XVIII - Encanto (Primeira Vez)

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Estou deitada sobre a maciez reconfortante da cama no quarto de hóspedes que Trygve tão gentilmente nos ofereceu. Meu corpo está esticado, enquanto meus olhos exaustos contemplam o teto de madeira acima de mim. Ainda estou mergulhada nas palavras recentes de Trygve e toda a confusão que se desenrolou há apenas alguns momentos atrás. Ainda há pensar se houve alguma possibilidade de uma batalha ter iniciado ali mesmo, ou...não sei, estou muito confusa e cansada. Ao meu lado, Fenrir também se encontra na mesma posição, com os olhos cansados fixos no mesmo teto. Um silêncio denso reina entre nós, mas uma pergunta me inquieta: por que Fenrir está assim? Seus olhos parecem vagar em um horizonte invisível, como se percorressem territórios desconhecidos em busca de respostas em sua mente, como se ele também tivesse tido alguma revelação. Ficamos assim por um bom tempo, apenas compartilhando a paz e o silencio um com o outro, até que de repente, escuto a voz do lobisomem. Ele não tira o seu olhar do teto, assim como eu em quanto eu escuto a sua voz:

-"O que Trygve disse a ti?"

Indaga ele, com uma indiferença que mal esconde uma curiosidade genuína. Fenrir estava lá fora com Farkas, mas a pergunta não parece ser um incômodo, então não vejo problema em responder. Mantendo meu olhar fixo no teto que nos cobre, revelo no mesmo tom de voz:

-"Que tenho ansiedade..."

A curiosidade de Fenrir é despertada e ele não hesita em perguntar:

-"E o que é isso?"

Tento encontrar as palavras certas para descrever algo que muitas vezes é difícil de explicar. Respiro fundo antes de responder:

-"É como se eu me preocupasse demais o tempo todo, ou algo assim."

Sua resposta é rápida e direta, como se ele tivesse capturado a essência do que eu quis dizer, E com uma leve risada ele diz:

-"É, tu realmente fazes isso."

Dessa vez, me viro calmamente para o lobisomem ao meu lado, meus olhos refletindo uma profunda preocupação enquanto me expresso:

-"Eu não tenho culpa de estar constantemente em perigo. Às vezes, isso é demais para mim."

Fenrir segue meu exemplo e vira a cabeça, seus olhos lupinos se encontrando com os meus, antes de fazer uma pergunta inquietante:

-"Acha que eles ainda podem nos matar?"

Ele se refere a Farkas e Trygve. O segredo da minha recompensa ter sido exposto de uma forma tão inesperada abalou todos nós. Suspiro fundo, desviando o olhar para o teto, enquanto respondo em um tom triste:

-"Eu não sei, talvez."

O silêncio envolve-nos novamente, e durante alguns segundos, o peso do desconhecido parece pressionar nossos corações. Então, a voz da fera ao meu lado quebra o silêncio com uma sugestão surpreendente:

-"Queres... fazer uma barricada na porta?"

A princípio, a ideia soa um tanto estapafúrdia, mas, estranhamente, não consigo descartá-la como totalmente infundada. A dúvida, o medo e a desconfiança ainda se entrelaçam em meus pensamentos. Não quero morrer enquanto durmo, nem mesmo alimentar a mínima possibilidade de que Trygve e Farkas possam ter se tornado nossos inimigos em busca da recompensa pela minha cabeça. É justo que eu pense assim? As perguntas se multiplicam em minha mente, confundindo-me e tornando a tomada de decisões um verdadeiro labirinto emocional. Desorientada, volto meu olhar para o lobisomem ao meu lado, tentando transmitir o turbilhão de sentimentos que me consome. Finalmente, com uma casualidade forçada, respondo:

-"Sim."

A palavra parece um fio frágil que entrelaça nossos destinos momentaneamente. Uma ação concreta em um mar de incertezas, mas também um reflexo da confiança que ainda existe entre nós. Se a situação é tensa, pelo menos sabemos que podemos contar um com o outro. É um conforto em meio ao caos, mesmo que se manifeste na forma de uma barricada improvisada. Após a decisão tomada, Fenrir e eu nos levantamos da cama num pulo, determinados a preparar nossa barricada improvisada. Primeiro, carrego uma pequena mesa que havia no quarto, posicionando-a estrategicamente diante da porta de madeira fechada. Enquanto isso, Fenrir, com sua força impressionante, ergue um baú pesado e o coloca em cima da mesa, fortalecendo nossa defesa improvisada. Eu rapidamente arrasto uma cadeira para complementar o conjunto. É uma barricada simples, mas acreditamos que será suficiente para impedir uma possível entrada indesejada. Após essa pequena bagunça, nós dois retornamos à cama, nossos olhos fixos na porta agora bloqueada por uma tralha de móveis. Parecemos estar à espera de que a qualquer momento alguém tente abri-la. Entretanto, uma súbita inquietação toma conta de mim, e começo a perceber que talvez tenhamos subestimado a fragilidade de nossa defesa improvisada. Afinal, nenhum móvel seria capaz de suportar o golpe furioso de um viking.

Decido compartilhar minhas preocupações com o lobisomem ao meu lado, minha voz carregada de incerteza:

-"É... Fenrir, acho que qualquer pessoa poderia facilmente passar por essa barricada."

A fera não hesita em responder, sua voz tranquila e compreensiva:

-"Mas te sentes mais segura, não é mesmo?"

Por um momento, suas palavras me fazem reconsiderar. De certa forma, Fenrir está correto. A presença da barricada, por mais frágil que possa parecer, traz uma sensação de proteção e controle sobre o desconhecido. É como se estivéssemos tomando alguma medida diante da ameaça invisível que nos rodeia. Talvez seja ingenuidade, mas, de alguma forma, também é um gesto de coragem e esperança em meio ao caos. Após alguns segundos de silêncio, escuto a voz de Fenrir, em um tom sério:

-"Como o Trygve soube da recompensa? Como ele conseguiu aquele papel?"

Questiona Fenrir com indignação. Ao abrir os olhos, respondo com sinceridade:

- "Ele disse que encontrou com alguns mercenários em um bar local. Trygve conseguiu convencê-los a entregar o contrato a ele."

Um breve silêncio se instala, e Fenrir quebra o vazio com palavras sábias:

- "Astrid, não tenha medo de usar tuas armas."

Sua voz ecoa em meu coração como uma lembrança gentil de que, mesmo nas horas mais sombrias, posso contar com seu apoio inabalável. Por um momento, sinto um misto de gratidão e frustração ao responder com um tom um pouco mais alto em frustração:

- "Eu sei! Não tenho medo, só tento evitar..."

Como pude permitir que as coisas chegassem a esse ponto? Sinto-me como uma nau à deriva, atormentada pelas cicatrizes visíveis e invisíveis de uma jornada tortuosa que poderia ter sido evitada se eu tivesse sido mais prudente, mais corajosa ou simplesmente tivesse escolhido ficar em casa...

De repente, sinto a cabeça de Fenrir se apoiar ao meu lado, e ele se deita no mesmo travesseiro que o meu em quanto a fera me observa com compreensão em seus olhos. Um pequeno bufo escapa de seu focinho, aquecendo o ar com uma mistura de afeto e compreensão. O contato próximo me faz corar, mas também sinto meu coração se aquecer. Mesmo em meio às dúvidas e arrependimentos, tenho ali um aliado, ou melhor, um amigo. As emoções transbordam dentro de mim, e a sensação de vulnerabilidade é esmagadora. Não consigo mais resistir e deixo a emoção me conduzir. Lentamente, Conforme os dias passam, percebo que Fenrir está se tornando mais tolerante ao contato físico. Lentamente, permito que minha cabeça repouse em seu peito, enquanto me aconchego ao seu lado. A ação é tão repentina que pega o lobisomem de surpresa, deixando-o sem palavras por um momento. Mas também posso ouvir sua cauda batendo gentilmente contra a cama, expondo a alegria que ele sente, mesmo que escondida em seu coração carrancudo. Confuso, Fenrir finalmente encontra sua voz e pergunta em um tom calmo e tímido:

- "Astrid, o que estás a fazer?..."

O que mais me surpreende nessa situação é que Fenrir não hesita, permitindo que eu use seu peito peludo como um travesseiro. Com os olhos fechados, eu solto um suspiro e respondo com sinceridade:

- "Eu só estou cansada, Fenrir. Obrigada por estares aqui..."

Meu gesto Pode parecer estranho, mas é uma expressão genuína de confiança e gratidão. Com a cabeça apoiada no peito dele, sinto a batida ritmada de seu coração, que parece estar um tanto acelerado. É como se cada batimento fosse uma melodia suave, acalmando as tempestades internas que habitam minha mente. Fenrir se tornou uma fonte de conforto e força em um mundo cheio de desafios e perigos. É como se, ao seu lado, a escuridão desse lugar se tornasse um pouco mais suportável. Não demora muito e então eu sinto o toque suave de um dos braços e da mão de Fenrir a me abraçar em quanto ele diz:

- '' tu és realmente uma garota estranha.''

Diz ele em um tom suave, e mesmo estando de olhos fechados, consigo sentir um sorriso vindo em sua fala. Também sinto um de seus braços gentilmente me cobrirem, em um abraço delicado. Esse gesto me pega desprevenida, mas esse questionamento apenas permanece na minha mente. Fenrir tem um coração gentil, e eu gosto de ver esse seu lado em que eu sei que ele evita demonstrar, assim, diante de tantas duvidas e medo, eu acabo por encontrar um espaço em que esses problemas não parecem mais me atingir. Sinceramente, esse não é o tipo de coisa que eu faria, e estava a espera que Fenrir negasse a minha aproximação, mas nesse momento eu senti a necessidade porque eu estou assustada. Nesse mundo tão cruel em que vivemos, nós precisamos de alguém para confiar, e eu encontrei o meu conforto em um lobisomem. Adormeço junto a Fenrir, com o coração mais sereno do que jamais esteve. É como se, ao seu lado, toda a pressão e angústia fossem aliviadas. Ainda há tantas perguntas sem respostas, e o futuro permanece envolto em incertezas, mas, por agora, encontro consolo em saber que não estou sozinha nessa jornada.

...

- '' Astrid?''

Aos poucos, a voz de Fenrir alcança meus ouvidos, chamando meu nome com urgência. Tento retomar o controle do meu corpo, mas o cansaço insiste em me arrastar de volta para o reino dos sonhos. Mesmo assim, o chamado persiste, transformando-se em uma súplica desesperada:

- "Astrid, por favor, acorda!"

A voz de Fenrir se torna mais nítida, ecoando em minha mente. Respiro fundo e tento abrir os olhos, mas opto por mantê-los fechados, emitindo um som abafado como resposta, sinalizando que estou acordada, porém à beira de retornar ao sono. Mas o chamado persiste, e dessa vez a voz de Fenrir soa um pouco mais desesperada.

-"Astrid, tu estás a babar em mim!"

Exclama ele, e suas palavras me atingem como um choque. Num susto, abro os olhos rapidamente e ergo minha cabeça do peito do lobisomem. Sinto meu rosto corando de vergonha e desesperadamente passo a mão pela boca, tentando me livrar de qualquer resquício de saliva. Fenrir também se levanta, ainda sentado sobre a cama, esfregando a coberta contra o peito.

-"Pelas barbas de Odin, eu sinto muito!"

Exclamo, envergonhada e tentando explicar meu descuido. A cena é inusitada e constrangedora, mas o que mais me abala é o receio de ter perturbado Fenrir com minha inconsciência. No entanto, quando encontro seus olhos, vejo que ele não está zangado, apenas divertido com a situação. Seus olhos azuis brilham com uma pitada de humor e ternura, desarmados pela sinceridade do momento.

