1° de julho

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É dezembro e faz muito frio agora. Pelos vidros enormes da sala de embarque, observo o gelo tomar conta da pista e uma fileira enorme de aviões parados. A minha intenção era conseguir chegar em casa sem transtornos, mas fui impedida por uma nevasca que chegou meio de repente - ou talvez eu não tenha prestado a devida atenção ao noticiário.

Estou voltando das minhas férias, venho de uma semana na Cidade do México. Depois de algumas horas de voo estou fazendo uma conexão em Chicago, mas a neve intensa acendeu um estado de alerta e os embarques foram todos adiados. O que era pra ser duas horas de espera já dobrou para quatro, me gerando um estresse e mau humor gritantes.

Cansada de ficar sentada ouvindo o falatório irritante de um grupo de pessoas atrás de mim, vou em busca de algum lugar para comer. Consigo achar uma cafeteria quase vazia, o que é um milagre nesse aeroporto lotado. Faço meu pedido: cappuccino e lanche natural, e me sento em uma mesa que me permite assistir o movimento da cafeteria. O lugar tem um cheiro de café tão gostoso que até alivia o meu estresse, e está muito tranquilo comparado ao vai e vem incessante de pessoas lá fora. Uma garçonete deixa o balcão e vem andando com a bandeja na minha direção, mas ela acaba desviando para a mesa ao lado da minha. Fico um pouco desapontada e pego o celular para ver o que tem de novidade, porém uma voz conhecida rouba com pressa minha atenção:

- Obrigado.

Não foi assim que imaginei encontrá-lo pela primeira vez depois de quatro anos.

Ali, sentado do meu lado, tão perto como nunca, está Carlos Sainz. Em carne e osso e não pela tela de um celular. É Carlos Sainz no mesmo espaço, no mesmo momento, sem precisar esperar os cabos enviarem minhas mensagens para ele e vice-versa. É Carlos Sainz de vários ângulos e em um tamanho real. Eu sinto meu coração acelerar como na primeira vez em que ouvi a voz dele no telefone, quatro anos atrás. Me sinto petrificada e não sei descrever bem o que está se passando dentro de mim. O tempo passou pelo rosto de Carlos, mas definitivamente está tão bonito como sempre foi. Seu rosto está mais maduro e seus traços mais fortes. Eu o vi pessoalmente apenas uma vez, mesmo assim sinto que sempre conheci os detalhes do seu corpo - e nunca os esqueci. A sobrancelha grossa, os lábios que ficam entreabertos quando ele se concentra em algo, o nariz grande e cheio de charme, a intensidade do olhar... Carlos Sainz continua magnífico, e meu coração aperta com vontade de abraçá-lo.

Ele leva a xícara de café à boca sem tirar os olhos do celular. Carlos está vestindo calça jeans, tênis branco e um suéter verde escuro com uma jaqueta cinza por cima. Como é possível alguém parecer tão mudado e na mesma medida também permanecer como era?

Eu desvio o olhar quando ele percebe que estou encarando-o, e sinto sua atenção em mim enquanto recebo meu pedido das mãos da garçonete. Enquanto pego um pouco do chantilly com a colher, me pergunto se ele também me reconheceu. Será que Carlos ainda se lembra de mim? Nós nunca nos falamos depois daquele 13 de julho, e mesmo tendo seguido a minha vida depois de um tempo sentindo sua falta, eu nunca o esqueci. Às vezes me lembro dele, lembro de nós e do que nunca pudemos ser.

Dou uma olhada rápida para o lado a fim de saber o que está fazendo, e ele ainda está me olhando. Não sou capaz de encará-lo, sinto meu corpo todo queimar, meu coração gritar e mil pensamentos correrem pela minha mente. Uma espécie de adrenalina toma conta de mim: eu estou vendo Carlos Sainz. Quatro anos depois, estou vendo Carlos Sainz pela primeira vez na minha vida. Isso faz o sentimento nostálgico ser substituído por uma dor que eu já conheço: a de quando ele me disse que estava indo embora.

Em 1º de julho de 2019 eu falei com Carlos pela primeira vez. Nunca imaginei que fosse encontrá-lo assim, de uma forma tão inesperada, repentina, não planejada. Dou um gole no meu cappuccino enquanto sou inundada pelas lembranças do meu passado marcante.

Pelo telefone | Carlos SainzOnde histórias criam vida. Descubra agora