Capítulo 1

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A chuva caía nas grandes e espaçosas ruas que se iluminavam com os grandes telões de propagandas cheios de cores e informações. Os reflexos que se projetavam nas poças de água que se formavam ao chão, eram deformadas pelos passos das pessoas que passavam com pressa com suas pastas de couro, guarda-chuvas, cigarros acesos entre os dedos, suas almas vazias e machucadas. Mais uma noite normal de sexta-feira em uma grande metrópole, nada fora do comum, ou talvez tivesse, mas seria algo isolado demais para perceber.

Às dez da noite, um copo virou quatro, às onze, os quatro viraram oito, já era uma da manhã e nem os copos sabia contar mais, nem os copos, nem quantas carteiras de cigarro se foram entre os lamentos de amores que não voltam mais. Às uma e meia, quem ouvia as suas histórias eram os gatos das ruas pelo o qual passava e alguns bêbados que encontrou pelo o caminho em bares alheios. Às duas já não sabia mais onde estava, se estava na Terra ou na Europa de Júpiter, mas onde estivesse, falava sobre seus amores não amados.

– Eu a tinha, mas eu que fui a filha da puta da história, ela me amava, eu sei disso, mas não consegui manter ela perto, isso me dói tanto – a mágoa era presente no tom.

– Você pisou na bola feio, Tenente – o bêbado que já nem sabia o próprio nome, a reconheceu depois de saber das histórias sobre seu passado.

– Devo confessar que sim, Sargento – suspirou pesado ao ter flashes de tudo o que aconteceu.

Uma conversa sobre corações partidos e egos feridos em um bar insalubre de beira de rua de um bairro perigoso às duas da manhã, parecia algo realmente de filme, não é todo dia que se vê dois lados da mesma moeda sentados e conversando. A hora não espera e o tempo não é generoso, já eram três da manhã de sábado, os copos ainda secavam e as fumaças dos cigarros baratos ainda subiam. A cidade começava a funcionar, um carro com farol alto no final da rua se aproximava, que infeliz, ainda estava escuro, mas precisava de tudo isso?

– Esses caras não sabem usar a porra do farol baixo? Tão querendo achar o cu pelo rua? – linguajar baixo.

– Um dia eu ainda vou quebrar um merda desse na porrada, pra ver se aprende a usar farol baixo e para de ficar jogando luz na cara dos outros – que indignante.

Quanto mais o carro se aproximava da mesa, mais se ouvia reclamar. Com os faróis desligados, o carro parou ao lado dos dois que bebiam e se lamentavam. O vidro se abaixou e dentro do automóvel estava um homem com cara de sono e mal humorado, estava de pijama ainda, que estranho.

– Tylor? O que faz aqui a essa hora e desse jeito? Não deveria estar em casa? – a Tenente até ficou sóbria por um instante.

– Entra no carro e vamos embora – Tylor falou com firmeza, tom chateado até.

– Eu vou daqui a pouco, não vou me demorar muito – Tenente ainda tenta mediar.

– Eu fui acordado por um monte de ligações da Jenny dizendo que você tava aqui uma hora dessa, entra no carro e vamos embora agora.

– Por que a Jenny te ligou a essa hora e como ela sabia que eu estava aqui?

– Enmei, entra na porra do carro – o tom começa a ficar levemente agressivo.

– Não precisa se estressar também, tá? Já tô indo – pegando tudo de pertence que estava na mesa, se levanta rápido, uma breve despedida ao companheiro de copo que nessa noite, lhe acompanhou em suas lástimas e dores, entra no carro em silêncio, silêncio dolorido esse – Amigo, eu..