-"Não te preocupes, Apenas me acordaste de uma forma... diferente"

Responde ele com um sorriso afável.
O alívio percorre meu corpo enquanto meu coração se acalma. A luz da manhã invade o quarto, dissipando a escuridão da noite. Observo ao redor, com a mente ainda cheia de incertezas. Será que alguém tentou abrir a porta durante a noite? Ao direcionar meu olhar para a barricada improvisada, percebo que ela está intacta. Por um momento, sinto uma mistura de alívio e dúvida. Será que minha desconfiança em relação a Trygve e Farkas é justificada? Será que foi realmente necessário montar essa defesa? Enquanto reflito sobre o que fazer a seguir, me pergunto se seria apropriado aparecer na cozinha para o café da manhã. Talvez seja melhor aguardar e entender melhor a situação antes de dar qualquer passo em falso. Preciso de uma segunda opinião, e é então que olho para o lobisomem ao meu lado e decido pedir seu conselho:

-"Hm... Fenrir, acha que deveríamos sair? Será que Trygve ainda irá querer nos dar abrigo?"

Fenrir se estica, espreguiçando-se em um bocejo sonoro, antes de responder com sua típica franqueza:

- "Não sei, e eu não me importo."

Sua resposta simples e direta mostra que Fenrir não está muito preocupado com o que os outros pensam ou com as possíveis consequências de nossas ações. Ele vive o momento presente, seguindo seus instintos e levando a vida como ela é. Isso me faz refletir sobre minha própria natureza, sempre tão repleta de preocupações e questionamentos. Acho que essa é a grande diferença entre mim e ele, além da sua cauda. Faço o mesmo que ele e também me espreguiço. Sinto o meu corpo estar um pouco dolorido, provavelmente por cauda do treinamento em que tive com Farkas e o Ivar, além de que não é muito confortável dormir com uma armadura, eu preciso de uma roupa mais casual, mas infelizmente toda a roupa que tenho na minha mochila está rasgada. Minha saia, minha camisa...a única peça que eu consegui recuperar foi a minha capa. Eu suspiro fundo e arrasto minhas pernas para fora da cama em quanto digo:

- '' anda Fenrir, me ajude a tirar essas coisas da porta''

O lobisomem me olha com curiosidade, mas logo entende minha intenção. Sem hesitar, ele se levanta e, juntos, começamos a desmontar a barricada improvisada. As peças de mobília que colocamos cuidadosamente são removidas uma a uma, revelando a porta de madeira que estava oculta. Fenrir pega o baú que ele havia colocado como parte da barricada e coloca-o de volta em seu lugar original, e com a porta livre, nós saímos de nosso quarto e adentramos ao resto da residência. Com passos desconfiados, nós nos aproximamos da cozinha, e uma cena inesperada se desenrola à nossa frente. A mesa está repleta de pães, frutas e pedaços generosos de carne, acompanhados por rostos familiares. Trygve, o encantador, está lá, junto com Farkas, o protetor, mas algo me surpreende: Ivar também está presente. O que ele está fazendo aqui? Quando nossos olhares se encontram, o trio nos saúda. Trygve, com seu sorriso gentil e casual, nos convida a juntar-nos a eles para o café da manhã:

-"Bom dia para vocês dois. Ainda sobrou comida, então fiquem à vontade para se servirem."

Farkas, o lobisomem de pelagem branca, também dirige palavras a nós:

-"Desculpe por não os ter chamado antes. Quando fui ver se vocês já estavam acordados, por algum motivo, não consegui abrir a porta. Assumi que não quisessem ser incomodados."

Essa é a perspectiva de Farkas da situação. Isso me faz sentir culpada por pensar que precisávamos nos proteger deles. No entanto, Farkas e Trygve não parecem aborrecidos; talvez seja apenas porque Ivar está aqui. Mesmo assim, eu sou uma tola.
Enquanto Ivar me cumprimenta com um simpático "Bom dia", sua presença ainda me deixa intrigada. Percebendo minha confusão, não hesito em questioná-lo:

-"Ivar? O que raios estás a fazer aqui?"

Com uma risada leve e descontraída, o jovem viking responde:

-"Eu vim ver o Farkas... quer dizer, também vim te ver. Nós deveríamos treinar com ele de novo."

Eu e Fenrir nos aproximamos da mesa e nos sentamos. Eu me sento ao lado de Ivar, e Fenrir senta do meu outro lado. Fico entre os dois em quanto eu comento com o meu amigo Cervus:

- '' estás realmente empenhado nisso.''

Enquanto me sirvo do delicioso pão feito por Trygve, Ivar responde com entusiasmo:

-"Claro! Aprendi muito mais com ele do que em todos esses dias de viagem com o Otrygg."

Do outro lado da mesa, ouço Farkas soltar uma leve risada, e Trygve comenta casualmente:

-"Estás a ver, Farkas? Tornaste-te uma referência para esses jovens Cervus."

É uma interação divertida e reveladora, e percebo que há um grande respeito de Ivar por Farkas, o lobisomem. É fascinante observar como a vida pode nos surpreender ao criar laços improváveis entre diferentes seres. Com certeza, algo assim jamais passaria pela cabeça de ambos no início de nossa jornada.
Ivar responde a Trygve, um tanto preocupado com a impressão que deixou:

-"Eu sinto muito, não quis parecer 'carente'. Apenas admiro um guerreiro experiente como Farkas."

Farkas, descontraído, coloca as mãos atrás da cabeça e responde:

-"Não te preocupes, garoto. Contanto que não te voltes contra mim e arranque minha cabeça, estamos de boa."

A mesa é preenchida com risadas, uma atmosfera acolhedora e amigável. Exceto por Fenrir que só esteve concentrado em sua comida, e novamente, eu percebo que ele tenta comer com mais calma. Pegando pedaços pequenos da carne e colocando na boca. Por mais que eu queria que ele não fosse tão desesperado a comer, percebo que ele não se sente muito à vontade fazendo isso. Mas por que essa mudança tão repentina de habito? Antes que eu pudesse comentar com Fenrir ou perguntar se ele estava bem, fomos surpreendidos pela voz de Ivar novamente, que agora se dirigia casualmente aos dois guerreiros:

-"É verdade essa história de 'Alfa, Betas e Ômegas'? E gravidez masculina, Cio ou coisa assim? Sempre tive essa curiosidade acerca dos lobisomens, sempre pareceu muito estranho para mim."

Farkas, que até então bebia tranquilamente, de repente seus olhos se arregalam, e ele sente a necessidade de cuspir tudo o que estava bebendo para o chão. Ao meu lado, Fenrir se engasga com o que estava comendo e repetidas vezes bate em seu peito para se recompor. Trygve, constrangido, esconde o rosto com as mãos, provavelmente sentindo a mesma vergonha que eu também experimento naquele momento. Que raios de pergunta é essa? Nunca ouvi falar de algo assim em toda a minha vida. Quando Fenrir e Farkas finalmente se recompõem, os dois lobisomens exclamam ao mesmo tempo:

-"O que!!?"

O silêncio toma conta da mesa por alguns segundos, que parecem uma eternidade. Ninguém parece saber exatamente como responder a essa curiosa questão de Ivar, e sinto que estou corando diante do constrangimento da situação, porém Ivar não compreende as próprias palavras e confuso apenas pergunta:

- '' o que foi? Foi o que o meu pai havia dito a mim.''

Trygve não resiste à piada e solta uma risada enquanto comenta:

- '' acho que o teu pai está saindo com os Lobisomens errados.''

Farkas finalmente toma a palavra, ainda um pouco atordoado, mas com a intenção de explicar de forma simples e direta:

- '' Essas histórias... São apenas lendas, Ivar. Coisas inventadas. Não há gravidez masculina nem Cio. Somos lobisomens, mas não de acordo com essas fantasias."

Fenrir suspira fundo e em quanto cruza os braços, ele diz:

- '' entretanto há sim uma hierarquia dentro do Clã dos lobisomens, mas é apenas baseada em Líder e subordinados. Sem qualquer tipo de conotação sexual, ou seja, lá o que a sua mente suja estiver a pensar.''

Indignado, Ivar exclama para Fenrir:

- '' Hey, foi só uma pergunta. Eu não sou um pervertido e também eu não me interesso por homens!''

Mas logo, curioso, o lobisomem branco pergunta a Fenrir:

- '' um clã de Lobisomens? Como isso funciona? Como eu nunca ouvi falar disso antes?''

Eu estava prestes a fazer a mesma pergunta que o Farkas. Não demora muito e Fenrir o responde:

- '' estranho, porque o clã dos lobisomens se originou nas terras do Lobo, mas enfim, colocando na linguagem dos homens, há um ''Alfa'' em que chamamos de Lider. Todo o resto segue as suas ordens com o objetivo de espalhar o caos, medo e a soberania Lupina. Fazer com que a Licantropia não seja uma maldição, e sim um presente divino.''

A preocupação e o medo me envolvem ao ouvir tais revelações. Essas informações deixam uma série de questionamentos em minha mente. Como um mundo tão complexo e cheio de segredos pode existir em paralelo ao nosso? Como a licantropia pode ser vista de maneira tão diversa, indo além das histórias de maldições. O Fenrir continua:

- '' nem todos os lobisomens fazem parte desse clã porque são burros demais e não sabem seguir uma ordem, porém muitos também optam por participar já que é o único lugar em que estaremos seguros da irá do homem.''

Isso é assustador. Percebo que Ivar também se sente incomodado. Decido comentar:

- '' mas se eles são tão do mal como diz, por que ninguém se propôs a enfrenta-los?''

Fenrir cerra um pouco os olhos e então responde:

- '' quem disse que não? Conforme os invernos foram passando, e a extinção dos alquimistas, cada vez menos Lobisomens foram aparecendo, por isso é tão difícil encontrar um outro ''Inteligente''. Como tu mesmo havia dito a mim uma vez, é só uma questão de tempo até a minha espécie desaparecer para sempre.''

Após sua frase, sinto uma ponta de vergonha e culpa me atingir. Sim, eu lembro que eu disse isso a ele a alguns dias atrás, quando comecei a viajar, mas eu estava assustada. Eu não via Fenrir como um aliado e sim um obstáculo. Eu era uma tola, mas ao mesmo tempo questiono a necessidade do Fenrir ter me lembrado disso...Então Enquanto absorvo suas palavras, Ivar decide seguir com outra pergunta, claramente intrigado pelas histórias e lendas que envolvem os lobisomens.


- '' então não há ninguém chamado de ''SN''?''

Me pergunto que tipo de coisas o Ivar ouviu sobre os lobisomens. Fenrir Desvia o olhar de todos e volta a sua atenção a comida. a fera da de ombros e encerra o assunto dizendo:

- '' espero que seja uma abreviação para Svenson''

Após isso, eu e Fenrir damos atenção a nossa refeição e nos alimentamos. Conversas casuais continuam preenchendo a atmosfera. Um momento de interação com Farkas,Trygve e Ivar. Em quanto eu termino de me alimentar, ouço a voz de Ivar a dizer:

-"Astrid, me desculpe perguntar, mas até mesmo dentro de casa vestes esse fato? Por que?"

Paro por um momento para refletir sobre a pergunta de Ivar. Estive a usar essa "armadura" preta por um bom tempo já, desde que a minha roupa em si foi danificada na noite de luar. Sinto como se até fosse uma parte de mim, mas é porque eu não tenho nenhuma outra roupa para vestir a não ser essa, então eu respondo:

-" hm...na verdade eu não tenho outra coisa para vestir"

Eu não prévia que a minha viagem seria tão conturbada. Meu plano inicial era me encontrar com Arthur e ele me levar a Rogaland. Jogo rápido, e faria a casa da minha avó um abrigo por um tempo. Ivar fica alguns instantes em silêncio até que, animado, ele diz:

-" já sei, por que não saímos para comprar roupas novas a ti?"

