Posso continuar aqui por muito mais tempo.
Aqui embaixo, o tempo nem sequer existe. Aqui sou a água.Pude ouvir murmúrios vindos de cima. Revirei os olhos mentalmente. Era claramente o treinador Rafael conversando-gritando com alguém. Fechei os olhos e voltei a me concentrar. Embaixo d'água, era como se meus pensamentos - normalmente caóticos - pudessem finalmente se organizar.
O treino havia acabado. Decidi ficar alguns minutos extras na piscina, pensando. Pensei na minha mãe. Sempre pensava nela. Na saudade que sinto. Então pensei em meu pai, cuja saudade é sem dúvida maior que a minha. Ela era o amor da vida dele. E ele a perdeu antes que pudessem envelhecer juntos. A saudade que ele sente ultrapassa os limites do suportável.
Será que algum dia ele voltaria a ser como antes?
Ele parece o mesmo, mas não é. E eu pareço a mesma, mas não sou. E tudo parece frágil.
Mesmo sendo um homem da lógica, do controle sobre a mente, ele ainda sofre. Porque ele ainda é um ser humano, e ainda tem um coração.
Por isso, às vezes, não me sinto tão digna do luto. A dor dele é mais profunda. O amor o havia destruído, e hoje ele não tem nenhuma pessoa capaz de fazê-lo amar.
O amor não vale a pena. Ele só destrói você. Não existe final feliz. Se puder evitar, nunca, jamais vou me envolver romanticamente com alguém. Não vale a pena.
De repente, minha atenção se voltou para a superfície. Uma mão entrou na água e começou a dar tchauzinhos. Ri por dentro e tomei impulso. Pensei em tocá-la, mas não o fiz. Tomei uma grande respiração quando o ar entrou em meus pulmões, agradecidos pelo oxigênio. Me apoiei na borda da piscina.
Helena enxugava a mão no próprio vestido antes de se agachar. Ela sorriu. Olá, covinhas.
- Achei que você tinha ido embora - falei, um pouco ofegante.
- É, eu... O que eu ia dizer? Ah - nós rimos, sua pele escurecendo. Acontecia com frequência, principalmente quando ela ria. Então ela estendeu a mão como quando nos apresentamos oficialmente no shopping. - Prazer, sou a nova assistente do clube de natação feminino.
Ergui as sobrancelhas.
- Sério? Caralho! - Dei batidas na água, sorrindo, e ela se afastou quando os respingos a atingiram. Revirei os olhos. - Fala sério, você não é feita de açúcar.
- E se eu for? Vai arriscar que eu derreta? - Ergueu a sobrancelha. - E por que você está toda surpresa, afinal? Você praticamente implorou pra que eu me inscrevesse.
- Ah, sei lá. Achei que talvez você não fosse - respondi, me sentindo encabulada de repente.
- Oxe.
- Esquece. Tô muito feliz que você tenha se inscrito. - Pus as mãos na borda e tomei impulso para sair da piscina.
Helena me esperou enquanto eu estava no vestiário. A água quente foi um alívio bem-vindo para os meus músculos tensos.
Mas por alguma razão, me senti desconfortável. É estranho saber que tem alguém em algum lugar fora do box esperando por mim. Geralmente estou sozinha nesses momentos. Ela sabe que estou aqui dentro. E sabe que estou pelada. Esse tipo de intimidade não é minha praia. Por que estou pensando nisso?
Decidi que era hora de sair. Terminei na velocidade da luz e só coloquei as roupas por cima, sem me enxugar. Abri a porta. Helena estava sentada no longo balcão de granito, onde ficam as pias. As costas apoiadas no espelho que cobre toda a parede. Como sempre, estava com a cara enterrada em algum livro. Quando me olhou, seu rosto escureceu.
- Júlia.
Prendi a respiração.
- Hum.
- Eu não sei se já te perguntei isso antes, mas... Você tá querendo ficar gripada ou algo do tipo?
Forcei uma risada.
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Depois Que Eu Te Conheci
RomanceJúlia Fernandes só quer saber de nadar e mais nada. Reservada, ela procura nunca se envolver demais com as pessoas, e essa personalidade apenas se solidificou depois que a mãe morreu em um acidente, o que dificultou a relação com o seu pai, que, ape...