Capítulo 3 - Presentes

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Guardada entre inúmeras árvores, uma infinidade de ervas aromáticas e um quintal que só acabava no leito do rio, a casa onde Selena, a avó e o pai moravam, era de fato, um lugar à parte, protegido por forças e encantamentos mais antigos que o próprio tempo. Cada rezo de dona Damiana era um como um manto de proteção que encobria tudo.

Ali, Selena sempre se sentia resguardada de todo o mal, e a maior parte do tempo, adorava correr livre, sentindo o vento no rosto e os cabelos esvoaçarem, totalmente emaranhados e soltos. Por isso, ela fez um muxoxo e espichou os lábios, formando um bico, quando a avó a retirou de perto da janela, onde continuava em vigília observando o vai e vem frenético de todas aquelas pessoas. Tudo para organizar a moradia do príncipe recém chegado.

Dona Damiana não conseguiu acomodá-la pacificamente em um tamborete e só obteve êxito às custas de um belo beliscão nas costelas. Com um pente de madeira começou a desembaraçar seus cabelos, desatando a confusão de nós dos fios lisos e compridos. Selena ficou quieta e fechou os punhos, enquanto a avó entrançava seus cabelos em duas tranças desenxabidas, uma de cada lado da cabeça.

Ficando em frente ao velho espelho de bronze encardido e cheio de manchas escuras, – um dos poucos objetos que pertenceu a sua mãe e que seu pai manteve – Selena encarou o próprio reflexo. Pequena, magrela, a pele morena avermelhada, os olhos grandes, como se ela guardasse duas jaboticabas dentro deles, eram desafiadores. As tranças negras desciam até a sua cintura, atadas com laços de fios de juta.

Voltas e mais voltas de colares feitos com sementes de tiririca, enfeitavam seu pescoço, sobre o vestido de chita verde, que descia até a metade das suas canelas.

— Por causa de que eu tenho que vestir vestido de festa? — perguntou com a cara emburrada.

Ocê quer receber as visita parecendo um bichim do mato? — dona Damiana respondeu-lhe com outra pergunta.

Num quero recebê visita — resmungou Selena — quero brincar. Porque eu tenho que calçar sapatos? — Reclamou, olhando os sapatos um pouco grandes para os seus pés.

Seu pai havia comprado aquele par de sapatos para ela em sua última ida à cidade de Paraíso, mas eles ficaram um pouco grandes demais. A ponta ficava vazia, porque os dedos não alcançavam, mas Selena não ligou, afinal, para que ela queria sapatos?

— Deixa de ser resmungona e vamo logo que as visita já tão na sala. — Ralhou dona Damiana.

Contrariada, Selena seguiu a avó, que a segurava fortemente pela mão, como se tivesse receio que a qualquer momento, ela pudesse fugir correndo dali.

Mas ela não pôde deixar de se sentir impactada, quando entrou na pacífica e modesta sala da sua casa. Sentado em uma poltrona feita da madeira de um velho pé de ipê que caiu no quintal, derrubado por um raio, o Imperador a encarou, observando-a.

O coração de Selena bateu forte.

Sentindo-se como um animal acuado, se escondeu como deu, atrás do corpo da avó, olhando para as visitas apenas a meio rosto. Em uma mistura de encantamento e medo, ela observou o manto do imperador, esparramado sobre a poltrona, cobrindo seus pés e roçando o chão de terra batido da pequena sala.

A "Poltrona do Guerreiro", como seu pai a apelidou, foi feita por ele mesmo, e era onde ele costumava se sentar quanto estava em casa. Era perfeita para ele! Mas agora parecia pequena para o Imperador. No tamborete ao lado dele, a Imperatriz tentava se acomodar da melhor maneira possível. Olhando rapidamente, Selena teve a impressão de que o manto sobre os ombros dela eram asas fechadas e sua mente infantil divagou momentaneamente.

— "Será que eles não comem "arroiz" e feijão?" — Pensou, observando os traços extremamente pálidos, o corpo esguio e magro da Imperatriz.

SELENAOnde histórias criam vida. Descubra agora