Me espanto com a tamanha generosidade do meu amigo. De certa forma, seria muito legal poder ter uma roupa mais confortável para dormir, pois eu tenho acordado com o meu corpo todo marcado por dormir com a minha armadura, e também não é muito confortável considerando todas as cicatrizes que tenho pelo meu corpo. Eu não me incomodo de continuar a usar esse traje no meu dia a dia, mas eu não posso aceitar, então de forma gentil eu agradeço:

-" muito obrigado Ivar, mas creio que não seja necessário"

Respondo com um sorriso tímido. Percebo o olhar do lupino ao meu lado, que me observa desconfiado de canto de olho em silêncio em quanto Ivar continua:

-" vamos lá Astrid! Pelo menos me acompanha até a forja. Preciso afiar a minha espada. Aí também podemos afiar o teu machado."

Adoraria poder passar um tempo com o Ivar, embora eu ache que não seja necessário afiar a lâmina da minha arma, mas curiosa, eu pergunto:

-" acha que o meu Gládio também precisa?"

Logo em seguida, Farkas se junta a conversa, e em um tom casual ele responde:

-" creio que não Astrid. Pelo o que eu vi, diferente do teu machado, teu Gládio está muito mais afiado e bem cuidado. O que até é estranho, já que tu dizes que não sabe usar bem o teu Gládio."

Eu suspiro fundo, eu sei o motivo, e essas palavras me trazem memórias sombrias de volta, mas tento ignora-las por enquanto, e voltar a atenção aos meus amigos. Percebendo que o olhar de Fenrir continua fixo em mim, suspiro internamente. Ele parece desconfiar das intenções de Ivar, o que me deixa um pouco desconfortável. Talvez ele ainda sinta receio de me ver envolvida com outros humanos, considerando o histórico de desconfiança que carrega, e também todos os confrontos que enfrentamos na nossa viagem, além da minha recompensa, será que Ivar sabe de alguma coisa sobre isso? Não posso me afogar em dúvidas, Ivar é meu amigo, ele jamais faria isso comigo, Então eu exibo um sorriso gentil em meus rosto e digo:

-" claro, não vejo problema."
Ivar exibe um sorriso típico. Alegre de poderes ter a minha companhia. Após isso, eu e Ivar nós levantamos, mas de repente eu sinto a mão pesada de Fenrir a segurar o meu braço bruscamente, me fazendo assustar e me virar para ele. O que deu nele? Fenrir me observa com seriedade e um toque de preocupação em quanto ele diz:

-" Astrid, sabes que não pode ser uma boa ideia sair, tu ainda estás em perigo."

Ivar estranha a interação brusca de Fenrir, assim como suas palavras, que podem não fazer sentido a ele como fazem para mim. Fenrir está se referindo a minha recompensa. Eu ainda sinto uma leve frustração por Fenrir estar sendo tão protetor, mas por um lado o lobisomem tem razão, mas de repente, a voz poderosa de Trygve escoou pela sala, que em quanto ele se levanta da cadeira, com o ar de sabedoria e uma postura confiante ele diz:

-" deixe ela ir Fenrir. Eu tenho certeza que o Ivar irá protegê-la de qualquer perigo. Não é?"

Com a pressão silenciosa de Trygve, Ivar se viu inesperadamente em uma posição de responsabilidade. A intensidade do momento o pegou de surpresa, mas ele reagiu rapidamente, batendo com a mão no próprio peito e falando com convicção:

-" vocês tem a minha palavra!"

A seriedade do juramento de Ivar foi capaz de dissipar parte da tensão no ambiente. Fenrir desvia o seu olhar de nós, em uma expressão cabisbaixa em quanto ele lentamente solta a sua mão do meu braço. Eu agradeço a preocupação Fenrir, mas eu ficarei bem. Ansioso, Ivar já se dirige para a porta que acessa o interior de Garoar em quanto exclama:

-" Vamos Astrid!"

Antes de seguir Ivar, eu dou um última olhada no Fenrir, que ainda mantém o seu olhar desviado para a comida que está a comer de forma lenta e civilizada. Sentindo uma leve pontada de compaixão por dele, pois eu sei que ele ainda se sente incomodando com Ivar, então eu gentilmente pouso uma das minhas mãos no seu ombro forte e peludo em quanto digo em uma voz calma:

-" eu volto logo"

Fenrir não responde e continua quieto em quanto mastiga o seu alimento com a boca fechada. Com passos calmos eu me afasto da mesa e vou me vestir. Visto a minha capa, o meu cinto, e também levo o meu cantil, após isso vou até Ivar em quanto eu escuto Farkas, o lobisomem loiro a exclamar em um tom cômico:

-" Divirtam-se crianças!"

Ao me juntar com Ivar, deixamos a residência de Trygve e com passos calmos, exploramos Garoar. A brisa da manhã é confortável em quanto o frio matinal nos atinge diante de um céu azul. Talvez eu ainda consiga fazer com que Ivar compreendesse melhor sobre os Lobisomens, e principalmente Fenrir. Nossas botas afundam nas estradas de terra em quanto escuto Ivar a falar:

-" Astrid, estou preocupado contigo."

Diz Ivar em um tom calmo. Eu levanto uma das minhas sobrancelhas em quanto olho para o viking ao meu lado. Aconteceu alguma coisa? Confusa eu pergunto:

-" por que?"

Logo, Ivar responde:

-" é o Fenrir Astrid, ele parece ser um tanto autoritário ao teu lado. Não viste a forma que ele segurou o teu braço?"

Comenta Ivar preocupado. Não é como se ele tivesse me machucado, mas eu compreendo a desconfiança de Ivar, então para tentar acalma-lo eu decido comentar:

-" Ivar, ele é só um amigo. Eu disse a ti que ele fica muito desconfortável perto de estranhos."

Ivar parece ceder diante de minha teimosia, suspirando profundamente. Ele ainda está um pouco apreensivo, mas respeita minha decisão, e então diz:

-" bem, eu não ficaria surpreso se ele se voltasse a ti, Astrid, sem contar que o apelido que tu deste a ele não é nem um pouco convidativo."

Diz Ivar a se referir ao nome "Fenrir" o lobo do Ragnarok. Ivar pode ter razão sobre isso, mas o meu Fenrir e o Filho de Loki não são a mesma pessoa, mas a ideia de Fenrir se voltar contra mim não soa nem um pouco agradável, e dói em meu coração apenas por pensar. Enquanto me aproximamo da forja ao lado de Ivar, vemos o ferreiro trabalhando diligentemente em algum equipamento poderoso. A imagem do martelo batendo no aço me lembra e o som do metal me trás de volta uma sensação de nostalgia da pequena vila do cervo. Perto de onde eu moro há uma forja e eu sempre ouvia esse som todos os dias. Como eu sinto saudades de casa. Eu e Ivar nos aproximamos de um senhor de pele escura a vestir um casaco de pelo. Ivar é o primeiro a falar, e em um tom casual e confiante ele diz:

-" Bom dia Senhor. Estás muito ocupado?"
O ferreiro da uma última martelada no metal antes de olhar para Ivar. O ferreiro, com as mãos sujas de fuligem, olha com desconfiança para Ivar. Sua voz grave e ríspida não demonstra muita paciência para lidar com visitantes:

-"Ocupado demais esperando clientes. O que tu queres, garoto?"

Ivar, determinado, puxa a espada da bainha, e um som agudo e metálico ecoa no ambiente. A lâmina reluzente revela uma obra de arte, com um guarda-mão imponente em forma do "elmo do terror". Ele explica:

-"Eu apenas gostaria de afiá-la. Perdeu um pouco do corte e..."

Nesse momento, Ivar olha para mim e pede:

-"Astrid, mostre-me o teu machado."

Timidamente, retiro o meu machado do cinto e entrego-o a Ivar, que o examina com cuidado. O ferreiro observa a interação com curiosidade, ainda sem baixar completamente sua postura defensiva. O ambiente quente da forja me faz pensar que eu nunca estaria em um lugar como esse. Na verdade, nunca pensei que estivesse a segurar armas e aprendendo a lutar. Essa é uma reflexão frequente, sobre como a vida nos obriga a fazermos coisas que em princípio não faríamos. O ferreiro segura a espada e o machado em suas duas mãos em quanto ele as analisa brevemente em quanto comenta:

-" é, é uma bela arma que vocês tem. Só esse machado que parece ter tido muito história."

Parece que foi um elogio sobre o meu machado. Todas as lutas em que eu estive com ele eu não fiz nada mais do que cortes superficiais nos outros. Esse machado pertence ao meu pai, e pensar que esse meu meio de defesa ceifou a vida de muitas pessoas...é assustador. De repente, eu lembro que sai de casa dema minha mochila, e o meu dinheiro havia ficado dentro dela. Sinto um leve gelo em meu coração, assim como um pouco de desespero em meu corpo. Eu rapidamente me viro para Ivar, e digo:

-" droga, eu me esqueci! Ivar, eu estou sem dinheiro, então...eu vou ficar só a sua espera tudo bem?"

Disse, tentando manter a calma, mas meu coração batendo descompassado e a minha voz tímida entregava minha inquietação. Tentei disfarçar, mas era evidente que meu desespero e preocupação haviam se mostrado aos olhos atentos do jovem Viking. Então, para minha surpresa, Ivar respondeu com uma calma reconfortante:

-"Hey, Astrid, calma, não te preocupes com isso, eu pago para ti."

Naquele momento, meu coração acelerou ainda mais, e a gratidão encheu meu peito pela gentileza inesperada de Ivar, mas ao mesmo tempo, não quero parecer inconveniente. Me sinto envergonhada e decido comentar. Nervosa, eu digo:
-" muita obrigada Ivar, mas é sério...não precisava fazer isso por mim."

Ivar solta uma leve risada. Percebi que não vou conseguir convence-lo do contrário, e então ele diz:

-" tarde demais Astrid, eu já fiz."

Dessa vez, me contive timidamente, mas com o coração repleto de gratidão pelo que meu amigo acabara de fazer por mim. O Ferreiro, com sua experiência hábil, assegurou que não levaria muito tempo, pois nossas armas estavam em excelente estado, destacando especialmente a imponente espada do Ivar. Assim, pacientemente, aguardei ao lado de meu amigo. Constantemente eu observava o semblante confiante de Ivar, maravilhando-me com sua postura orgulhosa ao representar os Guerreiros do clã do Cervo. Ele parecia verdadeiramente feliz por ter uma vida repleta de aventuras e perigos emocionantes. Enquanto eu o admirava, uma parte de mim desejava ter essa mesma visão otimista da vida, de enfrentar desafios com coragem e determinação.

No entanto, ao desviar o olhar para minha mão esquerda enfaixada, eu me deparava com a dolorosa realidade que assombrava meus pensamentos. O vazio em meu anelar, resultado de uma perda irreparável, era uma constante lembrança de perigos muito maiores do que eu poderia enfrentar. Não era essa a vida que eu havia sonhado ou desejado...

Meus dedos gentilmente se fechavam, e eu tocava o espaço vazio entre o meio e o mindinho, uma ausência que nunca me acostumaria a aceitar. De repente, a voz de Ivar irrompeu meus pensamentos, tirando-me temporariamente do transe doloroso:

-"Astrid? Estás bem?"

Ele perguntou, preocupado. Eu me recomponho, desviando a tristeza e quanto repondo:

-" oh, claro. Eu só estava a pensar..."

