Céu aberto com estrelas cadentes quais caíam ao peito de Jiseok feito flechas flamejantes, queimavam as feridas recém abertas de alguém cruel — ele mesmo havia sido. Seus dedos trêmulos cobertos de ansiedade terminavam de bolar, na sua mentes as represálias circulavam.
— Jiseok. — Uma mão tomou a erva, sequer teve tempo de entender para onde ela parou. — Suas coisas caíram.
Reconhecia a voz e reconhecia a mania depravada de pegar as coisas sem permissão. Jooyeon poucas vezes pronunciava sua chegada e muito menos perguntava se podia pegar algo, estava acostumado ter suas bebidas e fumos desaparecendo diante de seus olhos. Era um péssimo hábito, admitia preferir os tapas e beliscões, no entanto, aquela vez sentiu um reconforto culposo.
Seus olhos cansados alcançaram aquele que estava ainda mais alto e magro, temia perder o garoto das maneiras ridículas e utópicas de sonhos infernais nas manhãs suadas, — eram, de fato, pesadelos de quem tinha medo do abandono e, sem querer acreditar que seria deixado, preferia sonhar com Jooyeon sumindo feito mágica e abdução alienígena. — mas amava admirá-lo.
— Valeu.
Ele não saiu do lugar e Jiseok desejou que fosse por si. Nos turbilhões de pensamentos, projetou almas e desalmas o devorando, tomando aquele corpo estático e fundindo com seu próprio, mãos demoníacas, suas mãos, o agarravam e puxavam a pele até que saíssem de seu corpo. Jiseok ainda estava parado, encostado na grade, encarando a estampa da camisa de Jooyeon. Atrás de si correu uma voz aveludada, chamando pelo não mais seu garoto e ele sumiu, sem que pudesse o segurar.
Vasculhava o bolso sem saber o que queria, perdia-se na conversa atrás de si e a risada tão insistente. A melodia que despertava suas manhãs era a mesma que despedaçava o coração intoxicado e as notas musicais tão bem posicionadas se misturavam com a fumaça escura.
— Seungmin, tem cigarro?
Não tinha nada consigo, deixou tudo para trás. Talvez na ânsia de sentir o calor novamente esqueceu seu corpo e permaneceu como espectro no que costumava fazer parte. Caminhou sem querer se afastar e ajeitou contra vontade as coisas que exibia. Pinturas feitas com o mais puro sentimento vivo do amor genuíno qual fazia dançar pelos corredores de casa sem vícios inebriando sua mente ao querer, inconsciente, preservar memórias das sensações físicas.
Lavandas e chocolate passaram por si, passos tropeços de Jooyeon. Como poderia colocar em palavras clichês o conhecimento dos pés arrastados e andar manco que tanto o fazia rir ao ver o tropeçar? Tinha dito tantas vezes sobre levantar as pernas ao andar e prestar atenção no caminho, mas nunca era ouvido. E ainda amava esse detalhe.
Ele, que talvez não soubesse mais o que fazer, sentou-se no canto para então aproveitar o pouco que restava daquela banda de garagem tocando em um bar tarde da noite com diversas pessoas rodeando o lugar. Seus olhos, por mais insistente que fosse ao tentar tirá-los de lá, permaneciam na intensidade que era o baixista e, sem que soubesse, as dores de seu peito se petrificavam na ponta de seus olhos.
Revigorava a existência de quem olhasse aquele garoto se requebrar no palco com um contrabaixo meio riscado e lotado de adesivos, roupas respingadas de tinta e um cabelo delirante. Um conjunto extraordinário, quase que lúdico de se ver e que um dia foi seu — não que Jooyeon tivesse sido sua propriedade, temia tê-lo como posse, queria vê-lo livre, mas como era bom chamá-lo de seu namorado.
Por um erro, deslize e canalhice tomou o pior caminho para manter-se ao lado de quem tanto amava. O traiu friamente e, assim como ele, teve seu corpo fragmentado em cristais desorientados, machucados... Podia jurar ter visto seu coração deixado na cama de outra, sem poder buscá-lo, sem poder resgatá-lo.
Jooyeon havia entregado essa parte tão preciosa para Jiseok e ele, querendo ou não, jogou fora como lixo inutilizado. Então, desesperadamente tentou reciclá-lo, reconstruí-lo com lágrimas, sangue e até mesmo com pedaços do seu coração. Esperava ter de volta o que não cuidou em uma nova chance de preservá-lo e, por não entender as consequências de suas atitudes, tentou exaustivamente reconquistar o inconquistável.
