas típicas, então de vez em quando pego alguma coisa que me chame a atenção.

- Por que você não participa? É uma ótima cozinheira! A melhor de todas! - Sugeriu inocentemente o garoto. Nicha negou com a cabeça.

- Temo que o meu título como princesa possa influenciar no resultado. Também não me sentiria merecedora do prêmio, então prefiro apenas expectar de longe. - Desabafou com uma voz doce. Seus olhos revelavam o desejo de competir, entretanto as razões já mencionadas sequestravam a sua esperança.

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