Ivar suspira, e com um sorriso singelo, ele responde:

-" Astrid, sua mente inquietante me fascina."

Eu olho confusa para Ivar em quanto pergunto:

-" o que queres dizer?"

Após uma leve risada, Ivar proferiu palavras que me surpreenderam e tocaram meu coração:

-"Não és mais a mesma Astrid, tu com certeza amadureceu, e eu gosto desse novo... você. Até a roupa preta."

Seus elogios sinceros aqueceram minha alma, como um raio de sol atravessando as nuvens escuras de minhas inseguranças. As palavras de Ivar ecoavam em minha mente, e eu me sentia grata por ter alguém que reconheça os meus esforços, mesmo nos momentos em que eu mesma duvidava de minha força.

Em um gesto inesperado, Ivar segurou o cabo do meu machado, com a lâmina virada para ele, apontando o cabo da arma em minha direção. Percebi que, durante esse tempinho, o ferreiro já foi capaz de terminar o seu serviço, e eu nem percebi. Surpresa e agradecida, peguei meu machado de volta com uma das minhas mãos. Eu olho para parte plana da lâmina do meu machado, e eu gentilmente passo o dedo através dos desenhos e símbolos nórdicos que compõe o seu design. sentindo a textura suave do metal deslizar entre meus dedos.

Enquanto segurava a arma recém-afiada, notei algo diferente nela. A lâmina brilhava com um novo fulgor, como se tivesse ganhado uma nova vida. Cada detalhe parecia mais nítido, e senti uma conexão ainda mais forte com essa fiel companheira que me acompanha nessa jornada. Me senti como se eu fosse capaz de enfrentar qualquer coisa. Ao meu lado, Ivar coloca a sua espada de volta a sua bainha em quanto diz animado:

-" agora sim eu sinto que posso enfrentar o Farkas. Oh, na verdade, melhor ainda, eu posso mostrar o meu valor para o Otrygg."

Caminhávamos lado a lado para fora da Forja, desfrutando de um momento descontraído pelas ruas movimentadas de Garoar. Sua determinação era inspiradora, e eu sorri ao vê-lo tão confiante em si mesmo.

-"não pretendes matar o Farkas não é?"

Digo casualmente em um tom cômico, em quanto Ivar diz:

-" o que? Não, ele é o meu mentor."

Casualmente, eu comento:

-" acho que deverias ter mais medo do Trygve do que do Farkas. Ele fará de tudo para proteger o amigo dele."

Ivar coça a cabeça em quanto responde:
-" ainda acho uma amizade entre humanos e lobisomens improvável"

Eu suspiro fundo. É até irônico Ivar dizeres isso mesmo admirando Farkas, mas parece que será difícil de fazer Ivar mudar de ideia sobre o assunto. Após isso, eu e Ivar me leva até o acampamento dos Cervus. Há menos gente do que da outro vez. Provavelmente o resto do pessoal está trabalhando nas suas próprias missões, ou ajudando na reconstrução da ponte de Nordkrage. Ao entrar no acampamento, sou recebida por comprimentos e elogios. Admito que fico tímida diante de toda atenção, mas ao mesmo tempo, é bom porque me faz me sentir em casa. Ivar me apresenta outros Cervus de outros vilarejos, e ficamos imersos em suas histórias e conquistas. Eles contam das suas aventuras, das pilhagens que participaram, dos oponentes que enfrentaram com tanto entusiasmo e orgulho que até me faz pensar que a vida de um Guerreiro seja divertida e emocionante. Estamos todos sentados em um banco largo, provavelmente feito aqui mesmo em Garoar em volta de uma chama acolhedora. Curiosa, meus olhos se fixaram em um indivíduo que se destacava entre os demais guerreiros presentes. Assim como eles, ele emanava uma aura de força formidável, mas era impossível ignorar a ausência de seu braço direito, além das inúmeras cicatrizes que marcavam seu corpo. Seu olhar carregava um peso triste, como se estivesse distante da folia que o rodeava.

Decidida a saciar minha curiosidade, me aproximei de Ivar e sussurrei em seu ouvido:

-"Ivar, quem é aquele homem? O que aconteceu com ele?"

Ivar se virou para mim, seus olhos carregados de uma mistura de respeito e compaixão, e respondeu:

-"Aquele? Já comentei dele contigo antes, ele é o Thoraldr, ele é da capital. Um lobisomem arrancou o braço delena viagem."

Ouvir aquela revelação me deixou atônita. Thoraldr, o guerreiro corajoso que enfrentara a fúria de uma criatura tão poderosa e saíra marcado para sempre. Senti meu coração se apertar ao imaginar as batalha que ele travara e as dores que enfrentara. E eu tenho uma relação direta com a raça que foi capaz de fazer isso com ele, então é assim que são os sobreviventes de um ataque de lobisomem. Eu também sou, mas as com certeza meus machucados não se comparam com o dele. De repente, entre as barracas, um homem forte emergiu vestindo trajes mais casuais, mas seu rosto era inconfundível. Era Otrygg, carregando uma rede de pescas com muitos peixes em suas costas, seguido por outros Guerreiros. Decidido a aliviar o peso em suas costas, ele jogou a rede ao chão, revelando uma pilha abundante de peixes. Com um sorriso confiante, Otrygg anunciou:

-"Almoço, rapazes!"

Os outros Vikings prontamente ergueram as mãos em celebração, comemorando a chegada do tão aguardado alimento. Os guerreiros responsáveis pela preparação das refeições logo se puseram a trabalhar, acendendo fogueiras e preparando panelas para cozinhar os peixes e alimentar todo o clã. Enquanto a atmosfera festiva se desdobrava ao meu redor, Otrygg notou minha presença e, com um sorriso caloroso, se aproximou:

-"Astrid! Bom vê-la aqui. Vais se juntar a nós no almoço?"

A interação repentina de Otrygg me pegou de surpresa, e eu me vi em um dilema. Ponderei sobre seu convite generoso para o almoço, sabendo que Trygve, provavelmente estaria preparando uma refeição deliciosa nesse mesmo momento. Sentimentos de gratidão e lealdade lutavam em meu coração. Enquanto refletia sobre a decisão, percebi que Ivar, ao meu lado, insistia para que eu ficasse. Seus olhos expressavam um desejo sincero de minha companhia, e eu não queria decepcioná-lo nem desapontar Otrygg, que havia estendido sua hospitalidade tão gentilmente. Decidi que não seria desumilde se aceitasse o convite de Otrygg e aproveitasse um pouco mais do tempo ao lado de Ivar e dos outros guerreiros. Com um sorriso no rosto, respondi a Otrygg:

-"Sim, eu adoraria!"

Ao aceitar o convite, senti um alívio interno e alegria por compartilhar aquele momento especial com o meu povo. O clima festivo e a camaradagem que permeavam o ambiente eram contagiantes, e eu sabia que não me arrependeria de minha escolha. Acomodei-me entre os guerreiros, desfrutando da companhia e das histórias compartilhadas. O aroma dos peixes grelhados pairava no ar, aguçando meu apetite. Enquanto partilhávamos risadas e brindes em celebração ao nosso clã. senti-me conectada àquela irmandade única que encontrara nessa jornada.
Logo, o almoço estava pronto, e todos se deliciavam com o peixe tostado. O aroma delicioso envolvia o ar. Se eu ainda estivesse viajando, teria feito qualquer coisa para poder experimentar um peixe tão suculento e saboroso. Embora a culinária daquele acampamento não pudesse se comparar à habilidade de Trygve na cozinha, ainda assim, o alimento era genuinamente gostoso e satisfatório. Conversas paralelas envolviam o local, todos estavam reunidos, porém, de repente, vemos Otrygg a levantar-se de seu lugar, com uma séria expressão em seu rosto em quanto ele diz:

-" senhores, gostaria de um momento da sua atenção."

De repente, a atenção de todos se volta para o Viking ruivo que se encontrava em pé, em meio a todo mundo. Todos prestam atenção as palavras de Otrygg.

-" perto da ponte, caçadores locais encontraram vestígios do que pode ser que há um lobisomem por perto. Além do uivo que ouvimos na madrugada de ontem."

Um silêncio tenso pairou sobre o acampamento. Ouvir a menção de um lobisomem trouxe uma onda de temores e memórias de histórias antigas que ecoavam em nossas mentes. Enquanto meus pensamentos vagavam, meu coração acelerou momentaneamente, temendo que aquela criatura sombria pudesse representar uma ameaça real para o clã do Cervo, ou do Corvo. No entanto, uma parte de mim se perguntava se aquele lobisomem misterioso poderia ser Fenrir ou Farkas, dois lobisomens que haviam se mostrado amigos e aliados ao longo da minha jornada. Contudo, ao considerar sua presença na casa de Trygve, a dúvida permanecia. Seria possível que houvesse outro lobisomem rondando as redondezas?Com uma risada, um dos guerreiros decidiu intervir na conversa, tentando amenizar o clima tenso:

-"Um lobisomem? Deixe esse papel para o Thoraldr, ele é quem mais tem experiência entre nós, haha."

Uma piada de mal gosto foi feita, e os outros guerreiros riram, incluindo Ivar. Porém, Thoraldr permaneceu impassível, como se já estivesse acostumado com esse tipo de comentário. Otrygg, por sua vez, colocou uma de suas mãos na testa, visivelmente decepcionado com a falta de seriedade de alguns.

Recompondo-se, Otrygg prosseguiu com seriedade:

-"Rapazes, isso é sério. Juramos defender Garoar enquanto estivermos aqui. Já enfrentamos lobisomens duas vezes em nossa jornada, então sabemos o terror que isso representa. Se não tomarmos cuidado, podemos acabar como Thoraldr, ou pior."

O clima na roda mudou instantaneamente. A lembrança das batalhas contra os lobisomens e os perigos que eles representavam ecoou em nossas mentes. Era difícil esquecer o medo que nos assombrava durante as noites de lua cheia, quando as feras surgiam das sombras em busca de sangue e caos.

Eu também tenho minha própria memória desse momento aterrorizante, quando Fenrir me caçou implacavelmente. O pavor e a angústia que vivenciei naqueles momentos permaneciam comigo, enraizados nas minhas costas em uma enorme cicatriz. Essa conversa me fez compreender a dimensão do medo que as pessoas sentem pelas feras da noite. Otrygg continua:

-"durante as noites, será necessário que alguém nos vigie em quanto dormimos, para que assim nós não sejamos todos exterminados de uma só vez, então...Ivar? Se voluntária?"

Ao Ouvir Otrygg mencionar o nome de Ivar. O viking loiro então se levanta de seu assento, mas confuso ao mesmo tempo, então ele pergunta:

-" quer dizer que...os outros também irão ficar de guarda, não é mesmo?"

Pergunta Ivar preocupado, e então, com as mãos atrás das costas, Otrygg responde:

-" Ivar, tu já não fazes nada dentro do acampamento. Em quanto todos nós trabalhamos, tu ficas a andar por aí e fazer o que lhe der a entender, além disso, isso serviria para que tu treinasses a tua audição e atenção durante a noite, já que a nossa visão é comprometida pela escuridão."