Não sabia, não sonhava, não passava nem a vaga memória, dos choros soluçantes e dos gritos raivosos, frustrados. Queria a normalidade, os bons e deleitosos momentos de volta e poderia — sabendo que era impossível — ter de volta a felicidade que ele mesmo havia arrancado de si. Segurava sua própria inexistência nas mãos e os dedos mal acostumados redobravam aquela maldita seda com todas as dores prensadas em uma única folha.
— Achei que cê tinha parado, mané.
— Voltei hoje... Agora.
— Se eu fosse você, não acendia. — Seungmin deu um cutucão em seu ombro para que prestasse atenção no palco, não conseguia ver direito. — Levanta, porra.
Foi imediato, seu corpo ergueu e tudo escureceu. A banda desmontava os equipamentos e no meio restava apenas aquele, ajeitando o microfone. Jiseok sabia muito bem o que aquilo significava e um trilhão de memórias atingiram sua cabeça, quantas vezes não escutou o quanto ele queria trazer uma música própria para cantar sozinho no palco? Não se lembrava, mas eram tantas.
Desmontou tudo o que tinha, seus pés foram sozinhos e se enfiou naquele aglomerado de pessoas estranhas das quais nunca teve coragem de conversar por mais que tentassem o chamar. Não poderia compreender nem mesmo os mais violentos pensamentos de tirá-lo daquele palco e impedí-lo de fazer o que tanto queria — algo em sua cabeça dizia duramente o quanto aquilo era para ser um momento deles, um momento em que gravaria e poderia postar orgulhosamente com legendas melosas, enquanto seus dedos mal conseguiam parar no lugar para pegar o celular.
— Como estamos encerrando o show, eu gostaria de deixar um último presente para alguém e dar o primeiro de vários para vocês. Em forma de agradecimento por nos apoiarem tanto, fiz essa música nas noites mais chuvosas desse inverno maldito. — Suspirou, ajeitando um violão desconhecido para Jiseok no corpo. — Sinto falta do verão, queria ir na praia, mas está meio frio demais para isso. Bom, sem mais papo furado, espero que gostem.
As luzes fecharam e Jiseok encostou no pilar próximo a caixa de som, não queria ser visto, mas queria ver. Não existia nada ao seu redor e nem ao redor dele, o mundo consistia agora somente nos dois e por mais que Jooyeon visse tudo, ele sabia que a noite era um eterno adeus as memórias que existiam apenas nos olhares destes que trocaram mais que carícias e palavras amorosas. Não um presente àqueles que não sabiam de suas dores intrínsecas nos frios dias de inverno que não poderiam ser aquecidos pela praia, ou chocolates quentes feitos com beijos.
Teria de, então, aquecer o próprio corpo usando a voz e essa garganta que não parecia nunca se cansar. No canto de sua visão via com perfeição o semblante vazio do envolvimento mais cruel de suas instâncias. Moldaria não mais que anos de memórias pisoteadas por um sentimento de insuficiência quase sufocante para saber exatamente como acordaria na manhã seguinte, sentindo o vazio de sua companhia.
Eu olho você pela última vez,
não há um amanhã
para nenhum de nós.
Jooyeon não mais o olhava, fixava sua mente em um ponto específico da parede na distância do público e no que não poderia alcançá-lo, ainda que tentasse. E Jiseok que tanto tentava torná-lo imortal em sua mente teria, por fim, enterrado os corações mortos e remendados um no outro, com a ciência de que tentariam bater e causar batucas nos dias mais imprevisíveis. Transformaria assombrações em quadros e levaria suas exposições em outros eventos como esse, qualquer a banda que seja.
O baixista tentava, e falhava em, esconder as gordas e poucas lágrimas que escorriam lentamente por seu rosto. Cada refrão soava como um adeus que não queria ser dito, mas forçava sair de sua boca, um erro qual não podia ser concertado dificilmente seria perdoado.
Jiseok levantou o celular, relutante, e registrou aquela voz. Talvez ouviria, culposamente, essa canção até cair no sono em choro por algumas diretas noites na busca do conforto perdido.
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Aquela voz [gayeon].
FanfictionEu olho você pela última vez, não há um amanhã para nenhum de nós. (ga)on + joo(yeon) — xdinary heroes mozzafiato, 23 ©