Roxo

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A avó de Craig está na cidade. Isso é uma surpresa e tanto. A velha nunca vem, a não ser que seja aniversário dos netos, o que não é o caso. Não importa, ela trouxe presentes; para Tricia, um enorme tapete cor-de-rosa para colocar no quarto, algo que ela queria a muito tempo mas Thomas não deixou.

O presente de Craig não é o que ele esperava. É uma piscina de plástico pequena, daquelas de quintal mesmo. Thomas armou nos fundos, encheu com a água da mangueira. Bem, é verão. Talvez Craig pudesse convidar alguns amigos, certo? 

Isso, amigos. Não o bairro inteiro.

Em instantes o quintal dos Tucker está lotado de pré-adolescentes correndo pra todo lado. Craig observa em silêncio, assustado. O portão balança de um lado pro outro quando Kenny McCormick passa por ele, carregando um isopor enorme debaixo do braço.

— Ô O DINDIN! — anuncia, sorrindo todo arteiro, deixando a mostra a janelinha que nunca mais vai crescer dente. — Tem de Nescau, de bolacha, de Açaí, de...

Craig franze o cenho. Não é possível que seu quintal tenha virado ponto de comércio! E virou mesmo. Basta virar a cabeça pra notar todo mundo colocando moedas na latinha de Kenny e saindo de lá com um gelado.  

— Que isso? — pergunta, cauteloso.

— É dindin, ora mais! 

— Din... din? — espia dentro do isopor. Tem vários saquinhos finos de plástico, coloridos.  — Cara, tu só pegou suco, derreteu aí e colocou no congelador, né? Parece radioativo.

— Deixa de conversa, vai querer, não? É 50 centavos! — Kenny já mete a mão nos saquinhos, tirando um vermelho brilhante. — De cereja com danone ó, por conta da casa, já que a piscina é tua — e tasca o tal din din na mão do moreno, que sai andando, contrariado.

Craig foi sentar na cadeira de praia, um pouco alheio da bagunça. Resolveu dar uma chance pro gelado, dindin, ou melhor, raspadinha, porque ao provar na língua, é só gelo com gostinho.

Assim que localiza o namorado, Tweek vem de mansinho. Ele sim estava na lista de convidados de Craig, não um dos penetras. 

— Ei, cara — o loiro chama, chegando por trás da cadeira.  — Que sabor você escolheu?

— Escolhi nada, o McCormick só colocou esse aqui na minha mão — resmunga, abrindo um pouco mais o saquinho com os dentes. — Acho que é cereja... sei lá — se inclina pra trás, olhando nos olhos azuis do outro.

— Posso provar? — pede, piscando os cílios e erguendo uma raspadinha azul. — Eu queria esse aí mas o Cartman disse que tinha acabado, então tive que pegar Blueberry.

— Querido, você sabe que isso não é Blueberry. Provavelmente é só corante que o McCormick deve ter extraído de canetinha de pintar e misturou com água gelada — ele é realista, arrancando um suspiro do pobre Tweek. — Mas pode provar o meu se quiser.

Assim que Tweek se inclina para pegar a raspadinha de cereja nas mãos de Craig, seus dedos se tocam de maneira sutil. Um arrepio percorre a espinha do loiro, mas ele mantém um sorriso brincalhão nos lábios.

— Ah, e o seu é cereja mesmo? Vou ter que experimentar para ter certeza — diz com um tom de brincadeira, estendendo a mão para pegar o saquinho da raspadinha.

Antes que ele possa pegá-lo, Craig se inclina levemente para frente, interrompendo a ação de Tweek. Seus olhos se encontram por um breve momento, e o sorriso no rosto do moreno se transforma em algo mais suave e intenso. Ele segura o queixo do loiro com delicadeza, inclinando-se ainda mais para trás até que seus lábios se encontrem.

O beijo é doce e suave, como se eles estivessem compartilhando um segredo apenas entre eles. Tweek fecha os olhos automaticamente, entregando-se ao momento. A mão que estava prestes a pegar a raspadinha agora está gentilmente segurando o braço de Craig, como se quisesse se ancorar nesse gesto carinhoso.

Dura pouco porque a posição é muito desconfortável; Craig, sentado na cadeira, se inclinado para trás, e Tweek em pé, todo corcunda. Mesmo assim, ninguém percebeu.

Quando finalmente se separam, ambos estão sorrindo, os olhos brilhando de alegria. Craig solta o queixo de Tweek, mas mantém a mão próxima ao rosto do loiro.

— Gostou do de cereja? — pergunta, meio irônico. — Eu achei o de Blueberry do caralho.

Tweek ri suavemente, sentindo-se um pouco envergonhado, mas não pode deixar de devolver na mesma moeda:

— Acho que vou ter que provar de novo.

...

Kenny finalmente coloca a cabeça pra fora da água, resolvendo fazer uma pequena pesquisa para saber quais sabores de raspadinha foram os favoritos. Para arrancar mais dinheiro da próxima vez? Imagina.

— Escolhi maracujá com Nutella — responde Clyde. Tolkien, que estava ao lado, se encolhe ao escutar o nome do sabor. Ele fazia parte do grupo que desconfiava da procedência desses gelatos do McCormick. — 'Tava muito bom.

— Peguei de limão com leite ninho — Kyle se manifesta, balançando os pés dentro d'água.

— Açaí com morango é o melhor — Stan solta um gemido satisfeito, terminando de chupar o que deve ser sua quarta raspadinha.

— Vê se traz mais de melancia com doce de leite da próxima — foi a vez de Cartman se manifestar, ajustando os óculos de sol no rosto.

— E-Eu peguei Blueberry — Tweek fala, apontando pra língua.

— E você, Craig? — pergunta Kenny, tentando incluir o anfitrião no assunto.

— Aquele lá de cereja — dá de ombros.

Isso não passou despercebido por nenhum dos amigos, que encararam o casal com os cenhos franzidos em confusão.

— Ué Tweek, por que sua língua tá roxa e não azul? — pergunta Kyle.

— E seus lábios roxos e não vermelhos, Craig? — Tolkien levanta a sobrancelha.

— Cacete — Stan murmura, arregalando os olhos, já entendendo tudo.

— Puta. Que. Pariu — Cartman solta um ronco pelo nariz, tendo a mesma percepção.

— Ué gente, não entendi! — Clyde ergue os braços pra cima. Até que tudo faz sentido como um estalo. — AH!

Tweek e Craig se entreolham, extremamente vermelhos.

— EU POSSO EXPLICAR! — gritam em uníssono.

Kenny cai na gargalhada, nadando de costas.

Raspadinha | Creek!Onde histórias criam vida. Descubra agora