Enquanto todos ouvíamos as palavras de Otrygg, a atmosfera no acampamento se tornou tensa. A crítica direta a Ivar sobre sua aparente ociosidade e falta de contribuição para o clã deixou o jovem guerreiro indignado e em negação gradual.As palavras de Otrygg ressoaram como um chamado para que Ivar encontrasse uma maneira de contribuir para o bem-estar do clã. Era uma lição dura, mas também uma oportunidade de crescimento para o jovem viking. Enquanto a conversa prosseguia, pude notar a feição de Ivar mudando gradativamente, passando da indignação inicial para uma negação relutante. As palavras de Otrygg pareciam mexer com seu orgulho e autoestima, colocando-o em uma posição desconfortável. Otrygg continuou, buscando conciliar seus ensinamentos com a necessidade de Ivar se desenvolver como guerreiro:

-" assim, poderás usar a parte do dia para descansar. Por favor, não penses que estou a cismar contigo, mas o resto de nós já fazemos muito, e também seria uma forma de te treinar, Ivar."

Ainda resistente à ideia, Ivar deu um passo à frente e exclamou com determinação:

-"Não! Eu posso lutar, Otrygg, eu quero lutar! Foi para isso que eu vim!

Exclama Ivar, No entanto, Otrygg, com sua sabedoria de mentor, rebateu de forma firme:

-"Quando for o momento certo, ainda tens muito a aprender."

As palavras de seu mentor pareciam acender uma fagulha de ira em Ivar. Ele ansiava por provar seu valor como guerreiro. A tensão no acampamento atingiu seu ápice quando Ivar, tomado pela emoção e pelo desejo de provar seu valor, confrontou Otrygg. Suas palavras foram impetuosas, repletas de frustração e descontentamento

-"O senhor sempre fez isso comigo, nunca me deixou mostrar do que eu era capaz!"

As palavras de Ivar ecoaram pelo ar, revelando suas profundas mágoas e anseios. Otrygg, com sua sabedoria inabalável, respondeu com serenidade:

-"Estás a agir feito uma criança, Ivar. Coloque-se em teu lugar. Tu não estás pronto para uma batalha de verdade!"

A disputa entre mentor e pupilo era algo complicado, com sentimentos feridos e uma busca por compreensão mútua. No entanto, o impulso de Ivar foi mais forte do que qualquer conselho sensato. Guiado pelo calor do momento, ele lentamente retirou a espada reluzente de seu cinto e a empunhou firmemente, decidido a provar seu valor. Todos no acampamento observavam a cena incrédulos, sem acreditar no que estava acontecendo. Eu, também tomada pela preocupação e admiração pela coragem de Ivar, não pude me calar e exclamei:

-"Ivar, chega! Isso é uma péssima ideia."

Porém, sua determinação não vacilou. Com confiança inabalável, Ivar apontou a espada para Otrygg e proclamou:

-"Então eu irei lhe provar o contrário."

Um silêncio tenso se instalou no acampamento, enquanto todos aguardavam para ver o desfecho dessa cena inesperada. O choque e a preocupação estavam presentes em cada olhar, mas também o respeito pela coragem e vontade de Ivar em lutar por seu lugar no clã. Eu sabia que aquela disputa não levaria a nada além de conflito e feridas emocionais. Otrygg era mais experiente e forte do que Ivar, e um confronto entre eles só traria sofrimento e divisão. Indignado, Otrygg que ainda estava em pé, com um olhar sério e ameaçador, ele diz:

-" estás a me desafiar para um Holmgang?"

De repente Ivar perde a sua postura e até mesmo gagueja ao responder ao seu mentor:

-" ah... não, porque eu não quero matar o senhor, assim como eu também não quero que o senhor me mate."

A tensão no acampamento atingiu um ponto crítico, e minha preocupação só aumentava ao ver a situação se intensificar entre Ivar e Otrygg. Enquanto Ivar havia decidido não prosseguir com a confrontação física, Otrygg não aceitou bem sua escolha e se aproximou furiosamente, suas palavras carregadas de raiva e desapontamento:

-"Então não tens a coragem de lutar pela própria vida. Acha que ser um Guerreiro é um título de status ao invés de responsabilidade, e é por isso que tu não estás pronto!"

A acusação de Otrygg parecia atingir Ivar em cheio, expondo suas dúvidas e incertezas sobre seu papel como guerreiro e seu lugar no clã. Eu entendia que Otrygg, como mentor, desejava que Ivar compreendesse a seriedade da situação, mas ao mesmo tempo, não acho justo ele deir deixado Ivar de lado por ele ser o mais novo. Com passos pesados e determinados, Otrygg retirou sua espada da bainha e a segurou firmemente em uma das mãos, demonstrando sua determinação em ensinar uma lição a seu pupilo:

-"Iras aprender isso da pior forma."

A situação havia se tornado perigosa e volátil, e eu desejava profundamente que a violência não fosse a resposta para resolver esse conflito. Há outras formas de resolver isso sem precisar derramar sangue ou ferir aqueles que são parte de nossa própria família. Enquanto olhava para a cena, eu ansiava que uma solução pacífica fosse encontrada, para que Ivar e Otrygg pudessem chegar a um acordo. Meu coração acelera e meu corpo treme ao ver que isso não vai acabar bem, agora o confronto entre Ivar e Otrygg parecia inevitável. Os dois se mantém frente a frente, com seus peitos expostos, tendo apenas uma camisa normal a mostrar seus braços. A armadura apenas cobriam suas pernas. Sob o céu diurno, o som do vento e as sombras das nuvens sobre o chão iam criando uma atmosfera carregada de emoções e incertezas. Ivar estava firme, segurando sua espada reluzente com mãos trêmulas, uma mistura de determinação e insegurança estampada em seu rosto, mas mesmo assim, Ivar se coloca em uma postura de combate, bem semelhante com a de Farkas, e a sua frente, Otrygg mantinha uma postura imponente, a espada em punho, expressando uma mistura de desapontamento e irritação por trás de sua expressão endurecida.

Os olhares de todos no acampamento estavam fixados naquele duelo iminente. Silêncio pairava no ar, apenas o sussurro do vento ecoavam ao redor. Era como se o próprio mundo estivesse contendo a respiração, aguardando o desfecho dessa disputa entre mentor e pupilo. Os dois guerreiros se encaravam, cada um buscando a coragem dentro de si para enfrentar o outro. Por um momento, o tempo pareceu estagnar, como se a própria realidade se curvasse à iminência da batalha.

E então, o silêncio foi quebrado pelo som do primeiro golpe, seguido por um grito de Guerra. Otrygg avançou com força e velocidade, investindo em direção a Ivar com sua espada em um arco poderoso. Ivar, em resposta, ergueu sua espada para se defender, seus olhos azuis focados e concentrados nos movimentos do adversário. Os golpes eram rápidos e precisos, com aço contra aço ecoando pelo acampamento. Ivar mostrou agilidade e destreza, desviando dos ataques de Otrygg com movimentos ágeis e bem calculados. Por outro lado, Otrygg demonstrava sua experiência e habilidade de batalha, utilizando sua força e estratégia para pressionar Ivar.

Cada movimento, cada investida, era uma dança perigosa entre dois guerreiros em busca de afirmar sua coragem e força. O clangor das espadas e o rosnar de ambos se entrelaçavam, criando uma trilha sonora de intensidade e paixão. Enquanto assistia ao duelo, minha mente se dividia entre a admiração pela coragem de Ivar em enfrentar seu mentor e a angústia por testemunhar uma disputa que poderia acabar em feridas emocionais e físicas.

Em baixo das nuvens, o duelo entre Ivar e Otrygg se desenrolava com uma coreografia hipnotizante e imponente. Cada movimento era calculado, de passos rápidos e ataques precisos. O barulho das espadas encontrando-se ecoava pelo campo, harmonizando-se com o canto dos pássaros e o sussurro da brisa. Ivar, ágil como uma raposa, esquivava-se dos golpes de Otrygg com uma destreza admirável. Seus pés se moviam em perfeita sincronia com seus movimentos, deslizando pelo chão com agilidade bem semelhante ao estilo de luta de Farkas, até mesmo na forma de segurar a espada. A espada de Ivar cortava o ar com graça, procurando por brechas nas defesas de seu mentor.

Enquanto isso, Otrygg demonstrava a força e a experiência de um verdadeiro guerreiro. Seus golpes eram poderosos e controlados, uma exibição impressionante de domínio sobre a espada. Seus olhos observavam atentamente cada movimento de Ivar, buscando identificar suas fraquezas e pontos cegos.

Creio que nesse ponto todos estão impressionados com as habilidades de Ivar com a espada. No final, ele realmente estava certo do que estava a dizer, mas infelizmente o confronto acabou tomando um outro rumo. Otrygg constantemente acertava Farkas, seja em seus braços ou em seu dorso, fazendo cortes superficiais e a derramar sangue ao chão. Eu cobri a minha boca com as minhas mãos em quanto observava a cena. Quando Otrygg se aproximou o suficiente de Ivar, Otrygg lhe deu um soco poderoso contra o abdômen de Ivar, forte o suficiente para deixar Ivar atordoado e soltar a sua espada. A espada de Ivar cai ao chão, e o som metálico ecoa pelo acampamento. Em seguida, Otrygg, com um único movimento estaca a sua própria espada ao solo gramoso da natureza, e deixa as suas duas mãos livres, e começa uma sequência de socos impetuosos contra o rosto de Ivar. O som de carne e impacto é poderoso e ouvido por todos do acampamento que observam a cena ainda incrédulos. Otrygg Dava um soco com cada mão por vez. Ivar já estava enfraquecido, e então, para finalizar. Otrygg carrega o jovem Viking por cima de seus ombros, e em um movimento forte, seguido por um grito másculo, Otrygg arremessa Ivar contra o chão. Estava claro quem havia ganhado a disputa. Preocupada, eu exclamou o nome do derrotado em quanto eu corro até ele para socorre-lo.

Ivar está ao chão. Eu me agacho seu lado. Preocupada eu dou uma breve analisada sobre o seu estado. O rosto de Ivar está inchado seguindo de alguns cortes superficiais. Ele ainda está respirando, ele está vivo. O que me faz soltar um suspiro em alívio. Otrygg pega a sua espada de volta do chão, e então, de forma firme, ele diz:

-" com isso aprendeste três coisas, Ivar. A primeira é que tu nunca deves se voltar contra mim. Segundo, nem uma briga de verdade, ninguém terá piedade de ti, e terceiro, Não Estás Pronto!"

A voz poderosa de Otrygg escoou pelo acampamento. Todos os outros Vikings presentes estão sem graça, e não sabem o que dizer. Otrygg, chuta a espada de Ivar pelo chão, fazendo ela se arrastar até nós, e então Otrygg se afasta. ainda atordoado, Ivar tenta se levantar, e ele pega a sua espada. Eu faço com que ele se apoiasse em mim e o ajudo a se levantar. Seus olhos estavam baixos, carregando um misto de vergonha e frustração. Eu podia sentir o peso da derrota em seus ombros, então eu apenas ajudo Ivar a said do acampamento. Com o seu braço direito sobre o meu pescoço, e passos mancos, eu e Ivar nos afastamos do acampamento. Eu até posso entender o ponto de Otrygg, mas essa violência foi completamente desnecessária. Com o Ivar ao meu lado, preocupada, eu pergunto:

-" Estás bem?"

Um pergunta um tanto idiota, mas precisei perguntar por educação. Ivar suspira fundo e então ele diz:

-" sim, eu estou. Eu só..."

Ivar se perde nas palavras por um momento. Ele fica a pensar no que dizer por alguns segundos, e logo ele diz em quanto retira o braço trás do meu pescoço.

-" eu só preciso pensar um pouco."

Disse Ivar em um tom sério, desviando o olhar por um momento. Suas palavras ecoaram no ar, carregadas de uma emoção que ele não conseguia expressar completamente. Eu podia sentir que o confronto estava o incomodando profundamente. Assumi que ele quisesse passar um tempo consigo mesmo. Com o coração cheio de compreensão, eu respondi com delicadeza:
-"Tudo bem, Ivar. Estarei aqui se precisar de mim. Mas saiba que tu nunca estará sozinho em tuas lutas."

