Decidi não ir de bicicleta para a escola.
Eu sabia que o guarda-chuva não seria de muita ajuda e que provavelmente chegaria ensopada, mas pedalar na chuva morrendo de sono não era boa ideia, e a minha bicicleta merecia uma folga depois de ontem.
Me arrependi da decisão em menos de cinco minutos. O vento estava forte demais, eu não conseguia manter meu guarda-chuva parado.
Dois garotos da minha escola, Mateus e Estevão, passaram por mim de carro, buzinando. Quem liga se eles são menores de idade, não é? A polícia daqui é que não. Eles eram aquele tipo de gêmeos que eram iguais em tudo, inclusive nas roupas. Era bizarro.
- Fala aí, Fernandes! Resolveu fazer cosplay de Mary Poppins? - Um deles gritou (não faço ideia de qual), enquanto o outro ria feito um lunático. Revirei os olhos. Sim, muito engraçado, o próprio Whindersson Nunes.
Pessoas. Por que elas existem?
Mostrei o dedo do meio como resposta. Tudo bem, não foi muito maduro da minha parte, mas eles que começaram.
Eles passaram direto, se sentindo super engraçados, e agradeci por estar sozinha novamente.
Eu adoro ficar sozinha. Algumas pessoas (meu pai) poderiam achar isso um fato preocupante. Mas eu não. Eu gostava de ser deixada em paz. Nunca fui boa em fazer amigos. Demanda muito trabalho e energia. Não que eu não tivesse um colega ou outro com quem às vezes trocava ideias, mas isso é quase uma extensão de se fazer parte do time de natação. É meio difícil ser invisível quando todo mundo sabe quem você é.
Quando estava dobrando a esquina da escola, o que eu mais temia aconteceu - a ventania foi forte demais para o meu pobre guarda-chuva suportar, a parte de cima foi vergonhosamente jogada para trás como se fosse feita de papel.
E lá se foram as chances de chegar minimamente enxuta. Respirei fundo, já conformada com a humilhação que viria a seguir, e continuei caminhando até a entrada principal, onde todo mundo estava apressado demais para sair debaixo da chuva para reparar em mim.
Ou era o que eu pensava.
- Cara, você tá mesmo muito a fim de ficar gripada.
Puta que pariu.
De novo, olhei para trás e dei de cara com a mesma garota de ontem. Ela estava com o mesmo sorriso irônico de antes. Contive a vontade de revirar os olhos.
Uma das mãos segurava um guarda-chuva com o dobro do tamanho dela, enquanto a outra estava com alguns livros. Ela estava completamente enxuta. Como se fosse à prova de água ou sei lá.
Apontei com o queixo para os livros que ela equilibrava de um jeito que, se eu tentasse imitar, derrubaria tudo.
- Existe mochila pra isso, sabe.
Ela riu.
- E existe guarda-chuva, também - retrucou. E só então pareceu reparar nos restos mortais do que um dia fora meu guarda-chuva. - Ah. Seu guarda-chuva não resistiu à luta?
Senti minhas bochechas pegarem fogo.
- Não sem lutar bravamente.
- Entendo - e sorriu. E por alguma razão, também sorri. E aí rimos, porque a situação era ridícula.
Como não tinha nada a dizer, apenas acenei mecanicamente e finalmente entrei na escola.
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Depois Que Eu Te Conheci
RomanceJúlia Fernandes só quer saber de nadar e mais nada. Reservada, ela procura nunca se envolver demais com as pessoas, e essa personalidade apenas se solidificou depois que a mãe morreu em um acidente, o que dificultou a relação com o seu pai, que, ape...