– Não tô afim de ouvir suas desculpas mais uma vez – o carro acelera pela rua – Porra, Enmei, quantas vezes eu ja te falei sobre isso? Só esse mês é a sétima vez que a Jenny liga pra mim quase chorando dizendo que você tá se acabando de beber ou então tá se metendo em briga nesses bares que eu nem sabia que existia, você acha isso bonito? Você já tá batendo na porta dos 40 anos e não toma exemplo, você tem uma vida, tem alguém que gosta de você e gosta de verdade, que te ama, tem um emprego bom, recebe bem, mora em um lugar bom, o que falta pra se ajeitar na vida? Me diz, Enmei.

O silêncio se perpetuou por um momento naquele carro, foi muitas verdades em poucos minutos, tudo aquilo realmente era verdade, porém difícil de admitir.

– Como a Jenny sabia que eu estava aqui? – a pergunta ainda era a mesma.

– Ela ligou pra sua casa, dona Sarah atendeu e disse pra ela, o carro dela tava literalmente do outro lado da rua e você não viu.

– Então ela preferiu ligar pra você do que ir lá comigo?

– Pra que ela iria ir lá com você? Pra levar outro tapa?

– Eu já disse que aquilo foi um acidente, aquele tapa não era pra ela, eu não seria capaz de levantar a mão pra Jenny, Tylor, e você sabe disso, nunca na minha vida eu agredi nenhuma das minhas companheiras.

– Enmei... – um suspiro pesado saiu – Eu sei, me desculpa por falar isso, eu só tô realmente estressado por essa situação, sabe que eu só quero seu bem, só quero ver você feliz...

– Eu sei disso, sou muito grata a deus por ter você na minha vida...

– Isso foi um deboche?

– Não, por que seria deboche?

– Porque você é ateu.

– Eu estou bêbada, então eu posso.

– Você é terrível... Mas me diz, Enmei, por que faz isso com a Jenny? Sabe que ela te ama, e ama mesmo, não é que nem a puta daquela Verônica, que o diabo a tenha.

– Eu só não consigo sentir nada pela Jenny... Queria muito sentir o mesmo que ela sente por mim, ficamos seis meses juntas mas...

– Mas a filha da puta da Verônica apareceu de novo na tua vida, e tu como uma idiota iludida, achou que ela tinha mudado, quando vai cair tua ficha sobre ela, hein? Ela é um lixo humano, não te merece, se liga, Enmei, ainda bem que nunca mais você encontrou com ela, aquela puta barata.

– Sobre isso...

– Eu não tô acreditando nisso, Enmei, você é idiota, caralho? Essa mulher aCABOU COM A PORRA DA TUA VIDA E TU AINDA VAI IR ENCONTRAR COM E ELA? FIZERAM O QUE? FUDERAM? FOI ISSO? PUTA QUE PARIU! – o estresse só aumentou.

– Me perdoa! Ela me ligou perguntando se eu estava bem, e...

– Enmei... – o carro parou e os olhares se fixaram um no outro – Eu vou fazer de tudo pra você esquecer aquela mulher, vou mandar matar se for preciso, mas eu não aceito mais você sofrendo desse jeito, tá me ouvindo?

– Tylor...

– Enmei... Eu te amo tanto... Você é como uma irmã pra mim... Eu não aguento mais te ver nessa situação... Por favor deixa eu te ajudar e se permita ser ajudada também... É só o que eu te peço, minha amiga... Só isso... – lágrimas foram incontroláveis nesse momento, um abraço apertado também.

– Me perdoa, amigo... Eu tô tentando, tá bom? Eu juro que tô tentando melhorar...

– Eu sei que tá... Vou te ajudar nisso...

Afeto fraternal é sempre o melhor remédio para dores que não são no corpo. Um amigo, um irmão, é e sempre será o melhor apoio para os dias difíceis. O carro foi em rumo aos condomínios da área nobre da cidade, mas aquilo não importava muito, nada daquilo importava se o que faltava não era o material, não era e nunca foi aquilo que faltava, sempre era algo além, além dos luxos, das taças, dos vinhos finos, das comidas caras, das jóias reluzentes, muito além disso, o que faltou, sempre foi o amor.

GANGESOnde histórias criam vida. Descubra agora