Ivar parecia ponderar minhas palavras por um instante, antes de responder:
- "Não, tudo bem. Podes vir comigo."

Percebi um leve sinal de alívio em suas palavras e, respeitando seu desejo, decidi acompanhá-lo em sua caminhada. Enquanto caminhávamos em direção à densa floresta da montanha, o silêncio envolveu-nos como uma névoa, mas não era um silêncio desconfortável. Era o tipo de silêncio que compartilhamos com alguém que conhecemos profundamente, um silêncio que carrega a cumplicidade de uma amizade verdadeira. O vento sussurrava entre as folhas das árvores, criando uma melodia suave que parecia acalmar nossas inquietações internas. A luz do sol filtrava-se pelas copas das árvores, criando um jogo de sombras e raios de luz que dançavam em nosso caminho.

Ivar caminhava à minha frente, seus passos firmes, mas seu semblante melancólico revelava uma vulnerabilidade rara de se ver. Eu nunca o havia visto daquela maneira antes. Eu não queria pressioná-lo com palavras, então optei por respeitar seu espaço. Em silêncio, acompanhei-o, sentindo sua energia conflituosa ao meu redor. Era como se o ambiente da floresta refletisse as emoções que Ivar carregava em seu coração. À medida que nos adentrávamos mais na floresta, eu percebia que a natureza ao nosso redor funcionava como um bálsamo para a alma atribulada de Ivar. As árvores altas e imponentes pareciam protegê-lo, enquanto o chão macio e coberto de folhas amortecia nossos passos. Não demora muito, e logo, nós encontramos próximos há um lago. O lago à nossa frente refletia a beleza do céu azul, criando uma pintura perfeita em sua superfície calma e cristalina. As margens estavam adornadas por uma profusão de flores coloridas, criando um jardim natural de rara beleza. A luz do sol penetrava entre as folhas das árvores, criando um mosaico de sombras e raios dourados, como se a própria natureza quisesse enfeitar aquele cenário.

Fiquei maravilhada com a cena diante de mim, sentindo-me envolvida pela serenidade do lugar. Cada detalhe parecia perfeitamente orquestrado pela natureza, como se a floresta tivesse escolhido aquele local para nos mostrar sua essência mais pura. Ivar, por sua vez, estava sentado em uma rocha próxima ao lago, sua expressão ainda carregando um misto de melancolia e contemplação. Ele parecia mergulhar nos próprios pensamentos, buscando respostas para as perguntas que o atormentavam.

Aproximei-me lentamente, respeitando seu momento de introspecção. Me sentei ao seu lado. Ficamos em silêncio a admirar a paisagem. Não demora muito, e então escuto a voz melancolia de Ivar ao meu lado:

-" eu não queria que tivesse visto eu apanhando daquela forma. Foi vergonhoso."

Eu escuto atentamente as palavras de Ivar, e sinceramente, eu fico surpresa que no final de tudo essa era a sua principal preocupação, mas eu compreendo o seu lado. Então em um tom de voz calmo, e sinceridade, eu digo:

-" eu não posso negar, Ivar, não deverias ter sido tão imprudente, mas ao mesmo tempo, eu admiro a sua coragem. Eu queria ter essa mesma empolgação que tens."

Digo com um sorriso singelo. Ivar vira o seu rosto para mim, em quanto presta atenção em minhas palavras. Fico um pouco nervosa, mas mesmo assim eu continuo:

-" eu passei a minha vida inteira na proteção dos meus pais, e nunca soube lidar com o mundo da forma que ele realmente é, e por causa disso, a vida foi muito árdua comigo..."

Gesticulo, levantando o meu braço esquerdo, e fechando a linha mão lentamente. Para demonstrar a minha mão de quatro dedos. Uma das lembranças mais dolorosas. Ivar observou minha mão com ternura e compreensão, como se entendesse a cicatriz que carregava em meu coração. Era como se ele visse além das aparências e conectasse-se à minha essência, enxergando a pessoa que eu realmente era. Ivar com a sua outra mão esquerda, gentilmente cobre a minha. O toque gentil da mão de Ivar sobre a minha fez meu coração disparar, e um arrepio percorreu minha espinha. Aquela simples ação transmitia mais do que mil palavras poderiam expressar. Era um gesto de carinho e cumplicidade, que me deixava acanhada e sem palavras. A brisa suave continuava a envolver-nos, como se a própria natureza estivesse testemunhando aquele momento de intimidade entre nós. Meus cabelos ruivos dançavam ao vento, e eu me sentia conectada com cada partícula daquela paisagem encantadora, e com uma voz calma, eu escuto Ivar.

-" a pior parte é que eu sei que o Otrygg está certo. Eu só queria ser igual ao meu Tio ou ao teu pai Astrid. Destemidos e fortes para proteger as suas famílias, e eu queria proteger você, Astrid."

Meu coração deu um salto e meus olhos se arregalaram diante de suas palavras. Fiquei sem ar por um momento, sem saber o que dizer ou como reagir. Será que há alguma possibilidade de Ivar ter... sentimentos por mim? A proximidade entre nós era intensa. Mesmo nervosa, eu me engasgo com as palavras e tento dizer:

-"Tu já és forte e destemido, Ivar. Tens tem uma coragem inigualável, e sua determinação para se tornar um guerreiro é admirável."

Encarei-o com ternura, nossos olhos se encontrando em um momento de cumplicidade. Eu podia sentir o calor de sua mão sobre a minha, uma conexão que transcendia as palavras e nos unia em um laço especial. Então Ivar diz:

-" eu ainda me sinto mal por não ter avisado a ti sobre o dia que eu partiria para essa jornada, e tu era a última pessoa que eu esperava encontrar, e te ver aqui, comigo enche o meu coração de alegria. Tu me dá as forças que eu preciso para poder continuar a seguir em frente..."

Diz Ivar com ternura em quanto ele gentilmente aproxima o seu rosto do meu. Eu estranho a sua aproximação, mas logo eu percebo a sua real intenção. Meu coração acelera e meu rosto ruboriza ao perceber o que estava prestes a acontecer, eu permaneço estática até que de repente, eu sinto os lábios de Ivar tocarem os meus, em um beijo lento e carinhoso. Sou pega em um encanto. Ivar fechava seus olhos diante ao ato, mas eu não conseguia me controlar, estava muito nervosa, essa foi a primeira vez em que alguém me beijou na vida! Após o beijo, nossos olhares se encontraram. Estava nervosa, e isso era visível na minha face, mas Ivar tinha um olhar sedutor, e ele diz:

-" eu gosto de você Astrid..."

Sinto como se eu pudesse desmaiar a qualquer momento. Nunca na minha vida eu pensei que pudesse ouvir uma confissão de amor sobre mim, principalmente dessa forma, como eu sonhava quando era mais nova. Eu lembro que eu tinha sim sentimentos por Ivar, mas eu achava ele tão incrível, que eu não teria a mínima chance de ter um relacionamento com ele, então eu cresci deixando essa ideia de lado, pois eu não queria estragar a nossa amizade. Ivar percebe l meu nervosismo, e que acabo por ficar tempo demais sem responder. Eu desvio o meu olhar, confusa sobre o que acabou de acontecer. Preocupado, Ivar diz:

-" Astrid, está tudo bem?"

Ivar, preocupado com o meu silêncio, esperava ansiosamente por minha resposta. Era doloroso ver a expectativa em seus olhos, mas eu sabia que precisava ser sincera. Engoli em seco antes de falar, buscando as palavras corretas para expressar meus sentimentos sem ferir o coração dele. Como eu posso dizer isso a ele? Eu gosto de Ivar, mas eu não quero machucar seus sentimentos, mas eu preciso ser honesta. Eu respiro fundo, recuperando todo o ar que eu tinha acabado de perder, e volto meus olhos ao Viking loiro em minha frente, e com uma expressão cabisbaixa em meu rosto eu digo:

-"Ivar... eu fico muito feliz por saber que tens esses sentimentos por mim. Fostes a primeira pessoa a me beijar, como eu imaginava há muito tempo. Mas... eu não me sinto mais assim, Ivar. Quero dizer... Tu deves ser um ótimo marido, e por isso sempre pensei que não o merecia, e agora eu não consigo mais te imaginar de outra forma que não seja como meu amigo."

Sua expressão mudou instantaneamente, e um leve desapontamento invadiu seus olhos, mas ele tentou disfarçar. Era difícil para mim ver a dor que eu poderia estar causando a ele, mas eu sabia que a honestidade era a melhor opção. Ivar fechou os olhos por um momento, como se precisasse processar minhas palavras. Eu temi que isso afetasse nossa amizade, mas sabia que não podia ignorar meus verdadeiros sentimentos. Com uma mistura de tristeza e determinação, ele finalmente respondeu:

-"Entendo, Astrid. Não é o que eu esperava ouvir, mas compreendo suas razões. Nossa amizade sempre foi preciosa para mim, e eu não quero perder isso. Se é assim que se sente, então eu aceito."

Um clima estranho se instalou junto de um silêncio. Viramos os nossos rostos para lados opostos, pensando no que acabou de acontecer. Imagino que Ivar esteja pensando que não deveria ter me beijado, e eu estou a pensar se realmente foi uma boa ideia ter rejeitado seus sentimentos. Eu não mais a mesma pessoa que Ivar conhecia quando éramos mais jovens, mas será que nós seríamos um casal feliz? Ou teríamos muitos problemas? Mas uma coisa é certa, a sensação de um beijo é indescritível. O meu primeiro beijo foi com Ivar. Um sorriso escapa dos meus lábios, eu me viro para Ivar, e com um tom de voz calmo eu digo:

-" mas...eu gostei."

Um brilho de surpresa e esperança surgiu nos olhos de Ivar ao ouvir minha resposta. Parecia que ele não esperava que eu reagisse dessa maneira, o que só aumentava as emoções à flor da pele.

-"Você... gostou?

Eu balanço a minha cabeça de forma positiva. Eu sempre imaginei que o meu primeiro beijo fosse especial, e foi exatamente assim como aconteceu, e então toda a estranheza se dissipou. Eu e Ivar nos olhamos e rimos um para o outro como duas crianças tapadas. De repente, ouvimos um poderoso uivo vindo de trás das árvores, e faz com que eu e Ivar nos assustássemos. Preocupada eu pergunto:

-" isso foi...um lobisomem?"

Ivar, que já está um pouco mais contido diz:

-" não pode ser só um lobo normal? Ou melhor, não pode ser o teu amigo Fenrir?"

Com a minha cabeça eu nego sua pergunta em quanto respondo:

-" não, o uivo do Fenrir é diferente. De qualquer forma, eu não quero ficar aqui para descobrir, e se o Otrygg estiver certo sobre o Lobisomem que ele comentou mais cedo?"

Em seguida, Ivar olha de um lado para o outro. Ele faz isso várias vezes, mas logo ele começa a ficar preocupado, então ele diz:

-" Uh... Astrid, me desculpe mas eu acho que eu não me lembro do caminho de volta..."

Agora é Ivar quem começa a ficar preocupado. Eu solto um leve sorriso em quando coloco uma das minhas mãos sobre a testa, mas eu já tenho um plano para sair daqui. Após isso, eu olho para cima, buscando entre os galhos de árvores, e então eu exclamo:

-" Pivote? Estás por aí?"

De repente, o meu pequeno passarinho aparece das folhagens por cima de nós, e gentilmente pousa em meu ombro. Ivar se surpreende com o que acabou de acontecer, e curioso ele exclama:

-" esse pássaro é teu!? Eu sabia que Corvos eram inteligentes mas pardalzinhos... Como fizeste isso!?"

Sendo bem sincera. A inteligência de Pivote ainda é um mistério para mim, então eu me agarro em soluções que parecem ser mais plausíveis, pelo menos para mim. Ou ele é muito grato por eu ter o salvo, ou essa espécie é inteligente por si só, então respondo a Ivar:

-" ah...eu não sei bem, mas ele sempre me ajuda em momentos assim."

Então em seguida, eu dou a Ordem.

-" Pivote, por favor, nos leve de cola Garoar."

E como magica. Pivote bate as asas e sai do meu ombro. Enquanto corremos pela floresta, sinto a adrenalina correr pelo meu corpo. Pivote voa à nossa frente, guiando o caminho de volta a Garoar. Observo Ivar ao meu lado, ainda fascinado com a habilidade do meu pequeno companheiro alado.

-" agora entendo porque me recusou, és muita areia para mim."

Diz Ivar em um tom cômico. Seu comentário me faz sorrir, mesmo em meio à tensão do momento. Eu tento amenizar a situação com uma pitada de bom humor:

-"Ah, Ivar, não sejas tão modesto. Afinal, és um Viking corajoso e forte. E além disso, agora tens a experiência de levar uma surra do próprio mentor!"

- Digo em tom brincalhão, enquanto trocamos olhares cúmplices. Ainda assim, apesar do humor, meu coração está apreensivo. Ouvir sobre um possível lobisomem rondando a região deixou todos preocupados. Continuamos a correr em meio à mata, confiando em Pivote para nos guiar em segurança de volta para casa. As árvores parecem se afastar rapidamente conforme nos aproximamos do vilarejo. Ouvimos o som familiar de vozes e risadas dos outros Vikings, o que nos traz um pouco de alívio. Pivote nos leva até a entrada de Garoar, onde pousa em um galho próximo.

-"Obrigada, Pivote. Sempre me ajudando quando mais preciso."
Agradeço ao meu fiel amigo de penas, fazendo um carinho rápido em suas costas antes de ele voar para longe. Ivar e eu nos encaramos por um momento, e mesmo com as palavras não ditas, sabemos que compartilhamos a mesma sensação de alívio por estarmos de volta em segurança. Continuamos a caminhar juntos pelo vilarejo, cercados pelos outros Vikings que parecem não ter notado nossa breve ausência. Curiosa, decido perguntar:

-" e agora? Aonde vais?"

Ivar anda ao meu lado em quanto responde:

-" vou me encontrar com o Farkas. É o nosso treinamento diário, Astrid."

Lembranças do confronto contra o Otrygg que ocorreu mais cedo voltam a ocupar a minha mente. Então em um tom um pouco mais sério, eu pergunto:

-" ainda vais voltar ao acampamento?"

Ivar suspira fundo em desanimado e consente com a cabeça dizendo:

-" terei que voltar, e cumprir o meu trabalho de guarda quando a noite chega..."

Ivar levou uma boa surra, e esse evento com certeza vai ficar marcado na mente de todos os Cervus daquele acampamento. Eu gostaria que o Otrygg não tivesse sido tão duro com ele. Não demora muito e chegamos na residência de Trygve. Paramos em frente a porta em quanto eu gentilmente bato nela, e logo atrás dela escutamos a voz de Farkas:

-" quem é? Trygve não está aqui."
Em seguida eu respondo:

-" Sou eu, a Astrid. Pode abrir a porta por favor?"


A porta range levemente ao se abrir, revelando a acolhedora penumbra da casa. Farkas, o imponente lobisomem branco, está ali, escondido atrás da porta, evitando ser exposto para algum aldeão do lado de fora. Assim que Ivar e eu entramos, seus olhos se fixam nos machucados de Ivar, e sua expressão se transforma em pura surpresa e preocupação.

-"Pelas barbas de Odin, o que houve contigo!? Enfrentou um lobisomem!?"
exclama Farkas, espantado. Ivar respira fundo e balança a cabeça, mostrando uma sombra de cansaço em seu rosto.

-"Pior... um Cervo. Posso conversar com o senhor depois?"
responde Ivar em voz baixa. Farkas concorda com um aceno, compreendendo que o momento não é adequado para uma conversa. Enquanto isso, meus olhos percorrem o ambiente, em busca de Fenrir, o lobisomem do pelo cinza. Sua ausência me deixa apreensiva. Curioda, pergunto a Farkas:

-"E cadê o Fenrir?"
indago, preocupada. Farkas suspira e responde com um tom de preocupação:

-"Ele esteve dormindo o dia todo, basicamente. Tentei chama-lo para fazer alguma coisa comigo, mas ele disse que iria me morder se eu fosse embora."

Eu fico confusa por um momento. Não faz sentido Fenrir estar a dormir agora, ele é tão ativo. Nem que seja para aloprar o Farkas. Talvez seja melhor eu falar com ele antes do treinamento. Eu olho para os dois loiros e digo:

-" vão começando sem mim, eu vou ver como está o Fenrir."

Após isso, eu ando em direção ao quarto de hóspedes. Eu abro a porta lentamente, e me deparo com a enorme fera deitado em baixo dos cobertores. Ao chão, consigo ver as tuas roupas, então não irei cometer o mesmo erro de deitar ao teu lado de novo. Lembranças constrangedoras passam pela minha mente. Com passos calmos eu me adentro ao quarto, e me aproximo do Lobisomem. Fenrir está deitado com o peito para a cama, e com uma das mão a cair fora da cama e encostando gentilmente o chão. O lobisomem respira tranquilamente durante o seu sono. Não consigo evitar, a não ser admira-lo por um momento. Uma fera da noite. Seis olhos fechados demonstram a tranquilidade em que ele sente agora. Meu coração bate mais forte ao perceber o quão importante ele se tornou em minha vida. Eu entrei aqui só para ver se ele estava bem... Talvez seja melhor não acorda-lo por agora. Deixo o quarto em silêncio, ainda envolta em meus pensamentos. Agora, mais do que nunca, sinto que preciso conversar com ele sobre seu comportamento estranho nos últimos dias, e sinceramente, isso me preocupa.

Após isso, eu me reúno com Farkas e Ivar para treinarmos combate novamente. Ao ver Ivar e Farkas se dando tão bem juntos, eu me pergunto qual seria a reação de Otrygg se descobrisse que Ivar treina com um Lobisomem. Farkas Também me ensina sobre como usar o meu Gládio, quebrar defesas e principalmente esquivas. Quando o lobisomem me colocou para enfrentar Ivar, eu de fato pude perceber uma melhora na minha defesa, e contra ataques, o que me fazia rir e me sentir orgulhosa. Ficamos assim a tarde toda, até a chegada da Noite. Ivar precisou ir embora, para cumprir com o seu dever no acampamento, e Trygve chegou em casa para fazer o jantar, e é só nesse momento em que Fenrir se levantou da cama para sair do quarto.

Nós quatro nós encontramos na mesa de jantar. Há pães, queijo, carne e fritas sobre a mesa. Trygve de fato sabe como temperar a comida e deixá-la com um sabor único. Então como de costume, Farkas e Trygve sentam de um lado da mesa, em quanto eu e Fenrir nós sentamos no outro. Os dois em nossa frente conversam casualmente. O aroma das comidas recém-preparadas preenche o ar enquanto Farkas e Trygve conversam animadamente à mesa. Observo Fenrir sentado ao meu lado, mas algo parece incomodá-lo. Seu olhar distante e a falta de interesse na comida levantam suspeitas em meu coração. Será que ele está aborrecido com algo? Eu espero que seja apenas impressão minha. Tento disfarçar minha preocupação, mantendo-me concentrada na conversa dos homens à nossa frente.

-" então, como foi o trabalho? Ou seria melhor continuar a trabalhar na padaria?"

Pergunta o lobisomem branco. Logo Trygve o responde:

-" eu sou padeiro, e não construtor, mas eu fiz o que eu pude para ajudar. A ponte está quase feita, talvez amanhã ou depois de amanhã vocês dois já podem ir embora."

O som suave da fofue se mistura com suas vozes, enquanto discutem sobre o progresso da construção da ponte. É gratificante saber que logo poderemos partir e seguir nossa jornada novamente. No entanto, quando Trygve menciona que a ponte estará pronta em breve para que eu e Fenrir possamos partir, uma sensação de incerteza toma conta de mim. Tento disfarçar minha surpresa e olho para Fenrir em busca de alguma reação. Ele parece tão imerso em seus próprios pensamentos que mal notou a menção de nossa partida. Inquieta, desvio o olhar e disfarço o desconforto, focando novamente na conversa dos homens e os respondo:

-" somos muito gratos por tudo que fizeram por nós. Se eu puder fazer alguma coisa para recompensar..."

O lobisomem dos cabelos loiros solta uma leve risada em quanto esconde com a sua boca, em quanto Trygve diz:

-" eu apenas posso dizer para que não se esqueçam da gente, e que venha nos visitar de vez em quando. Vocês sempre terão um lugar aqui em Garoar."

As palavras de Trygve aquecem o meu coração, me preenchendo com uma felicidade genuína. Depois de tantos confrontos, encontrar aliados é algo precioso. Eu fico sem o que dizer, se eu tentasse falar algo séria apenas mais do mesmo. Antes que eu pudesse tentar responder, o Trygve muda o assunto dizendo:

-" e então, como foi o dia de vocês? O que fizeram em quanto eu estava fora."
Farkas é o primeiro a falar. Ele coça a cabeça tentando se lembrar e então ele diz:

-" o de sempre? Fiquei limpando a casa e cuidando do Fenrir e das galinhas, e também auxiliei os dois Cervus no treinamento. "

Diz Farkas em quanto volta a dar atenção a sua refeição. Agora Trygve, de forma casual dirige as palavras a mim

-" e tu Astrid? Estou até surpreso em vê-la aqui hoje. Não apareceste no almoço, achei que iria ficar fora com o Ivar."

Oh, é mesmo, eu esqueci completamente de avisá-los quando eu saí. Me sentindo envergonhada, decido comentar:

-" eu sinto muito, eu esqueci de avisar, mas sim, passei o dia com o Ivar. Almocei o acampamento dos Cervus, foi divertido."

Agora Ivar virou assunto na mesa, e Farkas pega o gancho para comentar em um tom cômico um tanto empolgado:

-" e ele melhorou bastante. Ele balançava a espada parecendo um brinquedo, agora sabe esquivar com destreza. Estou tão orgulhoso do meu garoto!"
O clima à mesa é agradável, e uma aura de camaradagem preenche o ambiente, exceto por Fenrir, que ainda se mantém quieto e distância da conversa. Trygve e Farkas continuam a interagir com si mesmos. Trygve sem manter o contato visual, e dando foco a comida antes de morde-la, ele diz:

-" por acaso está tentando me deixar com ciúme?"

Trygve desvia o olhar e dá toda a sua atenção à comida antes de dar uma resposta, deixando um suspense no ar. Com um leve sorriso malicioso, Farkas aproveita a oportunidade para provocar, soltando uma risada sugestiva antes de responder:

-" Está dando certo?"

Trygve engole o alimento e, ainda sem encarar Farkas, comenta de forma descontraída:

-" Tu não serias louco, meu amigo lupino."

Enquanto a atmosfera parece pesar com a melancolia de Fenrir, ele finalmente decide se manifestar. Com a seriedade estampada em seu rosto, mas sem encarar os outros diretamente, o lobisomem fala com firmeza:

-" E quem liga para o Ivar?"

Seus olhos permanecem baixos, como se buscasse esconder alguma emoção mais profunda. Todos ficam confuso sobre o comportamento estranho de Fenrir, exceto por Farkas, que transmite uma expressão de decepção, até parece que ele sabe o que há com Fenrir. Confusa eu decido falar com Fenrir e digo:

-" Fenrir, o Ivar é meu amigo, por favor, pare de ser tão inconveniente."

E então de repente, em um ato de ignorância, Fenrir se levanta da mesa e se afasta, indo em direção ao quarto, e então diz:



-" estou sem fome, vou pra cama "


As palavras de Fenrir ecoam na sala, deixando um clima tenso no ar. Todos nós o observamos afastar-se, sentindo o peso da sua tristeza e frustração. Farkas parece preocupado, mas decide respeitar o espaço do amigo e não o segue imediatamente. Trygve e eu trocamos olhares silenciosos, compartilhando a mesma incerteza sobre o que está acontecendo com Fenrir. De verdade, estou começando a ficar sem paciência para esse tipo de atitude vindo de Fenrir. É imaturo, e ele nem mesmo quer me explicar o porquê. O restante de nós permanece em silêncio, sentindo o peso da situação. Farkas, ainda com um semblante de decepção, balança a cabeça levemente.

-" Fenrir nunca foi de se abrir facilmente. Ele tem os seus motivos.

comenta Farkas em voz baixa, mas o suficiente para ouvirmos. Que tipo de motivos são esses que o fazem destratar uma outra pessoa? Curiosa, eu pergunto ao lobisomem:

-" do que sabes? Farkas"

Farkas coça o cavanhaque de pelo em baixo de seu queixo em quanto responde:
-" hm...coisas? Coisas de lobisomem, Astrid."

Eu respiro fundo, e volto a dar atenção a minha comida. Evito pensar no Fenrir, ou eu posso acabar frustrada. Após o jantar, Trygve fica a disposição da limpeza junto de Farkas. Eles disseram para eu ir conversar com o Fenrir, e ver o que se passa com ele, pois os dois também estão preocupados. Eu estou frustrada, e não sei se teria paciência para conversar com ele, mas ainda preciso tentar.
Me adentro ao quarto de hóspedes. Fenrir está deitado com as cobertas por cima dela, mas dessa vez não há roupas ao chão, o que me deixa aliviada. Fenrir ainda estava acordado, e seus olhos azuis rapidamente se fixam em mim, em quanto a seriedade é estampada em seu rosto canino. Ao fechar a porta atrás de mim, eu me aproximo de Fenrir e com um pouco de raiva em minha voz eu digo:

-" Fenrir, Trygve e Farkas estão preocupados contigo, por favor, me diga o que está acontecendo."

Fenrir descansa um dos braços em cima da sua teste em quanto ele continua a olhar para mim, e de forma rude ele diz:

-" eu não sei porque tu ainda continua a me perguntar isso. Eu já lhe respondi. Não gosto do Ivar."

Ao ouvir a resposta de Fenrir, meu coração se aperta. As palavras dele soam duras, e sua expressão fria não deixa espaço para dúvidas. Hoje de manhã Fenrir estava tão dócil, mas agora voltou a ser desagradável. Eu suspiro fundo, e tento usar uma outra abordagem. Eu retiro a minha capa, o meu cinto e as minhas botas, e deixo elas em um canto separado ao chão, e me sento a cama, no lado aonde eu costumo dormir. Tento manter um olhar sério, mas ainda assim gentil, em quanto digo:

-" sabe, houve uma vez nessa mesa cama, em que tu havias dito que confiavas em mim, e eu lembro muito bem disso porque aquilo me deixou muito feliz."
O lupino mantinha o seu olhar em mim, me ouvindo com atenção. Acho que estou chegando em algum lugar. Eu desvio o olhar, e me permito ficar acanhada em quanto eu digo envergonhada:

-" ontem a noite tu me abraçou em quanto dormia, e eu gostei daquilo, eu... Eu gosto do teu lado gentil Fenrir. Tu sempre esteve comigo quando eu precisava então por favor, deixe-me retribuir."

As palavras saem em um sussurro enquanto o ambiente fica tenso. Fenrir não responde de imediato, mas parece ponderar sobre o que foi dito. Seus olhos azuis sondam os meus, buscando alguma resposta oculta em meu rosto. Então, lentamente, ele abaixa o braço que estava apoiado na testa e se senta na cama, encarando-me com uma expressão indecifrável e diz:

-" por favor, não diga essas coisas."

As orelhas de Fenrir abaixa em quanto ele desvia o olhar, e logo ele continua:

-" acho que tens razão, foi estúpido, quer dizer..."

Fenrir tenta buscar as palavras certas em sua mente. Não demora muito e logo em seguida, em quanto coça a sua nuca, a fera diz:

-" ele sabe sobre mim, sobre o Farkas, e sempre desconfiei de que ele pudesse trair a tua confiança, mas parece que ele manteve a palavra dele, não é mesmo?"

Diz Fenrir em um tom mais casual. Eu solto um suspiro aliviada de poder ter trazido ele de volta. Eu não resisto, e solto uma leve risada, então gentilmente, com as minhas duas mãos, eu as posiciono nas bochechas de Fenrir, e o faço olhar para mim. Os olhos azuis da fera, confusos observa minha face em quanto eu digo:

-" viu só? Eu disse a ti que a pessoas boas Fenrir."

Frustrado, Fenrir diz:
-" está bem! Me solta!"

A expressão de Fenrir mostra a sua resistência em aceitar as palavras que eu disse, mas mesmo assim, ele não tenta se afastar das minhas mãos. Com um tom suave, eu respondo:

-"Eu não vou soltar até ter certeza de que entendeste, Fenrir. Tu és importante para mim, e o Ivar também é um amigo."

De repente eu escuto o som da cauda de Fenrir a abanar e a bater contra a cama. Eu sinto a alegria me contagia lê por dentro, mas não comento para não constranger o lobisomem. Então Fenrir com seus braços, gentilmente puxa os meus fora de sua face. A expressão típica de seriedade volta em sua face, mas dessa vez ele não perece estar mais irritado. Talvez eu devesse passar um tempo com o Fenrir, para recompensar o tempo que estive ausente, e também para demonstrar interesse. Eu desvio o meu olhar para os outros objetos do quarto em quanto eu digo:

-" lembra quando me convidou para me ensinar a fazer fogo? Acho que eu não posso mais adiar isso. Tu me ensinarias? Amanhã?"

Fenrir da de ombros em quanto volta a deitar a sua cabeça no travesseiro em quanto ele diz:

-" se tiveres disposta..."

Fenrir parecia um tanto indiferente, mas eu podia perceber que há um pouco de felicidade por trás desses músculos. Estou mais do que disposta! Aproveito o momento e também me deito a cama, mas com a cabeça em meu travesseiro, e ficamos quietos, dividido o silêncio um com o outro. Hoje foi um dia produtivo, e posso dizer que me diverti bastante, e ainda...ainda não consigo me esquecer do beijo. Fenrir tem vinte e dois anos, um pouco mais que eu. Me pergunto se ele teria histórias do tipo para compartilhar, ou que possa me ajudar a entender esse tipo de coisa. Eu respiro fundo, e então pergunto ao lobisomem:

-" Fenrir, por acaso já beijaste alguém antes?"

Fenrir me olha confuso, e levanta uma de suas sobrancelhas. Um tanto indignado, escuto ele a perguntar:

-" que tipo de pergunta é essa? Astrid."

Diz Fenrir no seu tom mal humorado típico. Então eu me viro para ele e digo:

-" é sério! É por causa que...hoje eu tive o meu primeiro beijo na vida e...foi estranho."

Tento puxar uma conversa casual com o lobisomem, mas a reação dele é diferente do que eu estava a espera. Fenrir me observa com espanto com a sua boca aberta por alguns segundo. Fenrir parece um pouco desconcertado com a pergunta, mas sua curiosidade é evidente em seu olhar. e então ele começa a desviar o olhar. O olhar sério de Fenrir retorna quando eu o vejo a encarar o meu olhar. Seu tom de voz muda e fica um tanto falho em quanto ele pergunta:

-" com "estranho" quer dizer que você gostou?"

Eu começo a ficar um tanto preocupada. Eu princípio eu não sei como responder a sua pergunta. Eu desvio o olhar, procurando as respostas certas em minha mente e digo:

-" só foi algo novo pra mim...por isso que eu fiz essa pergunta a ti. Eu nunca fui uma pessoa romântica Fenrir eu só..."
De repente, o lobisomem vira as costas para mim, sem dizer absolutamente nada. Eu fico confusa, o que aconteceu? Eu tento chamar por Fenrir, mas parece que ele me ignora. Eu lembro que essa mesma cena já aconteceu antes, e está voltando a se repetir bem na minha frente novamente. O silêncio de Fenrir ecoa pelo quarto, deixando-me angustiada e insegura. Tento entender o que aconteceu, mas minhas emoções estão em conflito. Fico tentada a me aproximar dele, mas hesito, com medo de piorar a situação. Eu começo a me sentir magoada, e então digo:
-" Fenrir, o que eu fiz de errado? Por favor, só não me ignora."

Com a expressão angustiada, tento alcançar Fenrir emocionalmente e lhe transmitir minha preocupação. Ele permanece em silêncio por alguns momentos, como se estivesse ponderando suas palavras. Finalmente, ele se vira para mim, revelando seus olhos azuis intensos cheios de dúvida.

-" Não é culpa tua, Astrid. Eu só... não sei lidar com essas coisas, entende? Beijos, sentimentos... não fazem parte do meu mundo."

Suas palavras carregam uma sinceridade profunda, e percebo que Fenrir se esconde atrás da fachada de indiferença para fugir se assunto que ele evitar falar. Eu respiro fundo, talvez só não seja um assunto agradável para ele, é melhor evitar. Admito que fiquei bem desanimada com essa situação, então eu apenas digo:

-" Desculpe Fenrir...boa noite."

Eu me deito no meu travesseiro, sentindo um aperto no coração por ter a sensação de ter estragado tudo de novo. Lobisomens realmente são complicados. Esse foi o boa noite mais doloroso que dei em toda a minha vida. Agora, eu e Fenrir estamos de costas um para o outro, em um silêncio pesado e carregado de emoções. Espero que algum dia possamos apenas esquecer de tudo isso, mas não sei mais o que dizer ou fazer. Deveria me sentir culpada? Essa dúvida ecoa em minha mente enquanto tento encontrar uma solução para esse impasse entre nós. A incerteza e a mágoa tomam conta de mim, e a escuridão do quarto parece refletir o vazio que sinto dentro de mim. Eu gostaria de poder entender melhor o que se passa na mente de Fenrir, mas ele é tão fechado, e seus sentimentos parecem ser um verdadeiro enigma. Talvez, se eu tivesse sido mais cuidadosa com minhas palavras, as coisas poderiam ter sido diferentes. Eu não queria que ele se sentisse pressionado ou desconfortável. Espero que amanhã eu possa fazer diferente...


...


Eu me recuso a acreditar nas palavras de Farkas. Astrid é uma aliada, no máximo uma amiga. Eu nasci no esquecimento e não preciso de ninguém. Enquanto tento negar meus sentimentos, uma inquietação toma conta de mim. Nunca me permiti ser vulnerável emocionalmente, mas Astrid está quebrando essa barreira com uma facilidade desconcertante. A lembrança de seu abraço carinhoso e da maneira como ela se preocupa comigo mexe com algo dentro de mim que eu não compreendo. Não é possível que eu tenha me apaixonado por Astrid, é simplesmente impossível, então porque o meu peito dói tanto? Por que meus olhos estão tão irritados?...

Histórias De Inverno (A Chapeuzinho Vermelho e o Lobo)Onde histórias criam vida. Descubra agora